quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Dangerous - Capítulo 22 - Pizza


Lembro perfeitamente de como era agonizante seu olhar. Lembro-me dele pedindo que eu resistisse, e por ele eu lutei até o último minuto. Apesar de, simultaneamente, querer ser leve o suficiente para que o vento que chocalhava meus cabelos me levasse junto com ele. Quando pequena, sempre via e ouvia as pessoas dizendo que amizade entre sexos opostos não existia. Fomos a exceção.
Posso afirmar que eu era e sou apaixonada por ele, e como todos os amores, a partida do meu amado me faz sofrer dia após dia. Sabendo eu que essa dor nunca terá fim. Parte de mim é madura o suficiente pra saber que, mesmo que Richard esteja atrás das grades, isso nunca irá fazer Bruno voltar. Porém, a outra parte é pirracenta o suficiente pra ir até onde ele esteja e fazê-lo gritar pedindo desculpas, não importando que ele seja falso, mas que diga, que sinta e que veja o quanto eu sofro pela partida do irmão que ele nunca nem sequer considerou, mas que pra mim, nunca precisou ser de sangue pra ser da família, da minha. Que por fim, Richard se arrependa do que fez.
Mas eu também havia pedido inúmeras vezes que ele ficasse, que resistisse. Nunca vou saber se ele tentou ficar por mim. ''Não fique assim, eu estou bem'' ele dissera aquela vez, dentro da ambulância. Mas eu podia ver que ele não estava. De algum jeito, eu sempre soube que aquele era o fim, mas por ser tão óbvio, eu não enxerguei.
Mas os pegaram.
Richard e Fernandis estavam na cadeia, presos. E eu faria o possível para que eles nunca saíssem de lá. Enquanto seguia o corredor, me lembrava de como haviam pegado eles. Segundo Jeferson, eles estava atualmente na cidade do pecado, Las Vegas. Prenderam-os em uma emboscada, quando ambos tentavam negociar meninas no mercado ilegal de tráfico humano. “Típico de amadores nesse ramo”, dissera Jeferson, não que ele fizesse esse tipo de coisa, mas ele conhecia gente da pesada.
A euforia e o doce gosto de saber que eu estaria frente a frente com causador da morte do meu amigo me deixaram zonza de felicidade. Mas ainda assim, não me esqueci de Bill em nenhum momento.
— Onde ele está? – Perguntei a Jeferson ontem à noite quando ele acabara de me dar a noticia, eu andava de um lado para o outro.
— Da última vez que falei com uns conhecidos meus, os dois estavam em Las Vegas, na delegacia.
— Vamos pra lá! — Disse nervosa — Quero matá-lo, desgraçado!
Jeferson negou com a cabeça.
— Não adianta, se fosse o caso eu já teria ido — Falou — Vão deportá-lo.
—De qualquer jeito eu voltaria pra Alemanha — Suspirei me sentando novamente — E aquela vadia?
— Volta pra cá. E saber que você nunca gostou dela... No final isso tinha um fundamento.
E hoje estamos aqui, parados em frente a uma janela de vidro, enquanto os policiais a interrogavam. Parecia que eu estava em um daqueles filmes policiais que passam na TV, ela estava sentada de frente a uma mesa, enquanto havia dois policiais a sua frente, um com uma pasta e outro debruçado próximo a ela, sorrindo.
— Pela última vez, qual é sua relação com o crime aqui em Los Angeles e com o desaparecimento de meninas em Las Vegas? — O policial que estava debruçado perguntou.
— Só digo na presença dos meus advogados. — E sorriu, olhando diretamente pra tela em que eu estava. — Hm, me diga, não tem nenhuma visita especial pra mim?
— Você quer falar com ela? — Um policial que me acompanhara até ali sussurrou baixinho.
— Quero sim — Disse arrastado, quase inaudível.
Nunca conseguiria descrever o que senti quando pisei naquela minúscula sala. Era como se todo o tempo em que eu cuidei da ferida que a morte do Bruno me causou tivesse ido por água abaixo no instante em que meu olhar cruzou com o dela. As bordas incharam e a ruptura foi inevitável. Aquela seria, em mim, o tipo de ferida que nunca se cicatrizaria, sempre haveria alguém para machucá-la, ela voltaria a sangrar, a casca seria arrancada, dando assim, espaço pra outra se formar.
Eu tinha tanta coisa pra dizer a ela, queria justificativas e porquês da parte dela. Exigir que ela me desse um bom motivo pra justificar a atrocidade que havia ajudado a fazer. Bruno sempre foi tão bom, ajudava as pessoas, me ajudava, era uma pessoa confiável a amável. Dava e nunca pedia nada em troca, apesar de rico nunca perdeu a humildade. Em vida, Bruno me ensinou que temos que dar sem pensar em receber nada por isso. E poucos valorizam isso.
E de tudo do que eu realmente queria dizer, a única coisa que saiu por entre meus lábios trêmulos foi:
— Por quê?
Era uma pergunta sem resposta. Mesmo assim eu queria uma.
Ela me olhou de cima a baixo, analisando. Baixou a cabeça e passou a mão nos cabelos, bagunçando-os.
Ela riu.
Você é tão estúpida assim? Realmente não sabe o porquê? — Ela disse me olhando com uma expressão atrevida.
— Eu quero ouvir da sua boca! — Falei ríspida.
Ela inclinou a cabeça para o lado, me analisando.
— Dinheiro, querida Rokety, dinheiro. — Fernandis deu um sorriso torto, que me deu nojo.
Raiva? Ódio? Sim. Mas meu principal sentimento naquele momento era desejo. Desejo de que ela sentisse tudo que eu senti quando Bruno morreu. Depositar nela meu medo, minha angústia, o desespero, a perda, a dor, o vazio. Cada sentimento ruim que senti. Queria que Fernandis sentisse tudo! Mas eu sabia que isso não era possível. Uma pessoa como ela não sente nada, apenas ambição.
Você é um monstro! – Cuspi as palavras na cara dela. Eu estava lutando com todas as minhas forças para me controlar, para não pular no pescoço daquela mulher e bater nela até eu perde minhas forças. E do jeito que ela falava, debochando do que aconteceu, isso logo aconteceria.
— Você é tão patética Rokety. Eu sinceramente esperava mais de você. Acha mesmo que vai me ofender me chamando de monstro? Já ouvi coisas muito piores. — Ela falava irônica.
— Eu odeio você.
— Entra na fila.
— Como você pôde? Como?! Bruno não merecia isso. — E minha raiva só aumentava.
— Não tenho culpa se ele foi burro o suficiente para acreditar em mim. Bruno deveria ter sido mais esperto. — Ela falava calmamente. Eu não podia acreditar no que acabara de ouvir. Como ela tinha coragem de culpar Bruno pelo que aconteceu?
— Não fale o nome dele, sua desgraçada! — Falei alto, com os punhos fechados. Tentando encontrar forças para me controlar, o que estava ficando cada vez mais difícil.
Bruno, Bruno, Bruno, Bruno. — Fernandis cantarolou, sorrindo. Me olhou de maneira desafiadora. Agora ela tinha ido longe demais. Cruzei o curto espaço entre nós e minha mão atingiu seu rosto. Depositei toda a raiva que eu sentia naquele momento em um tapa. Então um policial entrou na sala me segurando. Fernandis me olhou com uma expressão que misturava raiva e ao mesmo tempo diversão. Raiva pelo tapa, e diversão por ver o quanto ela me afetava. O policial me levou para fora. Mas antes eu gritei:
Tomara que você morra nessa prisão, e só saia daí pra ir direto pro inferno!
Rindo ainda pude ouvi-la responder:
Então nos vemos no lá!

Saí da delegacia completamente desnorteada. Jeferson ia atrás de mim. Meu corpo todo tremia. A vontade de matar aquela mulher não passava. Mas ela seria castigada. Eu estava contando com isso, as lésbicas da cadeia cuidariam dela. Então fui embora, tentando deixar para trás os pensamentos com Fernandis. Ela não merecia que eu perdesse mais um segundo sequer com ela.
No caminho de casa, Jeferson me olhava atentamente. Fingi não ver.
— Não sei se vou consegui segurar as pontas, Rokety — Apertou o volante, em seguida o socou — Não é justo você fazer isso!
— A vida não é justa — Me virei, afagando seu ombro — Vai dar tudo certo.
Ele sorriu, duvidando.
— Vai me dizer que você ainda acredita em felizes para sempre? — Debochou, rindo. Ri também.
— Ah, você não? — Fingi estar ofendida — Poxa! — Rimos, mas logo voltamos a ficar sérios — Aposto todas minhas fichas que eles vão amar o furo que eu vou dar de mãos beijadas a eles.
Ele parou na frente da pousada, meus pais logo nos avistaram e vieram a nosso encontro.
— Demoraram — Lucy disse, e quando me olhou, eu soube que teria que dar explicações a ela — Vamos tomar um café, está fresquinho.
— Ah — Jeferson soltou, lamentando — Não vai dar mesmo, tenho que resolver algumas coisas, burocracia.
— Tudo bem, rapaz — Disse meu pai — Volte outra hora.
Logo em seguida eles foram indo, deixando eu me despedir de Jeferson.
— Se der passo lá à noite. — Saí do carro.
— Beleza, adeus. — Acenou, e quando eu já estava no portão de casa, ele colocou a cabeça pra fora, gritando:
— Talvez esse seja o problema. Você está apostando, literalmente, todas as suas fichas.
E se foi.
O tempo voou. Eu me revisava entre estar com Bill e estar sem ele. O tempo que eu não estava eram os piores, e aos poucos eu voltava a necessitar dele para viver. Ele era a primeira pessoa que eu pensava quando eu acordava e a última quando ia dormir. Involuntário. Estávamos bem, e assim eu queria que continuasse.
Mas eu sabia que querer não é poder.
A autoestima dele voltou a mil por hora, sorria, comia bem, dormia tranquilamente, voltou a viver. Então decidi que ir todo dia pra sua nova casa era muito empenho, o convidei para morar na pousada comigo e meus pais. Não era o luxo que ele tinha na antiga casa, mas era acolhedor, o lugar ideal para eu compor, ele disse.
Para o novo álbum, ele já tinha sete músicas. Tom vinha sempre o visitar, posso dizer que eu e ele estávamos mais amigáveis. Aline estava sempre junto. Estávamos tão bem que eu temia algo acontecer e destruir essa minha felicidade, ela era tão frágil que qualquer sopro já á quebrava.
A melhor coisa em tê-lo comigo, era que todos os dias eu tinha o privilégio de vê-lo dormir, calmo e sereno. Sentei-me do ladinho da cama e afaguei os cabelos de Bill.
— Hey, dorminhoco, acorda! — Sibilei baixinho perto do seu ouvido, dando selinhos por todo seu rosto e uma mordidinha na sua bochecha branca. Ele sorriu abertamente sem abrir olhos.
— Só mais um pouquinho... — Falou com a voz rouca. Soltei uma risadinha.
— Vamos, amor, sem moleza! Vamos tomar café, mocinho! — Disse, dando logo em seguida um beijo demorado nele, entrando com uma das mãos por debaixo do coberto e fazendo cócegas nele. Bill me agarrou pela cintura me fazendo cair por cima dele, rimos juntos.
— Mas eu prefiro aqui — Falou todo manhoso, quase senti pena, mas passou — Vamos ficar aqui — Disse afundando o rosto no meu pescoço. Dei um beijo na sua testa.
— Não, bebê chorão — Disse finalmente, me levantando sendo seguida por ele.
— Malvada.
Ri. Certas coisas nunca mudariam.
Durante o café da manhã, tudo correu bem. Tom estava aqui, isso era suficiente para que a manhã de Bill se iluminasse. Era incrível a conectividade deles, se moldavam como peças de quebra-cabeça, eu mais observava do que falava.
Observei Bill feliz, notei cada traço do seu rosto e o modo como ele me olhava, pensando se ele aguentaria uma nova queda e, se dela, ele sairia tão bem quanto ele saiu dessa. Eu apenas torcia pra que a resposta fosse sim. Eu sabia que do momento em que eu fizesse o que eu achava que era certo, eu estaria não só decidindo a minha vida, mas a de Bill também. Eu ia dar as cartas e comandar as jogadas.
Eu tinha que colocar na cabeça que Bill podia viver sem mim, que sua felicidade não dependia da minha presença. Afinal, ele sempre respirou e nunca precisou dos meus pulmões.

Olhei em volta, e de nós quatro eu era a que menos se encaixa naquele cenário. Eu era uma intrometida, uma intrusa, igual àquelas pessoas que vão a uma festa sem serem chamadas, penetras.
Qual seriam as chances de Bill estar aqui, hoje, se refugiando para compor, para fugir, separado momentaneamente do seu irmão, em uma pousada? Eu lhes repondo: zero. Por que isso aconteceu? Por queeu entrei na vida dele, eu fiz de sua vida uma montanha-russa, porque apesar de, às vezes, eu fazer bem, na maioria das vezes, eu só faço o mal.
Olhando nos olhos dele, sorri, concordando com alguma coisa que eles haviam dito. Vi seu sorriso se estender quando me olhou.
— Acho que agora você, Bill, já poderia voltar pra antiga casa. — Disse de repente, atraindo a atenção deles.
— Por quê? — Bill perguntou, franzindo o cenho. Claro que ele iria querer saber.
— Porque sim — Droga, pensei, resposta errada. Bufei e resolvi contar a verdade, o inferno tinha chegado até aqui. — Acho que vi um fotógrafo rondando aqui hoje.
— Aqui? — Tom disse incrédulo — Até aqui?! Vai se ferrar!
— Acho melhor você ir mesmo, Bill — Aline sibilou — Iria ficar chato se os pais da Rokety acordassem e vissem um monte de gente rondando a pousada deles.
— Você pode dormir aqui essa noite — Pisquei, dando um beijo suave na sua bochecha.
— Uma despedida, hein — Tom disse travesso, tirando assim a pequena tensão que havia se instalado — Alguém vai sair lucrando, e não vai ser eu. — Ele quase sorriu, mas foi interceptado pela mão de Aline em seu ombro.
Pela tarde ajudei Bill a arrumar suas malas e depois fomos compor. Bem, pelo menos ele compôs, porque eu só ajudava a olhar. Quando a noite caiu, eu sabia que alguma coisa iria acontecer, e não seria nossa festinha particular e sim a explosão de Bill com relação a minha ida a Alemanha. Talvez ver a cara de Richard não fosse tão importante pra Bill como é pra mim. Talvez porque ele não saiba a dor de uma perda.
— Acabou! O que adianta ir lá vê-lo? — Questionou, irritado.
— Nenhum argumento seu será forte o suficiente para me fazer ficar — Respondi. Se fosse só ir falar com, Richard, eu poderia repensar e até ficaria pra não criar turbulências entre mim e Bill, mas minha viagem até a Alemanha envolvia mais.
— Nem eu?
Engoli em seco.
— Nem você. — Assim que disse, preferi nunca ter aberto a boca. Bill me olhou magoado, como se eu tivesse acabo de enfiar uma faca no seu peito, e queria poder tira lá de lá, mas era necessário.
Bill sentou-se na cama abaixando a cabeça.
— Você é inacreditável — Disse pausadamente, e aquilo não foi bom, não era como se ele estivesse me elogiando.
Sai de onde estava agachando-me na sua frente.
— Quero que você saiba que tudo que faço, por algum motivo — Sorri — É por você. E que se às vezes cometo erros é porque não sou perfeita, se sou teimosa, como agora, é que as vezes também quero ter a razão na palma das minhas mãos. Que se você sorrir, eu sorrio.
Quando vi, seus braços me envolveram. Ele me puxou para si e juntou nossos corpos. Devagarzinho fui subindo minhas mãos por suas costas arrancando sua camiseta. Bill ergueu os braços me ajudando e voltou a me abraçar me deitando na cama. Ele arfou quando sentiu minhas unhas em suas costas, coloquei meu rosto na curva de seu pescoço sentindo o doce aroma do seu cheiro, que colada na minha pele e me causava vertigens de tão bom que era.
Bill desceu suas mãos pelo meu corpo arrancando qualquer tecido que pudesse me cobrir, então suspirei fundo quando senti sua pele quente em contado com a minha. Fechei meus olhos colocando minhas mãos em seu pescoço enquanto ele me puxava para mais um beijo ardente, sentindo-o mergulhar fundo para dentro de mim. Quando se separou da minha boca, pude enfim soltar o ar, sentindo meu peito explodir dentro de mim enquanto os lábios de Bill faziam um trajeto pelos meus ombros e seios, parecendo querer decorar o caminho que ele já sabia de cor.
— Eu te amo tanto, que chega dói. — Ele disse em voz baixa, sussurrando. Sorri fraco afundando ainda mais meus dedos em suas costas.
Eu queria dizer também que o amava, mas ele me tirava todo o ar, era como se eu fosse um satélite fora de órbita, sem funcionamento algum. Eu me sentia assim perto dele, em êxtase, fora de mim, ainda assim completa. Mas eu não ligava de estar ''desligada'', eu só precisava dele e de mais nada, tudo que eu desejava entre os segundos que eu ia e voltava do céu, era que ele estivesse comigo independentemente de tudo e de todos. E ali, com nossos corpos colados, eu soube que tudo ficaria bem.
Então eu te pergunto: Você sabe o que significado da palavra altruísmo?
Altruísmo significa fazer o bem, mesmo que isso te faça mal.

Saí de manhã bem cedinho, mas antes fiquei longo minutos observando Bill. Incrível como eu não fazia nenhum tipo de esforço com relação a isso, era como se eu pudesse fazer isso sem parar. Nunca liguei para a enorme babaquice que é Crepúsculo, mas, por um momento, entendi como Edward se sentiu ao observar Bella dormir.
O dia já estava clareando, se eu erguesse mais a cabeça até poderia ver o sol nascer. Fiquei tentada em dar um beijo em Bill, mas se eu o acordasse, o que eu diria? Haveria justificativa? Bill dissera me perdoar sempre, pois me amava, levei isso como empurrão para eu ir. Ainda assim, cheguei próximo ao seu ouvido e sussurrei o mais baixo possível:
– Ei, seu cuida tá? Mas se cuida mesmo... Eu não suportaria viver sem você.
Do lado de fora eu sabia que encontraria meus pais, a eles eu teria que dar algum tipo de explicação.
– Vai viajar? – Erick perguntou, observando minhas malas.
– Hm, é né?
– E seu namorado sabe? – Questionou olhando atrás de mim.
– Você vai me impedir se eu disser que não? – Larguei a pequena mala ao lado, eu responderia outras perguntas antes de ir.
– Eu? – Gargalhou – Jamais, você é livre, minha filha. Se você acha que é certo sair de manhãzinha ser dar satisfações a ninguém, nem mesmo á ele, eu não farei nada. Sou seu pai, não seu dono.
Claro, ele não faria nada, isso nunca foi do feitio de Erick, a única vez que ele me obrigou a fazer alguma coisa, foi quando me fez vim pra cá, agradeço aos céus por ele ter feito isso. Do mesmo modo que ele, Lucy também não me impediria.
– Só não demore, filha.
– Oh, pai... – Corri o abraçando, inalando seu cheiro adocicado, parecia que os braços de meu pai foram projetados do tamanho certo pra me acolher. – Eu volto logo.
– Agora vai. – Me afastou olhando nos meus olhos marejados, passando seus dedos por meu cabelo – Eu sei que você está com pressa, esse velho aqui só está te atrasando.
Enquanto me afastava, olhei várias vezes pra trás, meu pai estava na mesma posição, me olhando. Passou pela minha cabeça voltar, desistir de tudo, chutar o pau da barraca, largar aquela maldita mala ali na rua, rasgar a passagem, e por fim gritar. Gritar o mais alto que eu pudesse que eu o amava, não era mentira. Mas o vento balançou meus cabelos e mostrou que o caminho é para frente, reto e sem curvas.


Casaco, meias, botas, e boina. A Alemanha estava no seu período de inverno rigoroso. Ajeitei minha bolsa checando o endereço que me passaram, havia se passado dias desde minha chegada, eu havia me desprendido de tudo que pudesse me localizar, eu precisava, de novo, de um tempo só pra mim. Colocar as ideias no lugar mais uma vez, organizar meus sentimentos, enumerar as prioridades, enterrar a saudade em algum lugar no fundo da minha mente, depois da faxina que eu começara com Richard, um dia depois da minha vinda.
Ele estava diferente, cansado e com barba por fazer, tinha enormes olheiras envolta dos olhos verdes, seu cabelo estava tão oleoso que eu podia fritar um ovo ali. Ainda assim, ele estava igual.
– Me diga, Rokety – Ele me olhou irônico – Eu sou ou não sou alguém importante? Veja, você está aqui na minha frente! Quase achei que não viria me fazer uma visita.
Ri friamente.
– Achou mesmo que eu iria perder a chance de te ver assim... – O mirei com nojo – Nesse estado? Enfim, você está do jeito que sempre foi – Cheguei próximo ao seu rosto, e sussurrei maléfica – Um lixo de pessoa.
Richard não se abalou, ao contrário, riu como se eu tivesse acabado de contar uma piada.
– Tem certeza que eu sou um lixo de pessoa? Tem certeza? – Questionou, semicerrando os olhos – Porque das pessoas aqui da sala, que eu saiba, a única pessoa que se cortar pra se sentir bem é você, meu bem – Sorriu triunfante, como se suas palavras tivessem efeito sobre mim – Eu posso ser um lixo, mas tenha a decência de admitir que você não está muito longe de ser igual a mim.
– Você tem inveja de mim, e principalmente – Me afastei, cruzando as pernas – De Bruno, do que ele era e você nunca seria, e tenha a decência de admitir que você nunca irá ser.
Bingo. Vi o resto dele se retorcer em uma mascara de fúria, ódio e raiva. Mas eu só estava no começo.
– Inveja do amor que ele tinha que você nunca recebeu, bastardo. – Eu me divertia, enquanto pisava com o sapato alto em cima de sua ferida, ria descontroladamente vendo sua respiração apressada, quase podia vê-lo suando. – Sempre teve inveja de nós.
– Inveja de você? – Disse baixo, sombriamente. – Dele? – Ele riu balançando a cabeça – Você se acha demais, sempre se achou, se toca, você era apenas uma garota de dezesseis anos, achando que sabia demais, sendo que tinha somente um quarto, o dinheiro dos seus pais e alguns amigos que, se fosse contar não enchia nenhuma mão.
– Pelo menos eu tinha, e você? – Repliquei, sabendo que não poderia contestar a verdade de suas palavras.
– Antes não ter nenhum amigo, do que ter um bando de gente falsa me rondando, eu era drogado, revoltado, não era igual a ele, não tinha o que ele tinha, não sou o que ele era, e como você mesma disse, nunca vou ser. – Ele disse cada palavra olhando nos meus olhos – Mas isso realmente conta? Eu estou aqui, vivo, respirando, vivendo, e ele? – Riu sarcástico, colocando as mãos algemadas na minha frente, apontando com o dedo indicador pra cima – Vou dizer céu pra ser legal com você, mas eu desejo que ele esteja no inferno.
Controlei a respiração, pisquei e o encarei de um jeito assustador.
– Se for da sua vontade, estou disposta a te mandar agora mesmo pra lá pra você checar com seus próprios olhos.
– Adoro suas piadas, sempre desconfiei que por de trás dessa sua máscara de durona, você era na verdade, uma palhaça.
– Não me provoca – Trinquei os dentes.
– Vá embora, Rokety – Falou entediado – Passou, foi. Tenha piedade de você mesma e de meia volta, se você acha tão injusto assim a morte dele, comece a fazer algo que ele estaria fazendo se ainda estivesse aqui, viva.
Até hoje me questiono sobre esse dia, apesar de parecer surreal, Richard de algum modo se arrependia do que fizera, não era o que eu esperava, mas valeu. Ainda que seja Richard, se ele pedisse perdão a mim, eu perdoaria, pois todos cometem erros, alguns, como o dele, sem voltas.
Balancei a cabeça, passado, Rokety, o deixe lá, minha mente me pedia, então voltei a minha realidade.
– Rokety? – Ele me olhava preocupado – Está tudo bem?
Pisquei.
– Oh, sim, me desculpe – Sorri sem jeito, me ajeitando na cadeira.
– Acho que vou perguntar de novo, acho que você não me escutou – Disse rindo – Tem algo que você não nos contou que queira nos dizer agora?
Olhando no fundo de seus olhos concluí que a vida se resume em pizza. A vida é feita de pizza se for parar pra pensar, cada pessoa é uma massa pré-cozida, do tipo que você compra em supermecardo, ao longo da sua infância você acrescenta alguns ingredientes a sua massa, começa a construi-lá, esse ingredientes somos o que chamamos de pessoas, recordações, lembranças, momentos inesquecíveis. Essa fase de preparo é a mais importante, pois essa parte é a que dirá se no final a pizza ficará boa ou ruim. Na adolescência acrescentamos o que dá gosto à pizza, amores, paixões, felicidade, amigos, e mais momentos inesquecíveis, só que essa parte é a mais difícil no projeto de preparo, aqui cada dose exagerada é fatal de algum modo a sua pizza, você pode deixa lá doce demais ou salgada demais, alguns a deixam no meio, muitos erram a mão, mas só sabem disso no final. Então estamos na penúltima fase de preparo, somos pessoas maduras, sabemos o peso de nossas consequências, somos mais cautelosos, quase não erramos aqui, pois já vimos como são a pizza de algumas pessoas e não queremos que a nossa fique parecida, as vezes a pizza da pessoa parece tão boa que queremos ter a pizza dela, mas não podemos, cada um tem a pizza que prepara. Agora acrescentamos o recheio da pizza, acrescentamos confiança às pessoas, morremos de amor, vivemos como adolescentes algumas vezes, mas vemos o mundo com um olhar diferente, às vezes acrescentamos pessoinhas que nem sabiam que fariam parte da sua pizza, nem você, mas você não se incomoda em deixa-las em um lugar de destaque em sua pizza, você sabe que ela é tão essencial na sua pizza como os demais ingredientes, a diferencia é que você agora não pode viver sem elas. Pronto, sua pizza está pronta. Então você senta debaixo da sua varanda e a aprecia. Prova o gosto que sua pizza tem, se delicia. Prova o gosto que sua vida tem, nem todo mundo sai bem no preparo da sua pizza, alguns erram desde o começo, então deixam pra lá, o gosto da pizza não é o dos melhores, mas fazer o que? É sua pizza! É você. A vida é como uma pizza, feita de etapas, e em cada uma delas temos que tomar cuidado, qualquer deslize e pronto, às vezes, não se pode voltar a trás, e infelizmente, Rokety, boa ou ruim você vai ter que comer a sua.
– Bill tem uma namorada.
Pronto, eu acabará de acrescentar mais um ingrediente na minha pizza, na minha vida.

Postado por: Grasiele

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