sexta-feira, 27 de abril de 2012

Coração De Outono - Capítulo 10 - Acontecimentos de rua.

(Contado por 3º pessoa)

A essa altura ela estava encostada contra a parede, com as mãos imobilizadas pelo homem que continuava beijando-a. O medo a percorria, enquanto tentava frustrantemente se desvencilhar. Os outros dois estavam mais um pouco afastados apenas vendo a cena, rindo e fumando. Pensa rápido Aiyra, ele vai tirar seu sutiã! Pensa rápido, pensa! Quando a mão livre dele conseguiu encontrar o fecho do sutiã dela, uma luz – daquelas quando uma pessoa tem uma incrível ideia – se acendeu em sua mente. Num movimento rápido, Aiyra acerta com o joelho as partes intimas do homem. Com a dor, ele a larga e se encolhe um pouco.

- Vadia! – diz ele, com dificuldade. – Eu vou te matar, cachorra!

Perfeito! Pensou ela. Mais uma ameaça de morte nas minhas costas. Ela não iria ficar ali esperando que ele se recuperasse do chute e a matasse, então se aproveitou da situação e saiu correndo. Às vezes olhava para trás e numa dessas notou que dois dos três rapazes estavam seguindo-a. Ela nem sabia ao certo onde estava só tentava correr o mais rápido possível.
O certo é qualquer pessoa olhar para os dois lados da rua, se a mesma for de mão dupla pra não correr o risco de ser atropelado. No seu caso, estava tão desesperada que assim que avistou o primeiro carro vindo, se colocou na frente. O veiculo teria que parar, a não ser que o motorista quisesse atropelar alguém. A poucos centímetros de Aiyra, o carro fora freado. Os vidros eram escuros e não dava pra saber se era um homem ou uma mulher atrás daquele volante. Ela ficou tão distraída, tentando adivinhar se aquele ser humano iria ou não sair para lhe ajudar, que nem ao menos percebeu quando os dois rapazes chegaram perto.

- Pensou que iria escapar? – diz o loirinho, segurando seu braço.
- Me solta! – diz ela, novamente tentando se desvencilhar.

Talvez o destino tivesse trabalhando arduamente para que mais um encontro acontecesse. Não era a melhor hora, mas isso não era importante naquele instante. A porta do carro se abre e ao sair, Aiyra pôde ver que era ele, Bill Kaulitz. Não dava pra saber o que era pior: permanecer ali para ser estuprada ou acompanha-lo e no meio do caminho os dois tentarem se matar. Mas de uma forma inexplicável, a presença dele a confortou e ela sentiu um alivio um tanto grande. De algum jeito ela sabia que não correria risco algum se estivesse ao seu lado.
Que ela tinha aprontado alguma, disso ele tinha certeza. Aqueles homens não costumam ir atrás de ninguém atoa. Não era exatamente da sua conta e por um instante Bill pensou em deixa-la para se virar por conta própria, pois não seria uma má ideia vê-la se dando mal. Mas alguma coisa lhe dizia que não podia fazer isso, que não podia deixa-la sozinha. Ele conhece muito bem esse tipo de gente, e aqueles rapazes um dia lhe venderam drogas. Não seria nada difícil negociar com eles, um pouco de dinheiro e o problema – seja lá qual fosse – estaria resolvido.

- O que estão fazendo? – pergunta Bill.
- Essa vagabunda chutou as bolas do patrão! – diz o que a segurava.
- Vagabunda é a senhora sua mãe! – diz Aiyra.
- Soltem-na agora! – Bill ordena, com seriedade. – E também acho melhor começarem a ter mais respeito pela mulher dos outros – ele vai se aproximando. -, porque essa vagabunda que estão dizendo, é a minha namorada.

O que ele está fazendo? Aiyra se pergunta. Ela não queria pensar muito no que ele poderia estar tentando fazer, só queria se livrar logo daquilo e ir para casa.

- E desde quando um cara como você tem namorada? – diz o outro.
- Vou fingir que não escutei isso, por não ser da conta de nenhum dos dois! – fala mais alto. – O que estão esperando para deixa-la em paz?

O rapaz solta o braço dela e lhe dá um leve empurrão, impulsionando-a a ir de encontro ao Bill. Ventava um pouco e ao se aproximar, não demorou muito até que ele sentisse o seu cheiro. Não era apenas perfume, era como se fosse um cheiro próprio, um tipo de marca que só ela tinha.

- Você está bem? – pergunta a ela, acariciando seu rosto. Aiyra assente positivamente com a cabeça, ainda sem entender o motivo de ele estar agindo daquele jeito. – Então entra no carro. – ela obedece. – E quanto a vocês, acho melhor não mexerem mais com ela, ok?
- Esperai! – diz o loiro. – O que a gente vai falar para o patrão?
- Diga a ele que resolvo isso depois.

Bill entra no carro e dá partida. O percurso sem rumo se iniciou e eles não trocaram uma palavra se quer nos primeiros minutos. Aiyra esfregou uma mão na outra, demonstrando estar com frio, e ele liga o aquecedor. Não pareceu ter adiantado muita coisa, mas isso era fácil de explicar. Com essas roupas curtas só poderia estar sentindo frio mesmo. Bill pensa consigo mesmo, enquanto olhava disfarçadamente para as pernas dela. Num gesto de cavalheirismo – o que não costuma ter – ele diz:

- Tem um casaco no banco de trás. – voltou seu olhar para a estrada.
- Que ótimo! Assim você para de olhar as minhas pernas.

Ela se inclina um pouco e pega o mesmo, vestindo-o logo em seguida. E como era previsto, o casaco fica grande. Aiyra prende o cabelo e coloca o sinto de segurança. Para não ficarem naquele silêncio todo, ela toma a liberdade de colocar uma música para tocar e ele desliga o som poucos segundos depois.

- Ok. – diz ela. – Pelo menos fala alguma coisa.
- Não sou obrigado a falar contigo. – permanecia sério.
- Então tá. – novamente liga o som, e outra vez ele desliga. – Garoto chato!
- Acabei de salvar sua vida, deveria me agradecer.
- Ah, quer dizer que esse circo é por falta de agradecimento? – ela o encara. – Tá legal... Obrigada. – ele a olha. – Mas isso não significa que alguma coisa tenha mudado. Eu continuo te achando a pessoa mais imbecil do mundo e te odiando. – ele solta uma leve risada.
- Que bom, porque eu realmente não queria que nada mudasse.

Alguns breves e contáveis minutos calada, e Bill começava a compará-la ao burro do Shrek. Ela havia “desobedecido” uma ordem sua e ligou o som pela terceira vez. Além de estar cantando, perguntava para onde estavam indo e nem ele sabia ao certo. Mais que droga, que garota irritante! Pensa ele, desejando que ela tivesse um botão de desligar. Foi se segurando, aguentando até não conseguir mais.

- Dá pra calar a boca?! – grita ele.
- Cala a boca você! – grita de volta. – Tá pensando que é quem? – ele freia bruscamente o carro, fazendo seus corpos irem para frente e voltarem ao mesmo lugar. – O que foi? Parou por quê?
- Desce do carro. – destravou as portas. – Desce da droga do carro agora!

Com raiva e não se preocupando com o que poderia acontecer, ela abre a porta e sai. Bill acelera novamente, e vendo pelo retrovisor que ela ficou parada no meio da rua, sente algo diferente. A parte boa de sua consciência ordenava que desse marcha ré e se fosse preciso, a obrigasse a voltar para o veiculo. A parte má lhe dizia que seguir em frente era o melhor a se fazer, e que ela se danasse sozinha. Ele fechou os olhos e pela primeira vez na vida sentiu um arrependimento inexplicável. Acabou optando por ouvir a sua parte boa.

- Vocês se odeiam, Bill. – dizia a si mesmo. – E não é sua obrigação leva-la em segurança pra casa.

Mas se não o fizesse, ficaria se perguntando como ela estava e se havia chegado bem ou não. Pra não correr esse risco, parou o veiculo ao lado dela. Abaixou o vidro...

- Sei o caminho de casa. – ela mente, pois não fazia ideia de onde se estava. – Pode ir embora!
- Quer mesmo que eu vá até ai e a force a entrar?
- Experimenta encostar um dedo em mim e arrebento a sua cara! – foi ignorante.
- Deus, me dê paciência. – ele olha pra cima. – Deixa de ser orgulhosa, garota e entre logo!
- Não preciso de você!
- Mais que desgraça! – ele sai. – Entra na porra do carro! – grita.
- Eu te odeio, Kaulitz. – disse, enquanto se encaravam.
- Sério? Isso vai mudar completamente minha vida. – foi sarcástico.

Talvez tivesse razão e nem ao menos soubesse. Talvez aquilo fosse mesmo mudar sua vida de alguma maneira. Não era possível prever o futuro, mas muita coisa pode acontecer em pouco ou muito tempo. E após rodarem por mais de vinte minutos, finalmente o automóvel fora estacionado do outro lado da rua. Eles permaneceram calados. Ela, pensando que apesar de qualquer coisa o Bill quis ajudar. Ele, tentando entender e encontrar quais as razões que o levou a voltar. Os dois sabiam – ou achavam – que uma simples carona não iria mudar em absolutamente nada entre eles e se fosse possível, poderia piorar as coisas.

- Porque fez aquilo? – ela rasga o silêncio. – Porque desceu do carro pra me ajudar?
- Você precisava. – responde.
- Fez isso duas vezes. – se olham. – Poderia ter me deixado lá.
- Vou me lembrar disso da próxima vez.

Abandonar alguém praticamente no meio do nada não é exatamente uma de suas diversões favoritas. Bill não tinha qualquer tipo de resposta pelo ocorrido, não sabia o motivo concreto, ou bem no fundo soubesse. Tinha certeza que não era apenas para tê-la ainda mais em suas mãos, era muito mais que isso, mas não dava pra dizer, mesmo que quisesse e tentasse.
Era madrugada. O vento soprava e anunciava que assim que amanhecesse, faria muito frio. Aiyra começa a tirar o casaco dele, quando é interrompida.

- Não tem que devolver agora. – diz Bill. – Está meio frio lá fora.
- Não quero ficar com nada que te pertence. – termina de tirar o casaco e o coloca no banco de trás. Abre a porta e antes de sair... – Valeu pela carona.

Bill espera até que ela atravesse a rua e entre em casa. Continua parado ali por mais dois ou três minutos, sem saber que estava sendo observado pela Aiyra por uma pequena fresta da cortina de uma das janelas.

***

Ele fecha a porta do quarto, jogando o casaco em cima da cama e indo à varanda. A Lua estava bonita e seus pensamentos logo começaram a se perder. Ela mexe com ele. De alguma forma ela mexe muito com ele. Talvez fosse seu jeito marrento, ou o modo como fala, quem sabe não são seus olhos? Bill tinha que admitir que ela é dona de belos olhos, não somente pela cor, mas por eles esconderem algo que um dia ele acabaria descobrindo.
Se deita na cama de barriga para cima e fica olhando para o tento. Havia um cheiro diferente naquele espaço, e ao olhar para o lado, se depara com o casaco que há poucos minutos cobria o corpo dela. Seus olhos se fecharam e suas narinas aspiraram aquele perfume.

- Vocês se odeiam. – repetiu para si mesmo. – E isso nunca vai mudar.

Bill se levanta, começa a tirar sua roupa e vai andando para o banheiro. Liga o chuveiro e entra debaixo da água fria, ficando ali por mais ou menos quinze minutos. Se lembrou do exato momento em que a viu parada em frente ao carro, com aquele olhar meio aflito. Balança a cabeça, tentando se desfazer daqueles pensamentos.
Ao sair, ainda com uma toalha enrolada em sua cintura, vai à escrivaninha. Abre a gaveta e pega a caixinha azul. Eu preciso parar com isso. E precisava parar antes que acabasse com sua própria vida, perdendo todos os seus sonhos sem nem ao menos tê-los conquistado.

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 9 - O passado nunca é totalmente passado.

(Contado por Pedro)

Nesse exato momento a Anna dormia feito um anjinho em sua cama. Aquela deveria ser a terceira ou quarta vez que fui até seu quarto para verificar se estava tudo bem. Me aproximei de sua cama, puxei um pouco o cobertor. Dei-lhe um beijinho na testa, e abri um pouco a cortina da janela, somente o suficiente para a claridade penetrar no ambiente e ela se sentir melhor ao acordar.
A Clarisse estava no ateliê e provavelmente só chegaria à noite. As encomendas de vestidos de noiva aumentaram e ela quase não tinha tempo para realizar outras atividades, como costumávamos fazer logo que nos casamos. E se eu for parar para pensar um pouco, nada mais estava como antes. Não digo só pelas duas mudanças de residência que fizemos, mas nós também mudamos muito.
Desde que a Anna nasceu, as coisas se modificaram de um jeito estranho. Não consigo mais ter aquele relacionamento afetivo, cheio de emoções com a Clarisse. Parece que nós... esfriamos um com o outro. Talvez seja pelo fato de trabalharmos muito para favorecermos o que não tivemos para nossa, ou melhor, nossas filhas. Mas está faltando algo. Está faltando uma peça desse quebra-cabeça.
Aproveitei o silêncio quase que ensurdecedor da casa, para me concentrar na leitura e análise de alguns relatórios da empresa, que não pareciam ter fim. Agora que tenho sociedade com um dos homens mais ricos da cidade, preciso saber exatamente o que fazer com os lucros. Posso dizer que tudo corria perfeitamente bem, até que o passado começou a atormentar o meu presente.

(Flashback)

Fazia exatamente cinco meses que estávamos casados. Nosso cantinho não era tão grande, muito menos cheio de luxo. Era uma noite chuvosa e nos encontrávamos sentados e abraçados à beira de uma minúscula lareira na sala. As luzes apagadas deixavam o ambiente um tanto quanto romântico. Eu não precisava de mais nada, além dela. Só de ver seus olhos brilhando e seu sorriso encantador, meu dia se fazia perfeito.
A mulher da minha vida. A pessoa com quem desejava passar todos os dias, aquela que, mesmo com o passar do tempo, faria meu coração acelerar com cada palavra e me faria rir feito um bobo por simplesmente pronunciar seu nome. Era com ela que eu queria ficar até meu último suspiro.

- Pedro, eu conheci uma pessoa e acho que estou amando. – diz ela, sem me olhar.
- Como assim? – perguntei sem entender.
- Olha, aconteceu de repente, mas não deu pra evitar. Foi mais forte que eu, me desculpe.
- Quem é? – senti medo da resposta. – Eu conheço?
- Não. – respondeu, mas não me senti aliviado. – Na verdade... Nem eu conheço direito.
- O quê?
- Só iremos conhecê-lo, ou melhor, conhecê-la daqui seis meses. – sorriu de um jeito sacana.

Senti meu coração palpitar mais rápido que o normal. Por um instante achei que ele tinha parado de bater. Recuperei a consciência e o riso saiu involuntariamente. Eu não conseguia controlar.

- E-Está grávida? – perguntei e ela balançou a cabeça positivamente, mantendo aquele sorriso maravilhoso nos lábios. – Eu vou ser pai? – disse, sem acreditar. – Eu vou ser pai! – repeti, me levantando e abrindo os braços. – Vou ser pai! – gritei, enquanto ela ria.
- O melhor pai do mundo! – diz ela, e me sento novamente ao seu lado.

Selamos nossa felicidade interminável com um beijo. Ser pai era tudo que eu queria e uma criança era exatamente o que faltava para nos tornarmos uma família de verdade.

- O que acha de chamarmos a nossa menininha de Aiyra? – sugeri.
- Claro! É lindo esse nome.
- Eu te amo Cassie. – coloquei minha mão sobre sua barriga. – E prometo que... Irei amá-las a cada segundo e que cuidarei das duas sempre.

(Flashback)

Me assustei ao ouvi a porta da sala ser batida com força. Me levantei e fui verificar quem havia chegado. A empregada que tirava a poeira dos móveis, disse que fora a Aiyra e que ela aparentava estar com muita raiva. Eu queria ir até lá, mas tinha receio dela me tratar com a hostilidade de sempre e não querer conversa. Fiquei um pouco pensativo, mas no fim decidir ir ao seu quarto.
Estava no corredor que dava acesso ao seu quarto, e quando fui me aproximando da porta, ouvi sons de coisas se quebrando. Ao entrar no mesmo, me deparei com a Aiyra brigando sozinha, como se estivesse com raiva de alguém e arremessando tudo que via pela frente, na parede.

- Ei, ei, ei, ei! – cheguei mais perto e consegui pegar uma caixinha de vidro das suas mãos antes que fosse jogado contra a parede. – O que é isso? Ficou louca?
- Me deixe em paz! – gritou, com raiva.
- Pra você quebrar o quarto inteiro? – coloquei a caixinha sobre a escrivaninha. – É claro que não!
- O quê que é? – quando ela cruzava os braços e me olhava daquela maneira, me tirava do sério. – Vai querer me impedir de extravasar minha raiva, é isso?
- Quer extravasar sua raiva? – perguntei. – Comece a dar murros na parede, mas não quebre nada!
- Você não tem coisas mais importantes pra fazer, do que ficar me enchendo o saco, não?
- Aiyra... – abaixei mais o tom de voz, para talvez, ela pensar em fazer o mesmo e me aproximei. – O que houve?
- Não é da sua conta! – foi se sentar na cama.
- Eu só... Só quero te ajudar, filha.
- Por acaso eu disse que precisava da sua ajuda?
- Quer saber – levantei um pouco as mãos, como se estivesse me rendendo. -, eu tô cansado. Eu sinceramente cansei de ficar tentando melhorar as coisas, porque você não colabora e só complica! – alterei a voz. – Eu cansei de bancar o pai bonzinho, enquanto você me joga pedras! Se não quer resolver nossos problemas, por mim tudo bem. Eu desisto! Nesse exato momento estou abrindo mão de tudo, absolutamente tudo! – ela permanecia calada, e me olhava um tanto assustada. – Não vou mais me esforçar, pois vejo que meu esforço está sendo inútil.

Já ia sair, mas voltei para completar...

- Ah, e você está de castigo.

***

Retornei à sala e me sentei no sofá. Fiquei pensando no que acabara de acontece e se talvez eu não tivesse sido um tanto quanto rígido. Eu sei que aos poucos a minha paciência parece estar se acabando, mas eu não posso desistir. No fundo eu sei que não tenho o direito de desistir, mesmo ela me tratando daquela maneira.
Naquela mesma tarde, a Clarisse chegou mais cedo em casa. Achei até estranho, mas ela disse que precisava de um tempinho com a Anna. Sentada ao meu lado e tentando me consolar de todas as formas possíveis, Clarisse acariciava meu braço com a ponta das unhas.

- Eu comprei um carro pra ela. – disse. – Um modelo novo que chegou à concessionária e que foram encomendados apenas três pra esta cidade. Um dos melhores carros que eu já vi, mas que ficará guardado por um longo tempo por conta dessa maldita discussão.
- Eu sinto muito, querido. – suspirei.
- O quê que eu faço, Clarisse? – a olhei. – Por favor, me diga o quê que eu faço pra acabar com isso de uma vez?
- Você sabe o que deve fazer. – ela fez uma pausa. – Conte a verdade. Conte toda a verdade.
- Não posso fazer isso.
- Pedro – ela se ajeita no sofá, e continua me olhando. -, me desculpe pelo que irei dizer, mas... A mãe dela está morta. Você é a única família que essa garota tem, e se quiser que as coisas comecem a dar certo, precisa dizer como tudo aconteceu. – segurou minha mão esquerda. – Meu amor, você tem que mostra-la quem é o verdadeiro vilão dessa história.
- Estamos falando sobre algo que aconteceu há tanto tempo, e a mãe dela sempre foi um exemplo.
- Exemplo? Que tipo de exemplo era aquele?
- Clarisse, eu não posso. – me levantei. – Não dá. Eu não consigo.
- Tudo bem. – ela também se levanta. – No seu lugar, eu pensaria um pouco mais nesse assunto. – passa sua mão em meu rosto, levemente. – E independente da sua decisão, sabia que estarei aqui. – me dá um selinho. – Agora irei ver como a Anna está.

***

Já era noite, e mesmo que o Pedro tenha dito que eu estava de castigo, não me importava. Eu não queria e nem iria ficar presa em casa, só porque ele queria. Não mesmo, de jeito nenhum! Então peguei o celular e liguei para o Tom e combinamos de nos encontrarmos na boate. Tomei um banho rápido e me vesti com um short jeans claro, uma blusa preta larguinha com alguns paetês e sapatilha de tachinhas.
O próximo passo seria sair de casa sem que ninguém percebesse. Isso era meio difícil, e o resultado foi que acabei apelando para um velho truque. Fiz uma corrente com os lençóis que encontrei no quarto, jogando a mesma pela janela. Venci o medo de altura e desci devagar, fazendo o possível para não olhar pra baixo.
Quando já estava a certa distância da casa, chamei um táxi. Cheguei à boate em menos de dez minutos. Por saber que sou amiga do Tom, o segurança permitiu que eu entrasse facilmente. Lá dentro procurei pelo Tom, que bebia no bar. Me aproximei dele, lhe dando um beijo no rosto.

- Uau! – diz ele, se levantando. – Você está... – segurou minha mão e me fez dar uma voltinha.
- Gostosa? – completei e nós rimos.
- Lembre-se que foi você quem disse. – deu uma piscadinha.

Ainda segurando minha mão, fomos para a pista de dança. As horas passavam voando, e num segundo eu estava bebendo, n’outro estava vendo o Tom se agarrar com uma garota qualquer. Voltei ao bar para pedir mais uma bebida e comecei a pensar que se eu ficasse bêbada, gostaria muito que o barman me levasse pra casa. Não bastasse o sorriso lindo, tinha um corpo incrível e uma simpatia inexplicável.
Enquanto fiquei de costas para o balcão, observando o movimento da pista, olhei de relance para o lado e vi o Bill no maior amasso com uma morena. Senti raiva, não por vê-lo acompanhado, mas por estarmos no mesmo local e eu ter que me controlar para não voar em cima dele e arrebentar aquele rostinho. Ele e sua acompanhante vieram até o bar e pediram duas bebidas – caras.
Minha presença só fora notada, quando o barman veio me entregar o que eu havia pedido. No maior cinismo do mundo, acenei e lhe joguei um beijinho. A garota que estava ao seu lado não gostou muito, e eu ri ao ver a expressão dela. Bill veio até mim...

- Não bastasse no colégio, ainda tenho que te encontrar aqui? – diz ele.
- Ah, olha pelo lado bom gatinho – beberiquei a bebida. -, nesse lugar você não corre o risco de ser morto.
- Está me fazendo uma ameaça, Burke?
- Eu? Mas é claro que não! Imagina se eu faria algo assim. – sorri. – É lógico que estou te ameaçando. Mas fica tranquilo, porque quando eu for executar o serviço não terá nenhuma testemunha. – ele ri.
- Talvez fosse melhor eu começar a me preparar.
- Talvez sim, Kaulitz. – disse num quase sussurro. Lhe joguei outro beijinho, me levantando dali e saindo.

Apesar de a noite estar muito boa, eu não queria bancar a vela e ficar me intrometendo nos rolos alheios. Me despedi do Tom – e do barman – e sai da boate. Fiquei sabendo que havia um ponto de táxi há dois quarteirões e fui andando. Pra cortar caminho, resolvi passar por um beco meio escuro e consideravelmente assustador. Estava quase chegando ao final do mesmo, quando avisei um trio de rapazes fumando que resolveram se engraçar comigo.

- Está perdida, boneca? – diz o primeiro.
- Podemos te ajudar a chegar a chegar em casa com segurança. – o segundo me deu um tapa no bumbum.
- Volte a tocar em mim, e não será homem pra tocar em mais nada! – disse e eles riram.
- Garota de personalidade, hein? – diz o terceiro, que resolve se aproximar mais que os outros. – Mas relaxa, porque ninguém aqui vai fazer nada que você não queira.

No inicio eu não estava com medo, mas depois de me segurarem e tocarem em lugares que não deveriam, comecei a temer por minha própria vida. O loirinho que parecia ser o “cabeça” do trio veio até mim e me forçou a beijá-lo. Caramba, não é que esse desgraçado beija bem?! E ele também não era de se jogar fora. Não estava tão escuro assim e eu consegui ver o rosto de cada um. Senti a mão do loirinho acariciar as minhas costas por dentro da blusa, depois a mesma tentou achar o fecho do meu sutiã. Eu vou ser estuprada! Foi a única coisa que pensei.

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 8 - Girando a roleta a seu favor.

(Contado por Aiyra)

Ir para o colégio, agora não me parecia mais um bicho de sete cabeças. Só de imaginar o rostinho do Bill cheio de raiva, já me dava um ânimo a mais para frequentar aquele lugar. Ter descoberto que ele usa droga, não é a coisa mais interessante do mundo, ou o segredo mais cabeludo que se pode ter. Mas isso atrapalharia muito na carreira de grande sucesso que seu pai teve trabalho para construir. Seria um enorme escândalo, sem contar o nome da família estampado em todos os jornais, e os clientes não ficariam satisfeitos por saberem que Gordon Kaulitz não sabe comandar o próprio filho, quanto mais uma empresa.
Desci as escadas, e vi a Anna sozinha na sala, deitada no sofá. Pelo horário, ela deveria ter ido para o colégio. Não queria me intrometer, pois sua mãe deveria saber o que estava fazendo e que estava muito atrasada para leva-la. Mas não resisti, e tive que me aproximar da garota, que me pareceu meio desanimada. E essa é uma coisa que não faz parte de sua personalidade.

- Anna, está tudo bem? – perguntei, me sentando ao seu lado.
- Minha barriga dói. – respondeu.
- Onde está a sua mãe?
- No ateliê. A babá me trouxe pra casa.

A Clarisse não poderia ter deixado sua filha sozinha naquele estado. Eu não tinha coragem de falar com ela, então achei melhor ligar para o Pedro, que havia acabado de sair para o trabalho. Procurei por seu número numa agenda telefônica. Disquei os números e aguardei. Sua secretária atendeu e disse que ele estava numa reunião muito importante, e que não poderia me atender.

- Avisa ao Pedro que a filha dele está praticamente morrendo! – apelei para o exagero de mentira. – Se ele demorar muito, encontrará o corpo da menina estirado no sofá!

Perder um dia de aula significava perder de ver o Bill me fuzilar com os olhos. A ligação foi repassada rapidamente. Lhe expliquei toda a situação, e ele disse que demoraria no máximo dez minutos para chegar. Tive que esperar, pois mesmo não tendo tanta intimidade com a garotinha, me sentiria culpada se a deixasse. Para facilitar um pouco mais as coisas, decidi procurar por remédios. Fui ao banheiro do quarto dela, e os encontrei numa bolsinha na estante do banheiro. Li os rótulos de alguns e peguei o que achava certo. Retornei à sala e ao chegar lá, vi o Pedro ajoelhado próximo ao sofá, acariciando o cabelo da Anna.

- O papai está aqui agora, tá? – diz ele. – Vai ficar tudo bem. – ela dá um sorrisinho meigo. – Vou buscar seu remédio e já volto. – ele se levanta.
- Eu trouxe... – mostrei o remédio.
- Obrigado. – pegou o frasco da minha mão. – Não está atrasada para o colégio?
- Já estou indo.

Coloquei novamente a mochila nas costas fui saindo. Antes de atravessar a porta, olhei para trás. Pedro sorria e tentava fazer com que a Anna se sentisse melhor. Ver aquilo foi o mesmo que reviver o passado e me coloquei no lugar dela por longos dois segundos.

***

Não consegui chegar a tempo para a primeira aula, e também não me importei nada com isso. A próxima aula era de química, e eu tinha que passar no meu armário para pegar o livro, depois iria pra sala. Aproveitei para guardar algumas coisas e pôr outras na mochila. Quando fechei a porta do mesmo, levei um leve susto ao me deparar com o Bill ali de braços cruzados, me encarando.

- O que foi? – perguntei. – Me ver ontem a noite não foi o suficiente?
- O que pretende fazer a respeito...
- Do seu segredinho? – o interrompi. – Ainda não sei, mas talvez eu possa usar isso a meu favor.
- Você não vai ter coragem de fazer nada contra mim.
- Tem certeza? – coloquei o livro na mochila. – Não me subestime.

Ele e sua mania de chegar mais perto. Aproximou-se de mim, lambeu os lábios, olhou para os lados, colocou as mãos nos bolsos e sorriu. Se não nos odiássemos, eu diria que ele estava tentando me seduzir de alguma maneira. Por dentro dei gargalhadas e me segurei pra não esboçar nada.

- Não vai demorar muito até eu consegui descobrir apenas um segredo seu. – diz ele, que me encarava.
- Isso vai depender de você. – cruzei os braços. – Mas eu realmente duvido.
- É melhor não me subestimar. – deu outro sorriso. – Posso te surpreender.
- Vá em frente e me surpreenda.

Bill se aproxima ainda mais de mim, encosta seus lábios na minha orelha e nesse instante senti um arrepio percorrer meu corpo. Isso ai já é sacanagem! Que golpe baixo! Agora as desconfianças de que ele tenta me seduzir, estão aumentando. Mas nada vai me fazer desistir de usar seu segredo a meu favor.

- Esse placar vai virar, Aiyra. – sussurra, e novamente me arrepio.
- Tenta. – sussurrei de volta.

Lhe dei as costas e fui para a sala. Me sentei atrás do Tom, e ele estava ouvindo música num volume tão alto nos seus fones, que eu conseguia entender quase que perfeitamente as palavras que o cantor pronunciava. Dei um chute em sua cadeira, e logo ele se vira, tirando os fones.

- Porque não estava na festa do seu pai ontem? – perguntei.
- Não gosto desse tipo de coisa. – respondeu. – Meu negócio é balada com música eletrônica e muita mulher. – eu ri.
- Foi isso que fez? Ficou na boate?
- É, fiquei completamente perdido com uma loira.
- Filho da mãe! Porque não me avisou? Eu teria ido com você.
- Vai por mim, você não gostaria de ver o que eu estava fazendo. – achei meio nojento ele ter dito aquilo. - Mas soube que você estava muito bonita.
- Quem te contou?
- Um passarinho negro.
- Sei.

***
(Contado por Bill)

No intervalo, estava no refeitório e a vi chegar com o Tom. Os dois se sentaram numa mesa um tanto afastada das outras. Ela pediu um suco de laranja, enquanto ele pede uma Coca-Cola. Fiquei observando-os por alguns minutos, e eles riam.

- Eles estão tão próximos, não é? – diz Georg.
- Será que o Tom já pegou? – diz Gustav.
- Claro que não. – disse. – Ela não faz o tipo do Tom.

Achei que aquela era uma ótima hora para chegar mais perto e lhe mostrar do que sou capaz. Joguei uma pequena pasta branca diante de ti, e me sentei na sua frente. Coloquei meus braços sobre a mesa e fiquei olhando-a.

- Aí está. – disse, com um meio sorriso.
- O que é isto? – perguntou.
- Um pequeno relatório sobre sua vida.
- Bill...
- Não se mete, Tom! – o interrompi. – Isso é assunto meu e dela.

Ela não acreditava que aquilo poderia ser mesmo um relatório. Mas assim que ela me deu as costas no corredor, fiz algumas ligações e pedi que me trouxessem qualquer tipo de informação sobre Aiyra Burke. Disse que era caso de vida ou morte, e a poucos minutos do intervalo, o relatório chegou.

- Espera de verdade que eu caia nessa? – diz ela.
- Se não quiser ler – peguei a pasta e a abri. -, eu mesmo faço isso por você.

Os dois ficam calados. Ela parecia pensar se deveria deixar ou não eu prosseguir.

- Tá legal. – ela encosta-se à cadeira. – Vá em frente, gatinho.

Comecei dizendo a data do seu nascimento, a hora, os minutos e até mesmo o hospital em que ocorrera o parto. Ela fez cara de quem achava estranho, mas aquilo não era o bastante para convencê-la.

- Você ganhou uma bolsa de estudos numa das melhores escolas de artes da sua cidade. – prossegui. – Pouco depois de ter completado seis anos, seus pais se separaram e você foi “abandonada” – risquei as aspas no ar. – pelo seu pai. – ela se ajeita na cadeira e muda sua expressão, ficando mais séria. – Aos oito anos, você abandonou a escola de artes, mas retornou aos nove, por muita insistência de sua mãe e...
- Parabéns! – ela me interrompe. – Quem foi que te passou essas informações?
- Eu ainda não terminei. – disse. – Aos dezesseis anos, conheceu um cara apelidado Nick, e ele foi a maior influência por você ter usado dois tipos de drogas. – continuei. – E voltando ao assunto da mamãe... Ela foi assassinada dentro de casa com dois tiros, um na cabeça e outro no peito.
- Já chega, Bill. – diz Tom. – Acabou!
- Bom – fechei a pasta. -, tem mais alguns detalhes que eu poderia citar, mas eles não são tão interessantes assim.
- Se acha muito esperto, não é? – diz ela.
- Eu disse pra não me subestimar, não disse?

Vi seus olhos lacrimejarem e ela olha para cima, talvez numa tentativa de impedir que as lágrimas escorressem pelo seu rosto.

- Como descobriu essas coisas? – pergunta ela.
- É segredo. – sussurrei. – E isso me faz lembrar que estamos empatados. É muito engraçado como as coisas são, não é? – ri sarcasticamente. – Ontem estava me chamando de maconheiro, e hoje descubro que você fez a mesma coisa.
- Cala a boca! – ela se levanta para sair.
- Espera! – chamei e ela se vira. – Não quer levar contigo? – mostrei a pasta. – Eu tenho outra cópia guardada.
- Você sabe muito bem onde enfiar isso, não sabe? – eu ri e ela foi andando.
- Garota escrota! – gritei de volta.
- É incrível como você consegue me surpreender a cada dia, Bill. – diz Tom.
- Porque não vai atrás da sua amiguinha e me deixe em paz? – ele se levanta e vai atrás dela.

Senti-me aliviado por saber que ela não poderia mais abrir a boca pra falar nada sobre mim, a não ser que quisesse muito que eu espalhasse por ai as coisas que aconteceram em sua vida. Provavelmente ela não iria querer algo assim. Então, o jogo acabou de virar e pelo que parece quem está no comando da parada sou eu!

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 7 - Território Inimigo.

(Contado por Aiyra)

Estava deitada em minha cama, pensando no quanto me arrependi por ter jogado aquele caderno no lixo. Nele continha os meus melhores desenhos, lembranças que jamais seriam resgatadas e que não voltariam mais. Foi um impulso e se eu tivesse pensado, com certeza não teria feito aquilo. Também pensei em como aquele beijo do Tom tinha sido bom, e não reclamaria se o ato fosse repetido. Mas que fique bem claro: não quero nada sério com ninguém! A minha vida já é uma desgraça comigo sozinha, imagine com alguém ao meu lado?
Meu celular começou a tocar, e apalpei a mesinha de cabeceira para pegá-lo. Ao atender, quase chorei de alegria. Era o Nick. Me sentei, e ele logo começou a me contar sobre como andavam as coisas por lá, e o quanto tinham mudado desde que fui embora. Lhe dei os detalhes de como era a casa, falei das pessoas que conheci e logicamente não pude deixar de citar o Bill. Como era bom ouvir a sua voz, e pra mim, era como se ele estivesse ali na minha frente. Conversa vai, conversa vem, e o Pedro entra no quarto.

- Tenho que desligar agora, Nick. – disse. – Depois te ligo. – desliguei.
- Nós vamos sair essa noite. – diz Pedro.
- “Nós” é muita gente. – me levantei, indo até a escrivaninha. – E eu não tô a fim.
- É um jantar importante, Aiyra. – ele se aproxima um pouco. – E se tornará ainda mais importante, se a toda a minha família estiver presente.
- Eu não tô nem ai!
- Por favor, esteja pronta em duas horas. – se retirou.

Ao mesmo tempo em que ele não tinha nenhuma autoridade sobre mim, tinha-a por completo. É complicado explicar, simplesmente acontece. Eu não tinha alternativas e sair para um jantar - denominado importante – vestida feito louca, não era muito legal. Não ia bancar a garotinha perfeita que ele sempre sonhou, mas também não poderia ser a revoltada numa ocasião como essa. Minha proposta não era agradar ninguém e por isso, tentaria usar o que estivesse mais próximo de um “jantar importante”, mesmo tento certeza de que não encontraria nada adequado no meio das minhas roupas. E isso é um grande problema.
Após tomar um banho quentinho e rápido, fiz logo a minha maquiagem. Passei um pouco de pó, para tirar um pouco o brilho do rosto; blush pêssego; muito rímel e gloss. Foi algo básico, mas que me fez sentir um tanto diferente do que eu costumo usar. Retornei ao quarto e me deparei com um vestido sobre a cama. Caramba, isso só pode ser brincadeira! O vestido – azul claro, com detalhes pretos; de manguinha curta; saia um pouco rodada; e cumprimento pouco acima do joelho – me fez pensar em que tipo de lugar eu estaria prestes a ir. A última vez que usei um vestido tão... Cheio de detalhes e meio fofo foi numa festinha de colégio, quando eu tinha nove anos. Esse tipo de roupa não faz o meu estilo e não combina comigo de maneira alguma! Isso está completamente fora de cogitação! Não mesmo! Nem pensar que irei usar isso!

- Linda! – diz Clarisse, com um largo sorriso. – Eu sabia que o vestido cairia perfeitamente em você.
- Está muito linda mesmo, querida. – diz Pedro. – Igualzinha a sua mãe. – Clarisse lhe dá uma leve cotovelada.

Senti-me estranha, quase um ser de outro planeta. Teria a impressão de que por onde eu passasse, todos ficariam me olhando com cara feia. Mas e daí? Fodam-se todos eles! Até a Anna veio me elogiar, dizendo que eu estava bonita. Ela também não estava nada mal, usava um vestidinho preto e branco. Depois de uns minutinhos de conversa, fomos para a frente da casa, onde o motorista aguardava para nos levar ao local do jantar.
Ao chegarmos, descobri o porquê de estarmos todos daquele jeito. O jardim da casa era imenso e havia muitos carros – luxuosíssimos – estacionados. Quando entramos, fiquei boquiaberta com a imensidão, parecia uma daquelas mansões de filme americano. Fomos acompanhados até o salão onde aconteceria o jantar. No teto havia um lustre muito lindo feito de cristais, a mesa era exageradamente grande, e a música ambiente era tranquila e tocada por violinistas. Que chique.
Os homens usavam smoking e as mulheres, vestidos longos. Eram poucas crianças, mas todas elas pareciam combinar com seus pais. Eu, a única ovelha negra do evento, usava algo curto de cor chamativa em comparação aos outros.

***

Sabe aqueles momentos que você está com o estômago praticamente grudado nas costas, de tanta fome? Mas fica calado, pra não parecer mal educado? Então, eu me encontrava assim. Quietinha num canto, me entupindo de coquetel de frutas pra tentar enganar a fome. Os garçons serviam aperitivos que mal cabiam no buraco do meu dente, e estou em fase de crescimento! Preciso comer em boa quantidade.
A Clarisse me apresentou as suas amigas, que só sabiam falar sobre moda e no quanto queriam emagrecer para quando o verão chegasse. Depois o Pedro veio me chamar, dizendo que gostaria de me apresentar a alguém. Não poderia ser pior do que ficar entre aquelas dondocas, certo? Errado! Ele queria me apresentar ao seu mais novo sócio, simplesmente o dono do pedaço, um cara cheio da grana!

- Querida, este é o Gordon, meu sócio. – vi um homem elegante, de cabelos meio grisalhos e sorriso perfeitamente branco.
- Você é ainda mais linda pessoalmente. – diz ele, pegando minha mão para um cumprimento.
- Obrigada. – sorri sem graça.
- Qual é mesmo o seu nome?
- Aiyra.
- Já comentei que ela é uma ótima desenhista? – diz Pedro. – Precisa ver as maravilhas que ela faz. É um talento incrível! – por fora em sorria, mas por dentro me segurava pra não matar um certo alguém.
- Obviamente vou ter uma honra dessas qualquer dia. – diz Gordon, sorrindo. – Mas eu também quero apresentar-lhes alguém que me substituirá nos negócios, o meu filho. – ele olha ao redor. – Ah, aí está ele.

Virei-me para olhar, e achei que estava sendo enganada pelos meus olhos. Ele estava tão... Diferente, que me custei a acreditar naquilo. Bill usando smoking e todo arrumadinho, com uma postura totalmente diferente da que tinha no colégio. A me ver, ele também se surpreende, mas consegue disfarçar. Se aproxima, ficando ao lado do pai.

- Este é o meu grande orgulho. – diz Gordon. – Bill, este é o meu sócio, Pedro.
- É um prazer conhece-lo, senhor. – diz Bill, cumprimentando-o.
- E esta é Aiyra.
- Aiyra. – repete, me olhando nos olhos. – Também é um imenso prazer conhece-la, senhorita. – pegou minha mão e deu um leve beijo.

Alguém pode me explicar o que está acontecendo? Cadê aquele garoto arrogante e todo cheio de marra do colégio? Sinceramente, estou começando a pensar que valeu a pena ter vindo nesse jantar. Quem diria que esse idiota seria na verdade o filho de um multimilionário? É inacreditável. Mas... Onde está o Tom?
Fiquei com vontade de ir ao banheiro, então pedi licença e procurei por alguém que pudesse me explicar como chegar até lá. Um garçom me levou até o andar de cima, e me mostrou o restante do caminho.

- Obrigada. – sorri.
- Disponha, senhorita.

Me senti aliviada depois de usar o banheiro. Lavei as mãos e as enxuguei numa toalha branquinha. Não sou muito ligada a essas coisas de aparência, mas naquele lugar eu precisava ser “impecável”. Me olhei no espelho e nada estava fora de lugar. Sai, e tive a brilhante ideia de procurar pelo Tom. Ele não estava na festa, e como mora aqui, deveria estar socado em algum lugar. Fui abrindo algumas portas, e só encontrava um monte de quarto escuro.

- Está perdida? – me virei pra saber quem era.

Bill estava encostado numa parede, com um copo em mãos e um meio sorriso nos lábios.

- Não. – respondi. – Na verdade... Estou surpresa – me aproximei. -, por saber que o valentão do colégio não passa de um cara elegante, cheio da grana. – ele ri. – Como foi mesmo que seu pai lhe chamou? Ah, lembrei. “Orgulho”. – risquei as aspas no ar.
- As aparências enganam.
- É, elas realmente conseguem enganar qualquer um.
- Confesso que também me surpreendi ao ver que a novata intrometida, é uma patricinha desenhista.

Ele acabou de me chamar de patricinha? Foi isso mesmo que ouvi? Esse garoto só pode ter perdido o medo de morrer! Quem ele pensa que é pra ficar me chamando de patricinha assim? Está vestido como um pinguim e eu sou a patricinha?
Estava pronta pra começar a xingar a mãe dele, mas a dona Simone não merecia uma coisa dessas. Ela não merecia um filho desses de jeito nenhum! Em pensamento, contei até cinco. Me controlei pra não voar em cima dele e deixar as marcas das minhas mãos em seu pescoço.

- Gatinho, eu acho que está me confundindo com uma dessas vacas que você anda pegando por ai. – disse.
- Não, eu não costumo cometer esse tipo de erro. – diz ele, dando dois goles na bebida. – Até porque, eu precisaria ter pegado você pra um erro tão grave assim acontecer.
- Claro. – eu ri. – Porque eu sou do tipo que abre as pernas facilmente pra qualquer imbecil, ainda mais se ele for um maconheiro filhinho de papai.

Sua expressão mudou. Bill coloca o copo em cima de uma mesinha do corredor, abre uma daquelas portas, me segura pelo braço e me arrasta pra dentro do quarto. Fecha a porta, e me coloca contra a parede. Estava tão perto de mim que se quisesse, poderia me beijar. Ele me olhava com aqueles olhos misteriosos, e por um instante quis desvendar os segredos por trás dos mesmos.

- Quem foi que te contou isso? – perguntou.
- Olha Bill, se ficar tão perto assim de mim, vai se difícil resistir. – provoquei.
- Provocar não vai me fazer mudar o assunto. Fala logo!
- Ah – mordi o lábio inferior. -, é segredo. – sussurrei.
- Se abrir essa boca – praticamente colocou o dedo na minha cara - pra falar qualquer coisa...
- Se não quiser perder esse dedo, é melhor recolhe-lo! – ele o tirou. – Mas você vai fazer o quê? Vai me bater, como faz com o pessoal do colégio?
- Experimenta. – diz ele, quase sussurrando. – Experimenta falar o mínimo que seja, pra ver o que lhe acontecerá.
- Está me ameaçando, Bill? – fui cínica. – Pois saiba que esse tipo de coisa não funciona comigo, tá? – o afastei de mim. – E vai se foder, maconheiro idiota! – fui andando na direção da saída.
- Patricinha! – lhe mostrei o dedo do meio.

Só descobri que ele mexia com essas coisas, quando o vi com seus amigos no intervalo das aulas numa área mais afastada do colégio, usando a tal da maconha. Achei que tinha sido coisa da minha mente, mas vejo que não.
Antes de voltar para o evento, o olhei. Sua expressão de raiva era explicita no rosto, e aposto que se ele tivesse uma arma, teria descarregado todas as balas em mim. A cada segundo, tenho mais certeza de que deveria mesmo estar presente nesse jantar. É impressão minha, ou tenho um Kaulitz inteiramente em minhas mãos? Acho que acabo de esconder um belo trufo na manga. E com certeza pretendo usar isso a meu favor de algum jeito.

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 6 - Na Boate.

(Contado por Pedro)

Há algum tempo atrás, estava pensando em ir visitar a minha filha, e meu desejo aumentou ainda mais quando soube que sua mãe fora assassinada dentro de casa. Fiquei preocupado em saber como ela estava e se algo lhe aconteceu. Achei que não havia ocasião melhor para retornar a minha antiga cidade somente para vê-la. Logicamente esperava uma boa recepção, totalmente diferente daquela, mas fiquei muito feliz ao ver que estava tão linda quanto antes. Não havia mudado quase nada. Continuava sendo a minha garotinha de personalidade forte, com aqueles belos olhos expressivos e cabelos longos.
A ideia de trazê-la para morar conosco foi inteiramente da Clarisse. Não vou negar que eu também queria muito que isso acontecesse, mas teria preferido se fosse algo de sua livre e espontânea vontade. Forçá-la a vir só fez com que sua raiva de mim aumentasse. Mas eu não poderia deixa-la sozinha, não outra vez. Eu não resistiria vê-la se magoar novamente pela minha partida.
Desde que a Aiyra chegou, venho tentando reconquistar aquilo que nunca deveria ter sido perdido. Não tem sido nada fácil e até acho que pode ficar ainda pior, se eu não continuar insistindo. Ela é uma garota durona que não cede logo na primeira investida, e está sempre na defensiva comigo. Não tiro a sua razão. Eu a abandonei numa fase em que era pra eu ter ficado ao seu lado, ajudando na construção de sua personalidade e vendo-a crescer. E ela era tão jovem, que mal poderia compreender o que se passava entre mim e sua mãe.
Cometi inúmeros erros, eu confesso. Não podia ter ficado tantos anos sem dar um sinal de vida ou afeto, mas mesmo afastado, sempre procurei me manter informado sobre como andava sua vida. Enviava-lhe anonimamente presentes em datas comemorativas, para evitar que mais mágoas pudessem ser atraídas. Estávamos distantes sim, só que isso nunca me impediu de amá-la.
Só de saber que agora poderei lutar para ter de volta o seu amor, fico animado. Se ao menos ela soubesse o verdadeiro motivo por eu ter partido, talvez me perdoasse ou me daria uma segunda chance para reparar todas as bobagens. E mesmo que isso não aconteça, mesmo que ela não queira, será sempre o meu anjo.


Estava passando pelo corredor, quando ouvi o despertador dentro do quarto da Aiyra tocar. Pensei em bater na porta, para lhe dar mais um aviso de que deveria se levantar e se preparar para a aula, mas seria meio chato da minha parte. A Clarisse levou a Anna para o colégio, e depois iria para o seu ateliê. Aquilo significava que eu teria uma manhã para colocar meu plano de “reconquistando a Aiyra” em prática. Não era exatamente um plano, mas sim algumas coisas que eu poderia fazer para diminuir aquele abismo entre nós.
Desci até a cozinha e dispensei a cozinheira, lhe dando a manhã de folga. Fui ao escritório e pesquisei na internet algumas receitas fáceis de panqueca, waffles... O típico café da manhã que provavelmente agradaria. Eu não sabia preparar muita coisa, mas por ela, eu tentaria de tudo se fosse possível. Pus um avental, e coloquei a mão na massa. Tinha que fazer rapidamente, já que ela não poderia se atrasar para a aula.
Como as receitas não eram difíceis, não demorei tanto tempo assim. Ainda consegui arrumar a sala de jantar, e deixar tudo bonitinho para recebê-la. Quando terminei de colocar o último prato com as panquecas, Aiyra aparece. Ela fica parada, olhando pra mim, enquanto eu sorria.

- Bom dia! – disse contente, e ela não respondeu. – Eu preparei o café da manhã, e espero que goste. – ela coloca sua mochila numa cadeira e se senta n’outra. – Ainda gosta de panquecas, não é?
- Por acaso colocou...
- Tomate? – a interrompi. – Não. Eu sei que não gosta de tomate. – me sentei de frente para ela. – Deveria experimentar o bacon. Está uma delicia.
- Sou vegetariana.
- Desde quando? – fiquei surpreso.
- Desde muito tempo.
- É sério? – continuava sem acreditar. – Então não deve comer as panquecas, porque são de frango.

Mais uma vez ela ficou calada.

- Eu como no caminho da escola. – diz ela, se levantando, pegando a mochila e saindo.
- Quer uma carona? – também me levantei e fui atrás. – O meu trabalho fica a caminho e...
- Para! – quase grita e se vira pra mim. – Para de fazer isso! Não fica tentando se aproximar ou criar diálogos entre a gente, porque isso NUNCA – pôs ênfase. – vai dar certo!
- Eu só quis...
- Não queira! – interrompeu. – Porque eu não quero!

Ela sai de casa, batendo a porta. Foi ai que percebi o quanto estava diferente. Não era mais a minha garotinha. Estava crescida e sua personalidade cresceu junto. Seria muito mais complicado do que eu tinha imaginado. Mas não dá pra desistir agora, de jeito nenhum!

–--
(Contado por Aiyra)

Eu não sabia o motivo do Pedro estar agindo daquela maneira. Nossa relação acabou quando eu tinha seis anos e ele atravessou aquela porta para nunca mais voltar. Se ele pensa que pode me conquistar com um pedaço de bacon, está muito enganado. As coisas não são tão simples assim, e não pretendo facilitar. Sua atitude me machucou profundamente, e apagar isso agora, seria como trair a minha mãe.
Cheguei ao colégio, e fui diretamente para o refeitório. Não dava pra assistir uma aula se quer, com a barriga roncando de fome. Pedi um suco de laranja e um sanduiche natural. E enquanto a refeição não chegava, eu abria a mochila e procurava meu celular. Acordei com muito mais sono do que quando fui dormir, e acabei jogando tudo que vi pela frente dentro dela.
Ao invés de ter colocado o caderno escolar, coloquei o meu antigo de desenho. Digo antigo, pois faz um longo tempo que não paro para fazer nada, nem ao menos uma folha. Se duvidar, é bem capaz que eu tenha me esquecido de como se manuseia um lápis num desenho. Antigamente eu tinha uma fonte de inspiração, uma razão para continuar pintando, mas agora... Agora não há mais nada.

- Caderno de desenho? – pergunta Tom, vindo se sentar comigo. – Não sabia que desenhava.
- E não desenho. – respondi. – Não mais.
- Posso ver?
- Um-hum.

Ele começou a folhear, vendo cada rabisco que eu tinha feito. O jeito dele me fazia lembrar o Nick, e algumas vezes eu até comparava-os, encontrando algumas semelhanças entre os dois. A diferença é que o Nick não saia batendo em ninguém.

- Ficou com raiva de mim também por eu ter batido naquele nerd?
- Você está crescido, sabe o que faz – ele fecha o caderno – e não deve satisfações a mim.
- Você desenha muito bem. – muda de assunto. – E acho que um talento assim não deveria ser desperdiçado.
- Não dá pra desenhar nada quando a inspiração acaba.
- Deveria tentar.
- Eu... Não quero tentar.

Peguei o caderno, me levantei, fui até a lixeira mais próxima e o joguei dentro. Fiquei olhando por alguns segundos, em seguida virei às costas e voltei para a mesa.

- Tem algum compromisso essa noite? – ele passa a língua pelo piercing.
- Não. – respondi. – Mas se continuar tentando me seduzir, aposto que encontrarei algo pra fazer rapidinho. – nós rimos.
- Isso significa que eu posso te convidar pra sair?
- Você não vai querer me bater?
- Só se você quiser. – deu um meio sorriso malicioso.
- Te espero às nove.

MAIS TARDE... ÀS NOVE DA NOITE...

Terminei de me arrumar, e só estava colocando um casaco. Me olhei mais uma vez no espelho, baguncei um pouco o cabelo, passei perfume, e já estava pronta. Coloquei o celular no bolso, e sai do quarto. Passava pela sala, onde encontrei o Pedro e a Clarisse, sentados juntos e abraçados, conversando.

- Vai sair a essa hora? – pergunta Pedro. – Não acha que está muito tarde?
- Não acha que já estou bastante crescidinha e que sei me cuidar muito bem sozinha?
- Pode ser perigoso! – diz ele.
- Amor, deixe que ela se divirta um pouco. – diz Clarisse. – A cidade não é tão perigosa assim.

E pela primeira vez na vida, estou começando a gostar dela. Peguei uma chave reserva e a levei comigo. Ao sair de casa, vi o Tom encostado no seu carro, com uma mão no bolso e a outra segurava um cigarro. E por falar nisso, que belo carro ele tem.

- Nossa – diz ele, jogando o cigarro no chão. –, que sexy. – soltei uma leve risada. – A senhorita está pronta pra diversão?
- Prontíssima.

Fomos até uma boate no centro da cidade e entramos com facilidade no local, pois o Tom era bastante conhecido por ali. Lá dentro a música eletrônica animava, enquanto as pessoas se acabavam de tanto dançar. Mesmo sendo um horário consideravelmente cedo pra esse tipo de festa, ninguém ali parecia se importar com isso.

- Vem comigo. – diz Tom, ao pé do meu ouvido, por conta da música alta.

Fomos ao primeiro anda, onde as coisas eram mais tranquilas e tinha pouca gente. Nos sentamos um de frente para o outro no bar, e ele pediu duas bebidas. Enquanto as mesmas não vinham, Tom não parava de olhar para mim.

- O que foi? – perguntei. – Está tentando encontrar um novo jeito de me seduzir com esse olhar? – ele ri.
- Na verdade... Estou pensando num jeito de me aproximar e te beijar, sem parecer atrevido.
- Porque não parte para a prática, ao invés de ficar só na teoria?

Eu não pretendia cair no seu charme, mas os segundos passavam e eu me via cada vez mais “enfeitiçada” por aquele piercing nos lábios. Ele vem até mim, me faz levantar, coloca sua mão direita em minha cintura e me puxa pra perto, colando nossos corpos. Sua mão esquerda foi parar em meu pescoço e em questão de milésimos, estávamos nos beijando.
Nossas línguas se entrelaçavam como se já se conhecessem há algum tempo, pareciam intimas. Aquele era um beijo caloroso, que me fazia querer um pouco mais daquilo. Talvez ir um pouco mais além.

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 5 - Memórias.

(Contado por Aiyra)

Eu não aguentava mais ficar esperando pelo Pedro. Ele demorava demais pra chegar, a hora do almoço se aproximava, e eu começava a ficar com fome. Ficar ali na rua do colégio, sozinha, também não era uma boa ideia. E além do mais, voltar andando pra casa não seria tão ruim assim. Aproveitaria pra decorar o percurso e pensar um pouco na vida.
Coloquei os fones, selecionei algumas músicas e deixei-o volume no máximo. Fui andando sem prestar muita atenção ao redor. Parei um instante em frente a uma livraria, e entrei logo em seguida. Caminhei por entre os corredores cheios de livros, procurando por algo que me chamasse atenção e me fizesse perder algumas horas do dia lendo uma boa história. Acabei encontrando um romance, e decidi leva-lo por falta de opção mesmo.
Devo ter demorado de quinze a vinte minutos para chegar em casa, pois entrei numas ruas erradas e me perdi. Toquei a campainha e fiquei aguardando. Havia esquecido de novo a chave. Quem atendeu foi a empregada, a única pessoa com quem converso civilizadamente aqui. Subi os quatro primeiros degraus, e ouvi o Pedro me chamar.

- Está gostando do colégio? – pergunta sorrindo.
- Não é tão ruim assim, mas eu não tenho outra escolha a não ser ir pra lá, não é?
- Você vai se acostumar.
- Tanto faz. – lhe dei as costas e terminei de subir os degraus.

No quarto, larguei a mochila no chão e me deitei na cama. Fechei os olhos, e desejei poder voltar no tempo por um momento. A minha vida não era uma das melhores, mas eu não me importava. Conseguia viver “tranquilamente” e sem reclamar muito. Mas agora as coisas mudaram, e mudaram muito.
Os acontecimentos das últimas horas também eram revividos em minha mente, o que me fazia pensar sobre o que eu estava fazendo ali. Algo em especial, ou pra ser mais exato, um nome em especial ficou gravado na minha memória. Reabri os olhos.

- Bill. – disse, soltando uma leve risada. – Então quer dizer que este é o nome daquele otário?!
- Quem é Bill?

Me levantei e vi a Anna parada aos pés da cama, com seu inseparável ursinho. Sua mania de entrar no quarto sem fazer o menor barulho, ou sem ser convidada, me irritava. Eu gosto e preciso da minha privacidade, mas não estou conseguindo isso aqui nessa casa. A porta do quarto não tem chave, então ela basicamente tem passe livre.

- Não é ninguém que interesse a você. – disse. – O que está fazendo aqui? – me levantei.
- A mamãe pediu pra eu avisar que o almoço está pronto.
- O recado foi dado, agora já pode ir. – a levei até a porta, e fechei a mesma.

Eu não gostava muito de ter que bancar a filha boazinha da família perfeita, mas a fome falava mais alto. Almoçar com esse pessoal é uma chatice, e não aguento mais ficar ouvindo a Clarisse comentar sobre seu ateliê de costura para noivas. Sem contar que o Pedro também adorava falar de sua empresa de carros importados.
Antes de descer, fui para banheiro e tomei um banho refrescante que levou cerca de vinte minutos. Pus um vestido de tecido leve, passei rímel e perfume. Só então fui me juntar aos outros. Era tudo tão certinho. Os talheres ficavam posicionados impecavelmente, a louça era sofisticada, e tinha até um lenço para ser colocado sobre o colo. É muita frescura para pouco eu.
O fato de estarmos todos calados não me incomodava nem um pouco, já que eu não fazia a menor questão de trocar qualquer tipo de palavra com eles.

- Querido, estou pensando em matricular a Anna no curso de desenho. – diz Clarisse.
- E a Anna quer? – pergunta ele. – Porque não quero que ela faça nada contra sua vontade.
- Ela vai querer.
- Vamos fazer o seguinte, amanhã a levarei para assistir uma aula, e se ela gostar eu faço a matricula.

A menina tem seis anos e faz mais cursos que um adulto. Ela não tem um dia se quer de folga. Sabe falar inglês, alemão, e agora aprende francês. Faz aula de balé, piano, violão e equitação. Pra mim isso tudo é exagero. Onde é que fica a infância dela? Ela não deveria estar brincando na terra como qualquer outra criança de sua idade? Não deveria ter umas amiguinhas e ser levada ao parque de vez em quando?
Quando eu era mais nova, adorava acompanhar o Pedro até o porão, onde ele fazia paisagens incríveis nas telas brancas. E ele ter dito que levaria a Anna pra assistir uma aula de desenho, me fez lembrar a primeira vez que fui a uma escola de artes.

(Flashback)

Eu praticamente cochilava em cima do sofá velho do porão, ouvindo uma música lenta e relaxante. A minha mãe estava no trabalho e eu havia chegado mais cedo do colégio, por estar com um pouco de febre. Enquanto isso, ele aproveitava para me pintar.

- Está se sentindo melhor, querida? – perguntou, parando a pintura e vindo passar a mão delicadamente pelo meu cabelo. Assenti positivamente com a cabeça. – O papai vai buscar seu remédio. Não saia dai, que eu já volto, tá? – novamente balancei a cabeça.

Pouco depois ele reaparece com um frasco pequeno em mãos. Eu amava aquele remédio, pelo fato de ser bem docinho. Poderia ficar doente até de propósito só para ter o prazer de sentir aquele gostinho de chiclete.

- Papai, me ensina a pintar como você? – pedi.
- Quer mesmo aprender a pintar? – um sorriso surgiu nos seus lábios.
- Quero.
- Então vamos fazer o seguinte, amanhã te levo pra assistir uma aula, e se você gostar, faço sua matricula.

Naquela mesma tarde ele tentou me ensinar algumas coisas, e me senti a pessoa mais feliz do mundo. No dia seguinte, quando estava melhor, visitamos a escola de artes e me apaixonei pela maneira como os futuros artistas manuseavam os pincéis. Eram pinturas incríveis que faria qualquer um viajar para um lugar imaginário dentro da mente. Mas optei pelo desenho e não a pintura.

(/Flashback)

O meu devaneio foi interrompido quando, a empregada retirou os pratos e trouxe a minha sobremesa favorita: bolo de chocolate com recheio de mousse de maracujá. Você pecava só de olhar e quanto mais comia, mais dava vontade de comer.

- O que acham de jantarmos fora essa noite? – Clarisse sugere, tentando quebrar o gelo. – Um restaurante italiano foi inaugurado há pouco tempo aqui perto, e ouvi dizer que é muito bom.
- Esta sim é uma boa ideia. – diz Pedro, comendo um pedaço do bolo. – O que acha disso, meu anjo? – me olha.
- Primeiro que, não sou seu anjo. – disse. – Segundo, odeio comida italiana. – menti.
- Desde quando? – pergunta-me. – Você adorava comida italiana.
- As pessoas mudam.
- Tá legal. – Clarisse se intromete. – Podemos ir a outro lugar, se preferir. – tentava quebrar aquele iceberg.
- Tenho coisas mais interessantes pra fazer. – respondi. – E sinceramente, prefiro ficar trancada no quarto, a sair com vocês. – me levantei e sai.

A sobremesa nem ao menos tinha acabado e tive que abandoná-la. Retornei ao quarto, me deitando na cama e dormindo o restante da tarde.

***

Acordei, apalpei a mesinha de cabeceira e peguei meu celular para verificar a hora: 17h45. Só me levantei, porque me lembrei do livro que eu havia pegado na biblioteca, e aquela seria uma boa hora para começar a ler. Logo nas primeiras páginas, achei interessante e já percebi que iria perder muito tempo só lendo-o.
Mais tarde, fiquei apenas deitada no chão de barriga para cima, olhando para o teto e não pensando em nada. Notei que a porta do quarto foi aberta, e pelo ângulo que eu estava dava para ver a pessoa de cabeça para baixo. Como sempre e não me surpreendendo mais, era a Anna.

- O que está fazendo? – pergunta ela.
- Pensando. – ela se deita ao meu lado. – E você, o que está fazendo?
- Acho que também estou pensando.

Eu poderia contar no relógio quantos segundos ela ficou calada, mas não deu, porque logo estava falando outra vez.

- Posso fazer uma pergunta?
- Sim. –disse.
- No que estamos pensando?
- No quanto a vida é injusta. – olhei pra ela.

Pouco depois a Clarisse aparece e chama pela filha, alegando estar tarde para ela dormir. Eu continuei ali até minhas costas começarem a doer. Fiquei com fome outra vez, e como parte das pessoas estava dormindo, resolvi ir até a cozinha. Achei meio estranho ver a casa com todas as luzes apagadas àquela hora, mas pelo menos eu teria um pouco de tranquilidade e ficaria sozinha por mais um tempo.
Ao chegar à cozinha, me surpreendi com o Pedro sentado num banquinho próximo ao balcão, comendo uma fatia consideravelmente grande daquele bolo de chocolate. Se não me falha a memória, ele costumava fazer isso praticamente todas as noites, quando ainda morava conosco. Só não sabia que seus hábitos permaneceram. Iria dar meia volta, e deixar pra comer um pouco mais tarde.

- Espera. – diz ele, pegando uma colher que estava por perto. – Eu não vou conseguir comer isso tudo sozinho mesmo. – fiquei em dúvida sem saber se deveria ou não aceitar, mas no fim acabei cedendo e me sentei de frente para ele. - Soube que ficou em primeiro lugar num concurso de desenho. – o olhei.
- Isso foi há cinco anos.
- Mas continua desenhando, não é?
- Não. – comi mais um pedaço do bolo. – Minha inspiração me deixou, e agora não há mais motivos pra continuar.
- Eu sinto muito. – ele abaixa a cabeça. – Sinto muito mesmo, por tudo que causei a você. Eu não...
- Vou dormir. – o interrompi, e larguei a colher. – Amanhã cedo tem aula, e não dá pra dormir muito tarde.

Só de ouvi-lo falar daquele jeito, me deu vontade de chorar. As memórias começariam a reviver, e eu não conseguiria me controlar. Sei disso, porque as minhas lágrimas raramente podem ser controladas. Nem que eu respirasse fundo, ou olhasse para cima. Levantei-me, e bastou lhe dar as costas para as malditas escorrerem pelo meu rosto.

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 4 - Uma novata intrometida.

(Contado por Bill)

O dia estava quase chegando ao fim, e a Lua começava a aparecer no céu. A água quentinha caia sobre meu corpo, enquanto eu permanecia parado, e um tanto pensativo. Não sabia ao certo a razão daqueles pensamentos, mas também não estava a fim de descobrir. Quinze ou vinte minutos depois, desligo o chuveiro, enrolo uma toalha em minha cintura e me dirijo ao quarto. Procurei uma roupa e em pouco tempo estava vestido. Me coloquei em frente ao espelho, e não me reconheci. Aquele era o tipo de roupa que não combinava em absolutamente nada com meu estilo, mas se eu não quisesse ouvir inúmeras coisas, era obrigado a usa-las. Nem acredito em como consigo ser duas pessoas ao mesmo tempo.
Me sentei na cama, apoiei os cotovelos nos joelhos, e abaixei a cabeça. Dali poucos minutos eu iria enfrentar mais um jantar monótono, e não fazia ideia de como conseguiria fazer isso. Geralmente tenho uma pequena ajuda, e talvez eu precise dela outra vez. Não queria ter que fazer aquilo novamente, mas era o único jeito. Encarar e ouvir as baboseiras do meu pai de “cara limpa” era um verdadeiro desafio, e exigia muita paciência.
Respirei fundo. Me levantei e fui até a escrivaninha. Girei a chave e puxei a terceira gaveta, mirando e retirando em seguida, uma caixinha azul de tamanho médio. Abri a mesma e peguei um papelote de maconha. Já poderia imaginar o estado que eu ficaria depois, e quando estava prestes a usá-la, parei para pensar direito no mal que estaria causando a mim mesmo, e o guardei de volta.
Sai do quarto, antes que o arrependimento batesse. Fui até a sala de jantar, onde meus pais e meu irmão estavam reunidos em torno da mesma para a última refeição. Me sentei no lugar de sempre – ao lado do Tom – e coloco o lenço sobre minhas pernas. Pela feição do meu pai, ele provavelmente iria reclamar de alguma coisa. Talvez algo em mim estivesse fora do lugar, ou o fato d’eu ter chegado meio atrasado.

- Está atrasado. – diz meu pai.
- Desculpe, eu não encontrava meus sapatos. – menti.

O jantar foi servido. O silêncio tomava conta, e somente dava para se ouvir o barulho dos talheres tocando as louças. Mas como sempre, meu pai começou a falar sobre seus negócios, e o quanto estava orgulhoso de si mesmo por levar o nome da empresa a um nível que poucos outros empresários conseguiam. Era sempre assim, as coisas realmente nunca mudam nessa casa. Todo dia é a mesma coisa.

- Como foi o dia de vocês? – pergunta minha mãe.
- Reuniões atrás de reuniões. – diz meu pai.
- Não fiz nada de interessante – diz Tom. -, além de dormir.
- E você, Bill? – ela bebe um pouco de água.
- Dei umas voltas por ai. – respondi. – E aproveitei para procurar a faculdade de música mais próxima que...
- Novamente perdendo tempo com essa besteira? – diz meu pai. – Música não leva ninguém a lugar nenhum, e não será você que mudará isso.

Odeio quando começa a falar assim. Pra ele, o Tom e eu devemos fazer faculdade de administração, para ocupar seu espaço quando já não puder mais dirigir os negócios da família. Mas não consigo de maneira alguma, me ver num escritório, sentado numa cadeira desconfortável, atrás de uma mesma por horas. Eu queria ser totalmente livre, e a música poderia me dar um pouco dessa liberdade, além de me ajudar a esquecer de todos os problemas. Queria compor e cantar para uma multidão que estaria gritando por meu nome, e mostra-los para quê eu vim ao mundo. Queria transmitir todos os meus sentimentos através de uma canção, mas se depender do meu pai, isso nunca acontecerá.
Depois de escutar mais algumas coisas, acabei perdendo a fome. Me retirei da mesa, indo para o meu quarto. Mirei a caixinha em cima da escrivaninha. Eu precisava de um pouco, nem que fosse o mínimo, mas eu precisava. Só que desta vez eu queria algo novo, diferente. Algo que me fizesse “flutuar”. Peguei o celular, e liguei para um velho amigo: Mano Brown, como costumam chama-lo.

- Aí cara, tem como me conseguir algo melhor? – perguntei, enquanto andava de um lado para outro.
- Claro. – responde ele. – Pra você sempre tem. Só não pode esquecer a grana.
- Tá de brincadeira comigo, não é? – soltei uma leve reisada. – Sou seu melhor cliente, e ainda tem a cara de pau de me falar em dinheiro?
- Foi mau, playboy. É que às vezes me esqueço de onde você vem.

***

Passava da meia noite, quando estacionei meu carro numa vaga reservada pra mim, em frente a uma boate que costumo frequentar. Entrei cumprimentando várias pessoas, e fui para a parte de cima, onde é tudo mais “tranquilo” e só ficam os Vips. Me sentei num sofá, e chamei o garçom. Pedi a bebida mais cara, pois estava a fim de gastar e encher a cara naquela noite.
O Mano se aproxima de mim, e se senta ao meu lado. Conversamos algumas bobagens, e ele me entrega a encomenda que fiz por telefone. Era um papelote de tamanho pequeno com algum tipo de droga que eu não fazia ideia do que poderia ser. Pelo que eu sabia, seria a minha primeira vez a experimentá-la e pelo preço que paguei, esperava que suprisse as minhas necessidades.
Coloquei o pozinho sobre uma mesinha e aspirei com uma das narinas. Foi a melhor coisa e realmente pude ter a sensação desejada. Fiquei meio zonzo por alguns segundo, mas a satisfação era tanta que me dava vontade de sentir aquilo pra sempre.
Fui até uma garota loira que estava sentada no bar, e sussurrei algumas coisas em seu ouvido. Ela sorriu. Não estava em meu estado normal, então não fazia ideia das coisas que tinha falado pra ela, só sei que passei meu braço em volta do seu pescoço e saímos juntos da boate.
Mesmo não podendo, dirigi até um motel. No percurso, caricias aconteciam, mãos em lugares “indevidos”, e beijos, muitos beijos. Pra impressionar e deixa-la mais caidinha na minha, aluguei por algumas horas a melhor suíte. Ao chegar lá, a garota ficou me olhando, ao invés de começar a tirar a roupa.

- Tá olhando o quê? – perguntei, tirando as minhas roupas.
- A gente não vai nem conversar? – ela se senta na cama, de um jeito sexy e cruza as pernas.
- Conversar? – eu ri. – Acha que eu te traria num motel pra ficar conversando?

Ela foi tirando o vestido, e sua lentidão começava a me deixar irritado. Pra facilitar as coisas, arranquei seu sutiã e sua calcinha, jogando-a na cama com zero de delicadeza. Meu negócio não era ser delicado com ninguém ali, eu só queria me divertir. Ela abriu as pernas, e fez cara de safada. Mas não era pra ser daquele jeito.

- Fica de quatro. – disse, no maior cinismo. – Eu quero você de quatro, vadia.

A garota se virou, e apoiou os joelhos e as mãos na cama. Peguei um preservativo na gaveta da mesinha de cabeceira e o pus com cuidado. Voltei, ficando de joelhos atrás dela. Dei uma palmada em seu bumbum, que chegou a ficar meio vermelho. Segurei seu cabelo longo, e penetrei sua vagina com toda a força, fazendo-a gritar alto. Os movimentos eram rápidos, e ela gemia cada vez mais alto, me fazendo ficar ainda mais excitado.
O dia estava quase amanhecendo quando terminamos. Enquanto eu colocava as minhas roupas, a garota permanecia sentada na cama, enrolada com o lençol vermelho. Tirei a carteira do bolso, peguei algumas notas de cem, e as joguei sobre a cama.

- Não sou uma prostituta. – diz ela.
- Claro que não. – fui sarcástico.
- Não vai me dar uma carona até em casa? – diz ela.
- Se eu não quis saber seu nome, acha que vou querer saber seu endereço?
- Significa que não nos veremos outra vez?
- Exatamente.

***

Cheguei em casa por volta das 7h15 da manhã. Só tive tempo de tomar um banho rápido, e fui para o colégio. Matei a primeira aula, pra ficar no pátio com o pessoal e comentarmos sobre o que andamos fazendo na noite anterior.

- Andei meio... Perdido por ai. – disse, rindo.

“Perdido por ai”, essa expressão fora criada pelo Tom e significava que alguém estava transando, e pra não dizer com todas as letras, achamos melhor nos comunicarmos dessa forma.

- Eu sabia que você não ia ficar sozinho. – diz Georg. – Quem era a menina?
- Uma vadiazinha que encontrei na boate. – respondi.
- E ela era gostosa? – pergunta Gustav.
- Desde quando um Kaulitz pega uma menina que não seja gostosa? – diz Tom.

Eu não me sentia tão bem assim, a minha cabeça doía um pouco. Um nerd esbarrou no Tom, e ele se virou para tirar satisfação;

- Você é cego? – pergunta ele.
- M-Me desculpe. – o rapaz gaguejou. – Prometo não fazer mais isso. – chegava a tremer.
- Óbvio que não fará – eu disse e fizemos um semicírculo em torno dele. -, porque você tem amor à sua vida. – os meninos riram.

Pelo visto a manhã começou com o pé direito. Eu estava mesmo querendo descontar a minha raiva em cima do primeiro idiota que aparecesse na minha frente, e um nerd seria perfeito. Gustav e Georg seguraram-no, e dei o primeiro soco em seu estômago. Tom veio em seguida e lhe deu outro no mesmo lugar. Aquilo fez aliviar um pouco a tensão do meu corpo e alguém – sem amor próprio – resolve se intrometer.

- Aí, seus idiotas! – me virei pra ver quem era. – Porque vocês não o deixam em paz? – ela se aproxima, empurrando os meninos e ajudando o nerd.
- Vaza daqui, garota! – disse, ficando com raiva. – Não se mete!
- Sua covardia me impressiona, sabia? – ela se abaixa para pegar os livros.
- É melhor ir embora, Aiyra. – diz Tom. – Antes que...
- O quê? – o interrompeu. – Vão querer bater em mim também?

Com a raiva que eu sentia, era bem capaz que uma loucura fosse cometida mesmo. E só estava me controlando, porque eu não queria mais problemas com o diretor. Mas devo confessar que, por um instante admirei sua coragem. Ninguém nunca nos enfrentou assim antes, e essa é a segunda vez em menos de dois dias que ela faz isso. Sem contar aquela sua expressão desafiadora, que de alguma forma mexeu comigo.

- Vamos Bill. – diz Gustav, segurando meu braço. – Deixa isso pra lá.
- Cala a boca. – disse, sem desviar meu olhar dela.
- A gente termina isso depois. – diz Tom.
- Já disse pra calar a boca! – quase gritei.
- Teremos outras oportunidades pra bater nesse nerd. – diz Georg. – E além do mais, ela é só uma garota!

Não, ela não é só uma garota. Há muito mais que isso por trás desse rostinho, algo que a diferencia de todas as outras e tenho plena certeza disso. O problema é que não consigo identificar e explicar. Uma garota incomum e durona que surgiu do nada, e que pelo visto me dará muito trabalho.

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 3 - Carne nova no pedaço.

(Contado por Aiyra)

Agora eu dormia tranquilamente, depois de despertar a cada sonho no meio da noite. Era um sono muito leve, mas dava pra recarregar as energias. Me lembro de ter visto os ponteiros do relógio em diferentes posições durante a madrugada, como se eu estivesse verificando a passagem do tempo, e de certa forma estava.
Eu sabia que o dia já havia amanhecido pela claridade do quarto, mas não estava nem um pouco a fim de me levantar e encarar aquelas pessoas. Continuei de olhos fechados, e sabe aquele momento em que você tem a sensação de que há alguém lhe observando de muito perto? Então, eu estava sentindo isso. A terrível e assustadora impressão de que, quando eu abrisse os olhos teria alguém me encarando.
Como a minha curiosidade filha da puta sempre fala mais alto, decidi que enfrentaria seja lá o que fosse. Abri os olhos, e me assustei ao ver aquela criança loirinha de olhos claros, parada diante de mim. Ela segurava um ursinho branco nas mãos, e sorriu a me ver de olhos abertos. Me sentei na cama, e ela não parava de me olhar.

- Olá, eu sou a Anna e esse é o Teddy. – mostrou o ursinho. – O papai disse pra eu vir te acordar, se não você irá se atrasar para colégio.
- Colégio?

***

Desci as escadas, saltando alguns degraus. A garota veio me seguindo, fazendo inúmeras perguntas. Não ouvi nem metade delas. Cheguei à sala de jantar, só encontrei a Clarisse, colocando o guardanapo de pano sobre suas pernas. Ela me viu, e sorridente, disse:

- Bom dia.
- Onde está o Pedro? – perguntei, e em seguida o próprio apareceu.
- Bom dia meninas. – diz ele, trazendo uma bandeja com sanduiches.
- Que história é essa de colégio? – cruzei os braços e o encarei. Ele fez um sinal para a Clarisse, que tratou de se retirar com a garotinha.
- Você ainda não concluiu o ensino médio – colocou a bandeja sobre a mesa. –, então eu matriculei você num dos melhores colégios da cidade.

Era só o que me faltava. Eu realmente só precisava de um pai que se preocuparia com o meu futuro. Só não vou dizer que as coisas não podem ficar piores, porque sempre dá pra ficar, principalmente quando se trata de mim. Ultimamente estou me superando, porque tudo, exatamente tudo está dando errado na minha vida!

- Eu não vou pra colégio nenhum! – disse segura de cada palavra.
- É claro que você vai. – falava com tranquilidade. – Só lhe resta um ano, e depois entrará na faculdade...
- O quê? – interrompi. – Isso já tá virando palhaçada!
- Nós não vamos discutir. Você vai para colégio, e ponto final.
- Você não manda em mim!
- Mando sim, e se não estiver pronta – ele olha para relógio de pulso. - em meia hora, te levarei do jeito que está, nem que seja amarrada.

Voltei pro quarto bufando de raiva. Não me conformava em ter que aceitar as “regras” que ele estava impondo pra mim. Sempre fui livre pra fazer o que eu bem entendesse, e agora até para um colégio vou ter que ir. Mas se é guerra que ele quer, é guerra que terá.
Abri o guarda-roupas, peguei uma toalha e fui diretamente ao banheiro. Prendi o cabelo, e fiz minha higiene bucal. Tirei a roupa, as deixando ali no chão mesmo. Liguei o chuveiro e, até deixaria a água ficar aquecida, mas como precisava me aprontar, deixei na temperatura morna, quase fria.
Sai do banho após dez minutos. Caminhei até a varanda para verificar a temperatura externa. Lá fora não estava frio, então poderia usar qualquer coisa. Escolhi uma blusa com estampa de alguma banda de rock, calça jeans e meu inseparável all star. Me coloquei em frente ao espelho, e a minha imagem me agradou. Como de costume, não penteei os cabelos, apenas os baguncei um pouco. De maquiagem, só usava blush e muito rímel, para acentuar o olhar. Passei meu perfume favorito, e novamente sai do quarto, indo para a sala.

- Aqui está a sua mochila. – Pedro me entrega. – Ai dentro tem tudo que você precisa.
- Tenha uma boa aula. – diz Clarisse.

***

Pedro estacionou bem em frente à escadaria que dava acesso a entrada do colégio. Olhei pela janela, e fechei os olhos para tentar desviar o pensamento. Me lembrei de ter passado manhãs alegres com a minha mãe, e sorri ao me lembrar dela. Deixei meu pensamento voltar para um tempo em que as coisas eram mais simples. Ou pelo menos aparentavam ter sido.
Agora eu tinha a impressão de que nada era tão simples. Parecia tudo tão improvável, e me perguntava o que estaria fazendo naquele exato momento se acaso não tivesse sido obrigada a vir morar com o Pedro e sua “família perfeita”. Não era muito difícil de imaginar.
Estava tão absorvida em meus pensamentos, que nem escutava a voz do Pedro me chamar “de volta para Terra”. Abri a porta do carro, e antes de sair, ele segurou meu braço.

- Filha – me virei. -, boa sorte no seu primeiro dia.

Sai sem me despedir. Fiquei mais alguns minutos parada em frente à escadaria, pensando no quanto eu era azarada. Vamos, garota! É só um colégio. Enfrentei aquilo de frente, caminhando por cada corredor, olhando cada porta, tentando encontrar a diretoria. Enquanto isso, algumas meninas que passavam por mim, me olhavam como se eu fosse de outro planeta. Talvez fosse por causa do meu jeito de andar, ou o modo como me vestia, ou até mesmo o corte de cabelo. Até que não é tão ruim assim.
Andei mais um pouco, sem prestar muita atenção no que acontecia à minha volta. Eu olhava para o papel em minha mão, quando alguém esbarrou fortemente em mim. Senti como se tivessem arrancado meu ombro. Ergui a cabeça, e vi um trio de garotos.

- Olha por onde anda! – disse o cara com cabelos compridos.

Aquilo era o maior desaforo! Quem eles pensam que são pra ficar fazendo esse tipo de coisa? Eu poderia optar por ficar calada e esses garotos continuarem me fazendo de “saco de pancadas” por tempo indeterminado. Ou eu poderia arriscar as minhas fixas e talvez queimar meu filme até o final do ano. A segunda opção me agradou mais.

- Porque não volta aqui pra eu te mostrar quem deve olhar pra onde, idiota?! – gritei.

O que eu temia aconteceu. Os três pararam de repente, e se viraram. Começaram a caminhar na minha direção, e ao se aproximarem, encararam meu rosto, me fuzilando com o olhar. Um deles – que usava óculos – soltou uma leve risada, como quem estivesse me dando a chance de me desculpar, e logo depois disse:

- Olha só, pessoal, uma novata na área.
- E ela precisa aprender logo as regras. – o de cabelo comprido disse.
- Calem a boca! – disse o outro que, era alto, usava roupas escuras e barba de mais ou menor três dias, com seu tom de autoritarismo. – Ela já sabe que não deve mais ficar no nosso caminho, não é? – alisou uma mecha do meu cabelo.

Eu tenho que admitir, esses garotos são bonitos e me fizeram criar inúmeras fantasias em minha mente, em questão de segundos. Mas realmente é uma pena que tenham esquecido a gentileza em casa e trouxeram a arrogância.

- Já reparou no tamanho desse corredor? – perguntei, encarando-os. – Não vou mudar meu percurso, só porque um bando de idiotas se acham donos do pedaço. – eles me fuzilavam de certa forma, que cheguei a pensar em sair correndo pra não levar um soco. – Está incomodado, gatinho? – provoquei. – Então mude você o seu caminho.

Eu me diverti, e me diverti muito vendo a reação deles. Ficaram calados, e sabiam muito bem que a partir daquele momento eu não sairia do caminho sempre que os visse, só para desafiá-los. Rebater às minhas provocações também não resolveria muita coisa, e isso apenas serviria para provar que eu sabia exatamente o que dizer. Eles deram as costas, e voltaram a andar.
Segui em frente e finalmente encontrei a sala da direção. Bati na porta e entrei. Falei um pouco com o diretor que, pediu a um professor que me acompanhasse até a sala de aula. A essa altura os corredores estavam praticamente vazios. Dois ou três corredores depois, e chegamos ao “destino final”.

- Bom dia, turma! – diz o professor, com aquele sorriso largo. Ele coloca sua pasta sobre a mesa, todos se sentam e respondem. – Temos uma nova aluna na classe, e eu gostaria muito que fossem educados e a recebessem bem. – alguns cochicharam. – Quer se apresentar? – me perguntou.
- Sou Aiyra Burke.
- Seja bem vinda, Aiyra. – diz ele.

Nunca fui o tipo de aluna que senta nas primeiras fileiras. Na verdade o meu negócio é ficar no fundão, não pra conversar ou fazer bagunça, mas pra me sentir um pouco mais à vontade, e às vezes quando a aula estiver chata, ouvir música sem ninguém reclamar.
Avistei aquele que seria o lugar perfeito pra mim e andei até lá. Me sentei, colocando a mochila sobre a mesa. Peguei o caderno só pra fingir estar copiando as coisas que o professor passava na lousa. Coloquei os fones de ouvido, e quando estava prestes a por uma música, um garoto – com tranças no cabelo, piercing nos lábios e olhar sedutor - sentado à minha frente se vira pra falar comigo.

- Parabéns pela coragem. – diz ele.
- O quê? – tirei os fones.
- É preciso ter certa quantidade de coragem pra encarar aqueles meninos. – eu ri, e ele estendeu sua mão para um cumprimento. – Tom Kaulitz.
- Aiyra. – o cumprimentei, e coloquei uma mecha do cabelo atrás da orelha. – Mas o que eles são, afinal? Donos do colégio?
- O de moicano é filho do cara mais rico da cidade, e os outros dois são capachos.

Isso explicava muita coisa. Está ai a razão pelo trio achar que deve mandar no restante das pessoas. Mas comigo o buraco é mais embaixo. Parei para reparar um pouco e notei que o Tom se parecia muito com o cara do corredor. Era uma semelhança monstruosa. Fiz a pergunta mais óbvia do mundo: se eles eram irmãos.

- Sim. – respondeu. – Mas somos iguais apenas na aparência, porque do resto, somos totalmente diferentes.
- Dá pra perceber. – disse. – Então quer dizer que ele e os outros realmente mandam aqui?
- Pelo menos é o que acham.
- Que idiotas.

Terminei de dizer e os três elementos apareceram bem ali.

- Não sei se você percebeu. – olhei para o dono da voz. – Mas este lugar é meu.
- Ah, fala sério! – disse. – Cadê seu nome escrito na cadeira, que eu não vi?!

Impressão minha ou esse garoto não foi com a minha cara? Ele está me marcando, não é? Quer saber, acho que esse colégio ficará pequeno demais para nós dois! E eu tenho quase certeza que ainda receberei um soco no meio da cara. Mas uma coisa é certa, ele não vai fazer comigo o que anda fazendo com os outros.

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 2 - Um estranho conhecido, chamado pai.

(Contado por Aiyra)

Alguns dias se passaram desde o funeral da minha mãe, e eu ainda não conseguia pisar meus pés dentro daquela casa. Não dava pra simplesmente atravessar a porta e reviver toda a cena outra vez. Seria demais pra mim e acho que não estou pronta pra esse tipo de coisa. Por enquanto, continuarei na casa dos meus avós e depois resolvo o que fazer.
Tentava dormir no meio da tarde, quando meu avô apareceu dizendo que tinha visitas. O primeiro nome que me veio em mente foi o do Nick, mas ele não viria sem ter ligado antes ou marcaria comigo em outro lugar. Me levantei, fui ao banheiro e joguei um pouco de água no rosto. Passei blush, pra ninguém perceber que eu ainda estava abatida pelo ocorrido e fui para a sala. Ao chegar lá, me deparei com umapessoa, que eu não desejaria ver nunca mais na minha frente.

- O que faz aqui? – perguntei num misto de surpresa e raiva, e meus avós se retiraram.

Minha reação não poderia ter sido diferente. Qualquer um no meu lugar, teria feito parecido ou até pior. Não é nada fácil reencontrar o seu pai, após onze anos. Ainda mais se ele estiver acompanhado pela cadela, que foi o motivo da separação. Por culpa dele, a minha vida e a da minha mãe virou um inferno! Enfrentamos dificuldades que não seriam tão dolorosas se ele estivesse ao nosso lado. Mas a vida é feita de escolhas, e ele escolheu ir embora e abandonar tudo que havia conquistado.

- Pensei que ficaria feliz em me ver. – diz Pedro.
- Feliz? – soltei uma risada. – Só pode ser brincadeira, não é?
- Filha...
- Não me chama... De filha. Eu não sou a sua filha!
- Para com isso, Aiyra. O que aconteceu no passado deve ficar lá atrás.
- Ah claro, porque não foi com você!

É engraçado como as pessoas são, não é? Elas têm a infeliz mania de magoar às outras e fingir que nada aconteceu. Olha só, o Pedro fica anos desaparecido sem dar uma noticia se quer, sem nem ao menos ligar para saber se estamos vivas ou mortas, e de uma hora pra outra, da noite para o dia, reaparece.

- Não viemos até aqui para discutir. – diz sua esposa.
- Desculpa querida, mas alguém te chamou na conversa? – perguntei. – Então fica na sua, vadia!
- Já chega, Aiyra! – grita Pedro, e me assusto. – Está passando dos limites, e exijo que respeite a Clarisse!
- E quem é você, pra me dizer se estou ou não ultrapassando limites?
- Eu sou seu pai. – respondeu, me encarando.
- Aquele que me abandonou quando eu tinha seis anos de idade! – completei.

Quem este cidadão pensa que é pra exigir alguma coisa? Pai? Pra mim, pai é aquele que cria, aquele que dá amor e carinho, aquele que se esforça pra oferecer o melhor para o seu filho, aquele que, não importam as circunstâncias, está ali ao seu lado. Pai de verdade, não te abandona.

- Você sabe que eu nunca quis ir embora. – diz ele.
- Se não queria, porque foi? – cruzei os braços, esperando pela resposta.

Como eu já sabia, ele não respondeu. Apenas abaixou a cabeça.

- Você tem noção de quantas noites eu chorei? – disse, e os olhos se encheram de lágrimas. – Pode imaginar quanto tempo fiquei parada na calçada esperando que você voltasse? – ele me olhou. – Dá pra pensar o quanto eu rezei e pedi a Deus que fosse só mais uma briguinha de casal? Não, você não pode imaginar nada disso, e sabe por quê? Porque você não se importa. Nunca se importou e nem vai se importar!
- Isso não é verdade. – fez uma pausa. – Eu sempre me importei com você, sempre me preocupei em...
- E porque não voltou? – lágrimas escorreram, e logo as enxuguei.
- Eu não pude.
- Estava muito ocupado com sua nova família, não é?
- Ele se preocupa com você. – novamente a Clarisse se intromete.
- Cala a boca! – quase gritei. – Ninguém aqui tá falando nada contigo!
- Clarisse, por favor... – Pedro pede, e ela se cala.

Eu não queria me lembrar de nada, mas as memórias simplesmente começaram a aparecer em minha mente conturbada. Eram coisas que eu já deveria ter esquecido, acontecimentos que não voltariam a se repetir. Mas como dizia a minha mãe “coisas que guardamos no coração, dificilmente serão esquecidas pela mente”. Me lembro da vez em que tentei alcançar um livro sobre a minha história favorita, no alto da estante. Eu não tinha a menor noção do perigo que estava correndo ao subir pelas prateleiras. A insistência foi tanta, que consegui pegá-lo. O Pedro apareceu bem na hora de me salvar de uma queda, e me amparou nos seus braços. Ele brigou comigo, e prometeu que nunca mais tiraria seus olhos de mim, nem por um segundo. Ele quebrou a promessa.

- Aiyra? – Pedro me chama. – Aiyra? – tive um sobressalto. – Quero que venha morar comigo.
- O quê? Nem pensar!
- Você não pode ficar aqui.
- Não só posso, como vou!
- Você é menor de idade, e querendo ou não, agora está sob minha responsabilidade.

Era muita coisa. Muitos acontecimentos em tão pouco tempo. O que a vida pretende pra mim? Me matar antes dos vinte? Tudo que eu mais queria era acabar com aquela palhaçada o quanto antes. Precisava esfriar a cabeça, pensar, conversar com alguém...

- Vão embora. – disse, indo até a porta e a abrindo. – Vão embora agora!
- Nós ainda não terminamos. – diz Pedro.
- Saiam! – gritei.
- Meu amor – Clarisse se aproxima dele. -, ela está um pouco confusa e precisa pensar. – ela pega sua bolsa. - Talvez devêssemos voltar outra hora.

Eles saíram, e bati a porta com toda força. Corri pro quarto, e me joguei na cama. Iria chorar, mas não achei justo comigo mesma. Peguei o celular, e liguei pro Nick.

- O que houve, minha pequena? – pergunta ele.
- Eu preciso de você, Nick. – não aguentei e comecei a chorar. – Preciso de você agora.
- Ah cara, vou matar o filho da puta que fez isso contigo! – diz. – Chego ai em cinco minutos.

Exatos cinco minutos depois, ele chega. Nick se deita na cama, e me deito ao seu lado, colocando minha cabeça sobre seu peito. Algumas lágrimas ainda escorriam e molhavam sua blusa. Ele passava levemente as pontas dos dedos pelo meu braço. Não me fez nenhuma pergunta nos primeiros quinze minutos. Ficamos apenas calados. Eu, ouvindo as batida do seu coração e ele, ouvindo baixinho o meu choro.

- A minha vida é uma droga. – finalmente disse algo, depois de tanto silêncio.
- Me conta o que aconteceu, vai? – me sentei, e ele ficou me olhando.

Contei-lhe os acontecimentos, e no final ele pareceu meio preocupado. Em tanto tempo de convivência, nunca tinha o visto daquele jeito.

- Então ele acha que pode reaparecer do inferno e te levar embora? – diz ele.
- É isso ai.
- Vamos fazer o seguinte: eu te sequestro, a gente rouba um pacote de salgadinho, e vamos pra bem longe. – brincou.
- Nick, isso é coisa séria.
- E o que podemos fazer? O desgraçado é teu pai, e você ainda é menor de idade.

Ele tinha toda razão. E na manhã seguinte o Pedro voltou trazendo uma ordem judicial, que basicamente me obrigava a fazer o que fosse determinado. E sendo responsável por mim, ele me pediu para arrumar todas as minhas coisas, pois o avião partiria em uma hora. Não concordei com nada disso, mas não pude questionar. A garota durona, agora estava de mãos atadas. Só não me conformei em ter que deixar a cidade sem me despedir do Nick.

***

O avião finalmente faz seu pouso. Eu não sabia o nome da cidade e também não me importava com isso. Ao sairmos do aeroporto, um luxuoso carro estava a nossa espera. Por onde quer que passássemos tinha verde pra tudo quanto é lado. Não vou negar que era tudo muito bonito, mas aquele não era o meu lugar.
Mais seis minutos, e o carro fora estacionado. Tirei o cinto de segurança e sai, ficando parada, olhando a casa. Nem de longe se parecia com a minha, que por sinal, era o total oposto daquela, mas me fazia feliz.

- Gostou? – pergunta Pedro, com um sorriso nos lábios.

Se eu começasse a ser sincera, diria que parecia casa de boneca. Pra não criar um clima ainda mais pesado, resolvi ficar calada. Caminhei em direção à entrada, e fui surpreendida por um monstrinho. Na verdade, aquilo era um cachorro minúsculo, que mais parecia um filhote de rato. Ele latiu pra mim. Clarisse o pegou e sorriu, dizendo que ele veio dar as boas vindas.
Por dentro tudo era sofisticado e dava medo de encostar-se às coisas, pra não correr o risco de quebrar ou sujar. Aproximei-me da lareira, e comecei a ver os vários porta-retratos. A maioria deles tinha a foto de uma garotinha que aparentava ter seis ou sete anos.

- Quem é ela? – pergunto, enquanto segurava um porta-retrato.
- Esta é a Anna. – diz Clarisse, retirando o objeto da minha mão. – Agora ela está no curso de francês – e o coloca no lugar. -, mas não deve demorar a chegar. Você vai adorar conhece-la.

Pedro me chamou, e subimos uma escada. Passamos por um pequeno hall e entramos na segunda porta à direita. O quarto era moderno e espaçoso. Pra completar, tinha uma varanda com vista para a rua.

- Se não gostar, podemos trocar tudo. – diz Pedro. – A sua vinda foi um tanto quanto rápida, mas tentamos deixa-lo bem confortável.
- Está bom assim. – disse, olhando em volta. – Só não pense que as coisas irão mudar só porque estou aqui.
- As coisas irão mudar com o tempo, Aiyra.
- Duvido muito.

Ele me deixou sozinha, e me sentei na cama. Suspirei. É inacreditável como a vida pode mudar tão repentinamente, e às vezes me pergunto o que teria acontecido se eu não tivesse saído naquela noite. Talvez a minha mãe ainda estivesse viva, e eu não precisasse estar aqui.
Parece que a cada segundo escrevemos um pedacinho da nossa história, sem nem ao menos nos darmos conta. Imagino como poderia ser se pudéssemos moldar o futuro, ou se pudéssemos modificar o passado. Mas pensando bem, tudo seria tão previsível, que não teria a menor graça. Eu só sei que, nada acontece por acaso, e que tudo tem um propósito.

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 1 - Aiyra Burke.

(Contado por Aiyra)

Era noite de lua cheia, e o clima ultimamente anda bem frio. Estava deitada em minha cama, de barriga para cima. A cortina da janela estava aberta, e a única iluminação do quarto vinha de um poste lá da rua. O vento batia na árvore, que se movia e com a luz, formava desenhos estranhos no teto e na parede.
Suspirei, fechando os olhos por um instante. Meus pensamentos se perdiam em meio às bagunças e coisas erradas que andei fazendo por ai, mas não queria pensar muito, pra não ficar paranoica. Virei minha cabeça para o lado direito, olhando na direção do relógio sobre a mesinha de cabeceira. A hora se aproximava das duas e quatorze da madrugada, e nem sinal de sono. Mesmo sabendo que era tarde e que ele provavelmente estaria no vigésimo sono, me sentei e peguei o celular, discando os números.

- Espero que seja algo muito importante. – diz ele, com voz sonolenta.
- Estou com insônia – disse, já imaginando sua reação.
- Ah, vai tomar no cú, porra! – gritou, com raiva. – Me acorda as duas da matina pra dizer que perdeu o sono?
- Eu preciso conversar com alguém. – coloquei uma mecha do cabelo atrás da orelha.
- Tá me achando com cara de psicólogo? – cocei o braço. – Vai contar carneirinhos, vai.
- Na verdade... Estava pensando em dar uma volta.
- Que desgraça, velho! – gritou outra vez. – É nisso que dá ter uma garota como amiga. – eu ri. – Começa a se masturbar, isso funciona quando perco o sono.
- Nick!
- Tá legal, tá legal! – cedeu. - Nos encontramos daqui quinze minutos, no lugar de sempre.

Não dá pra negar que o Nick adora falar palavrões, e que a maioria das coisas que aprendi foi com ele. Nos conhecemos por acaso num festival de música, onde ele tocava bateria numa banda, e foi amizade à primeira vista. Não sei se isso existe de verdade, mas nos damos tão bem, que nem ao menos parece que estamos andando juntos há pouco mais de um ano.
Já estava vestida, e só me dei o trabalho de colocar um casaco de cor vermelha. Calcei meu all star e passei um pouco de perfume. Peguei meu celular e certa quantidade em dinheiro. Sai do quarto, passando pelo corredor com o máximo de cuidado possível para não acordar a minha mãe. Cerca de dez minutos depois, cheguei ao parque – praticamente abandonado – onde costumamos nos encontrar. Pra mim é uma espécie de refúgio. Nick estava sentado num dos balanços, fumando um cigarro. Ele assoprou a fumaça e sorriu pra mim. Me aproximei, e me sentei ao seu lado. Fui me balançando devagarzinho, enquanto o silêncio pairava entre nós.

- Me chamou até aqui pra ficar calada? – pergunta ele, dando mais uma tragada em seu cigarro.
- Só não queria ficar com insônia, sozinha. – disse, e ele soltou a fumaça.
- Filha da mãe!
- Eu também te amo, tá? – lhe dei um leve soco no ombro. – Estou pensando em fazer uma nova tatuagem. O que acha?
- Até que enfim. – mais uma tragada. – O bebê estava mesmo precisando expandir seus horizontes.
- Está chamando quem de bebê? – parei de me balançar e o encarei. – E só pra você saber, meus horizontes são bem expandidos. – ele ri.
- Nós dois sabemos que você não faz nada de interessante nessa vida, garota.
- Claro que faço!
- Sexo selvagem não conta. A minha gatinha precisa mesmo é de um pouco de adrenalina.
- Tipo...?

Imaginei que fosse dizer para eu experimentar outros tipos drogas. Usei êxtase e heroína algumas vezes, mas como a grana estava baixa, não quis correr o risco de ficar com uma divida ainda maior. Até hoje não consegui pagar o Jess, pois sua proposta era de que se eu transasse com ele, a divida estaria liquidada. Obviamente recusei. Nunca venderia meu corpo.

- Participar de um racha. – disse ele, jogando seu cigarro no chão e o apagando com o pé. – É divertido e você tá precisando de grana.– achei interessante. – Mas quer saber, esquece isso que te falei.
- Por quê? – fiquei curiosa.
- Primeiro porque o dono da parada é o Jess, e da última vez que vocês se encontraram, ele te jurou de morte. – me olhou. – E segundo, porque na área deles, garotas só servem pra uma coisa. – seu olhar malicioso fez brotar um sorriso em mim. – Se bem que... – seus olhos percorreram-me dos pés a cabeça. – Você se encaixaria nos padrões.
- Está me chamando de...
- Gostosa. – me interrompeu. – E muito marmanjo pagaria qualquer preço pra tirar sua roupa.
- Não sou uma prostituta.
- E se fosse, pode apostar que eu estaria falido.

Essa era basicamente o tipo de brincadeira que na maioria das vezes nos rendia longas conversas. O Nick não é do tipo que disfarça, ou pensa antes de falar algo. Não existe meio termo no seu vocabulário, e isso é só mais uma das várias coisas que admiro.

***

Passava das três e meia da madrugada, e parecia que estávamos ali cerca de vinte ou trinta minutos. Eu ria com as histórias e experiências pelas quais o Nick havia passado. A maioria delas envolvia alguma garota, que o ferrava no final. Der repente uma sensação estranha tomou conta de mim. Fiquei com falta de ar por alguns segundos, que mais parecia ter sido a eternidade. Veio aquele aperto no coração e os olhos se encheram de lágrimas.

- Aiyra? – Nick se levantou, veio até mim, e se ajoelhou na minha frente. – Aiyra, o que foi? – ergueu minha cabeça.
- E-Eu não sei. – respondi, quase chorando.
- Calma. – diz ele, preocupado. – Fica calma. – me abraçou.
- Eu quero sair daqui, Nick. – disse, e ele enxugou a única lágrima que escorreu pelo meu rosto.
- Quer ir pra minha casa? – perguntou e assenti positivamente com a cabeça.

Entramos no seu carro, e ele ligou o som num volume baixo, só pra tentar descontrair um pouco. Não demoramos muito e logo estávamos chegando à rua de sua residência, e o veiculo sendo estacionado na garagem. Essa era a segunda vez que eu frequentava sua casa, mas isso não era motivo e nem me impedia de ir logo me sentando e colocando os pés sobre o sofá-cama.

- Ia dizer pra ficar à vontade – diz ele, jogando as chaves em cima da mesinha de centro. -, mas vejo que não é necessário. Vou tomar um banho e já venho.

Achei estranho esse negócio dele querer tomar banho há essa hora, mas não me importei. Fui para a cozinha, e apertei o interruptor para ligar a luz. Olhei para os quatro cantos, e sai abrindo todos os armários. Abri a geladeira e encontrei um pedaço de torta de chocolate. Era tudo que eu precisava. Me sentei próximo ao balcão, e comecei a comer.
Depois da fome, veio a sede. Novamente abri a geladeira para procurar algo liquido, e só vi uma jarra de água. Não era exatamente isso que eu queria, mas não dispensei. Peguei a jarra, e ao me virar, me deparei com o Nick, usando apenas uma cueca boxer de cor preta.

- Costuma ficar vestido assim, quando tem visitas?
- Essa é a minha casa, e fico vestido do jeito que eu quiser. – respondeu.
- Então tá. – coloquei a água no copo e bebi.

Voltamos pra sala, e ficamos sentados lado a lado, assistindo um filme horrível. Eu o olhei, e me bateu uma vontade de beijá-lo. Pode ser estranho, mas já ficamos por diversão. Ele me olhou de volta, mordeu os lábios, e acariciou seu membro por cima da cueca.

- Tarado. – disse rindo.
- O tarado que você tá doidinha pra pegar.
- Não provoca, Nick.
- Se eu te beijar agora, vai fazer o quê? – perguntou.
- Retribuir.

Não foi preciso mais palavras. Como sempre, era um beijo caloroso que, na maioria das vezes me deixava excitada. Nossas línguas brincavam uma com a outra. N’outro segundo estava em cima dele, sentindo sua mão por debaixo da minha blusa, se aproximando dos meus seios. Nos beijávamos cada vez mais com intensidade. Em movimentos rápidos, tirei toda a minha roupa. Suas mãos percorriam e apertavam as minhas coxas de maneira desesperada, quase que grosseira. Nick retirou meu sutiã e deslizou a língua por meus mamilos, deixando-os cada vez mais sensíveis ao seu toque.
Gemi baixinho, e pude senti-lo ficar excitado. Me levantei e fiquei ajoelhada na sua frente, o encarando com aquela minha expressão desafiadora que sempre fazia. Arranquei sua boxer lentamente, e apreciei cada segundo. Fui até ele, e lhe dei um beijo caloroso, enquanto minha mão brincava com seu membro. Percorri seu corpo com a língua, até chegar à parte que o controlaria bem. Dava pra ver no seu rosto que eu o levava a loucura com cada toque, cada vez que deslizava minha língua e o encarava. Uma pausa foi feita, porque ele se levantou pra pegar um preservativo. O colocou rapidamente, e me sentei sobre seu membro, gemendo em seguida. Começou devagar, mas aos poucos fomos assumindo uma velocidade que nos levava à completa loucura. Gemíamos tão algo, que por vezes abafávamos os gemidos com beijos.

- Vamos pra cozinha? – perguntou sussurrando no meu ouvido, ofegante.

Essa é uma das minhas bobas fantasias, transar na cozinha. Fomos para o cômodo, onde me sentei sobre a mesa, e o Nick se colocou entre as minhas pernas. Voltou a penetrar com a mesma intensidade de antes, e a cada segundo eu me arrependia por não ter feito isso antes.
Estava chegando ao ápice, quando meu celular começou a tocar. Com o susto, Nick me penetrou com tanta força, que cheguei a gritar de dor. Não iriamos parar, mas algo me dizia que era importante. Recuperei o fôlego, e fui atender.

- Alô?

***

A rua estava tomada por carros policiais e periciais, sem contar os curiosos. O carro do Nick nem parou direito, e eu já estava abrindo a porta e correndo na direção da entrada de casa. Parei e naquele instante meu mundo desabou. A minha vida estava caída no chão, e uma poça grande de sangue a rodeava.

- Mãaaaae! – gritei e corri até ela.

As lágrimas escorreram como uma cachoeira, e eu desejava que nada daquilo fosse verdade. Fui levada até a ambulância que estava do lado de fora, para medirem minha pressão. O Nick se aproximou com os braços prontos pra me acolher. O abracei com força, descarregando tudo que conseguia. Sua mão afagava meu cabelo, e tentava me confortar dizendo “Eu tô aqui”, mesmo sabendo que não adiantaria muita coisa.
Algumas horas depois, quando o corpo já estava no IML, os policiais disseram que os vizinhos ouviram algo que poderia ser uma discussão, em seguida vieram alguns gritos e dois disparos de tiro. O caso seria investigado cuidadosamente, mas independente do resultado, nada a traria de volta.

Postado por: Grasiele

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