sexta-feira, 27 de abril de 2012

Coração De Outono - Capítulo 2 - Um estranho conhecido, chamado pai.

(Contado por Aiyra)

Alguns dias se passaram desde o funeral da minha mãe, e eu ainda não conseguia pisar meus pés dentro daquela casa. Não dava pra simplesmente atravessar a porta e reviver toda a cena outra vez. Seria demais pra mim e acho que não estou pronta pra esse tipo de coisa. Por enquanto, continuarei na casa dos meus avós e depois resolvo o que fazer.
Tentava dormir no meio da tarde, quando meu avô apareceu dizendo que tinha visitas. O primeiro nome que me veio em mente foi o do Nick, mas ele não viria sem ter ligado antes ou marcaria comigo em outro lugar. Me levantei, fui ao banheiro e joguei um pouco de água no rosto. Passei blush, pra ninguém perceber que eu ainda estava abatida pelo ocorrido e fui para a sala. Ao chegar lá, me deparei com umapessoa, que eu não desejaria ver nunca mais na minha frente.

- O que faz aqui? – perguntei num misto de surpresa e raiva, e meus avós se retiraram.

Minha reação não poderia ter sido diferente. Qualquer um no meu lugar, teria feito parecido ou até pior. Não é nada fácil reencontrar o seu pai, após onze anos. Ainda mais se ele estiver acompanhado pela cadela, que foi o motivo da separação. Por culpa dele, a minha vida e a da minha mãe virou um inferno! Enfrentamos dificuldades que não seriam tão dolorosas se ele estivesse ao nosso lado. Mas a vida é feita de escolhas, e ele escolheu ir embora e abandonar tudo que havia conquistado.

- Pensei que ficaria feliz em me ver. – diz Pedro.
- Feliz? – soltei uma risada. – Só pode ser brincadeira, não é?
- Filha...
- Não me chama... De filha. Eu não sou a sua filha!
- Para com isso, Aiyra. O que aconteceu no passado deve ficar lá atrás.
- Ah claro, porque não foi com você!

É engraçado como as pessoas são, não é? Elas têm a infeliz mania de magoar às outras e fingir que nada aconteceu. Olha só, o Pedro fica anos desaparecido sem dar uma noticia se quer, sem nem ao menos ligar para saber se estamos vivas ou mortas, e de uma hora pra outra, da noite para o dia, reaparece.

- Não viemos até aqui para discutir. – diz sua esposa.
- Desculpa querida, mas alguém te chamou na conversa? – perguntei. – Então fica na sua, vadia!
- Já chega, Aiyra! – grita Pedro, e me assusto. – Está passando dos limites, e exijo que respeite a Clarisse!
- E quem é você, pra me dizer se estou ou não ultrapassando limites?
- Eu sou seu pai. – respondeu, me encarando.
- Aquele que me abandonou quando eu tinha seis anos de idade! – completei.

Quem este cidadão pensa que é pra exigir alguma coisa? Pai? Pra mim, pai é aquele que cria, aquele que dá amor e carinho, aquele que se esforça pra oferecer o melhor para o seu filho, aquele que, não importam as circunstâncias, está ali ao seu lado. Pai de verdade, não te abandona.

- Você sabe que eu nunca quis ir embora. – diz ele.
- Se não queria, porque foi? – cruzei os braços, esperando pela resposta.

Como eu já sabia, ele não respondeu. Apenas abaixou a cabeça.

- Você tem noção de quantas noites eu chorei? – disse, e os olhos se encheram de lágrimas. – Pode imaginar quanto tempo fiquei parada na calçada esperando que você voltasse? – ele me olhou. – Dá pra pensar o quanto eu rezei e pedi a Deus que fosse só mais uma briguinha de casal? Não, você não pode imaginar nada disso, e sabe por quê? Porque você não se importa. Nunca se importou e nem vai se importar!
- Isso não é verdade. – fez uma pausa. – Eu sempre me importei com você, sempre me preocupei em...
- E porque não voltou? – lágrimas escorreram, e logo as enxuguei.
- Eu não pude.
- Estava muito ocupado com sua nova família, não é?
- Ele se preocupa com você. – novamente a Clarisse se intromete.
- Cala a boca! – quase gritei. – Ninguém aqui tá falando nada contigo!
- Clarisse, por favor... – Pedro pede, e ela se cala.

Eu não queria me lembrar de nada, mas as memórias simplesmente começaram a aparecer em minha mente conturbada. Eram coisas que eu já deveria ter esquecido, acontecimentos que não voltariam a se repetir. Mas como dizia a minha mãe “coisas que guardamos no coração, dificilmente serão esquecidas pela mente”. Me lembro da vez em que tentei alcançar um livro sobre a minha história favorita, no alto da estante. Eu não tinha a menor noção do perigo que estava correndo ao subir pelas prateleiras. A insistência foi tanta, que consegui pegá-lo. O Pedro apareceu bem na hora de me salvar de uma queda, e me amparou nos seus braços. Ele brigou comigo, e prometeu que nunca mais tiraria seus olhos de mim, nem por um segundo. Ele quebrou a promessa.

- Aiyra? – Pedro me chama. – Aiyra? – tive um sobressalto. – Quero que venha morar comigo.
- O quê? Nem pensar!
- Você não pode ficar aqui.
- Não só posso, como vou!
- Você é menor de idade, e querendo ou não, agora está sob minha responsabilidade.

Era muita coisa. Muitos acontecimentos em tão pouco tempo. O que a vida pretende pra mim? Me matar antes dos vinte? Tudo que eu mais queria era acabar com aquela palhaçada o quanto antes. Precisava esfriar a cabeça, pensar, conversar com alguém...

- Vão embora. – disse, indo até a porta e a abrindo. – Vão embora agora!
- Nós ainda não terminamos. – diz Pedro.
- Saiam! – gritei.
- Meu amor – Clarisse se aproxima dele. -, ela está um pouco confusa e precisa pensar. – ela pega sua bolsa. - Talvez devêssemos voltar outra hora.

Eles saíram, e bati a porta com toda força. Corri pro quarto, e me joguei na cama. Iria chorar, mas não achei justo comigo mesma. Peguei o celular, e liguei pro Nick.

- O que houve, minha pequena? – pergunta ele.
- Eu preciso de você, Nick. – não aguentei e comecei a chorar. – Preciso de você agora.
- Ah cara, vou matar o filho da puta que fez isso contigo! – diz. – Chego ai em cinco minutos.

Exatos cinco minutos depois, ele chega. Nick se deita na cama, e me deito ao seu lado, colocando minha cabeça sobre seu peito. Algumas lágrimas ainda escorriam e molhavam sua blusa. Ele passava levemente as pontas dos dedos pelo meu braço. Não me fez nenhuma pergunta nos primeiros quinze minutos. Ficamos apenas calados. Eu, ouvindo as batida do seu coração e ele, ouvindo baixinho o meu choro.

- A minha vida é uma droga. – finalmente disse algo, depois de tanto silêncio.
- Me conta o que aconteceu, vai? – me sentei, e ele ficou me olhando.

Contei-lhe os acontecimentos, e no final ele pareceu meio preocupado. Em tanto tempo de convivência, nunca tinha o visto daquele jeito.

- Então ele acha que pode reaparecer do inferno e te levar embora? – diz ele.
- É isso ai.
- Vamos fazer o seguinte: eu te sequestro, a gente rouba um pacote de salgadinho, e vamos pra bem longe. – brincou.
- Nick, isso é coisa séria.
- E o que podemos fazer? O desgraçado é teu pai, e você ainda é menor de idade.

Ele tinha toda razão. E na manhã seguinte o Pedro voltou trazendo uma ordem judicial, que basicamente me obrigava a fazer o que fosse determinado. E sendo responsável por mim, ele me pediu para arrumar todas as minhas coisas, pois o avião partiria em uma hora. Não concordei com nada disso, mas não pude questionar. A garota durona, agora estava de mãos atadas. Só não me conformei em ter que deixar a cidade sem me despedir do Nick.

***

O avião finalmente faz seu pouso. Eu não sabia o nome da cidade e também não me importava com isso. Ao sairmos do aeroporto, um luxuoso carro estava a nossa espera. Por onde quer que passássemos tinha verde pra tudo quanto é lado. Não vou negar que era tudo muito bonito, mas aquele não era o meu lugar.
Mais seis minutos, e o carro fora estacionado. Tirei o cinto de segurança e sai, ficando parada, olhando a casa. Nem de longe se parecia com a minha, que por sinal, era o total oposto daquela, mas me fazia feliz.

- Gostou? – pergunta Pedro, com um sorriso nos lábios.

Se eu começasse a ser sincera, diria que parecia casa de boneca. Pra não criar um clima ainda mais pesado, resolvi ficar calada. Caminhei em direção à entrada, e fui surpreendida por um monstrinho. Na verdade, aquilo era um cachorro minúsculo, que mais parecia um filhote de rato. Ele latiu pra mim. Clarisse o pegou e sorriu, dizendo que ele veio dar as boas vindas.
Por dentro tudo era sofisticado e dava medo de encostar-se às coisas, pra não correr o risco de quebrar ou sujar. Aproximei-me da lareira, e comecei a ver os vários porta-retratos. A maioria deles tinha a foto de uma garotinha que aparentava ter seis ou sete anos.

- Quem é ela? – pergunto, enquanto segurava um porta-retrato.
- Esta é a Anna. – diz Clarisse, retirando o objeto da minha mão. – Agora ela está no curso de francês – e o coloca no lugar. -, mas não deve demorar a chegar. Você vai adorar conhece-la.

Pedro me chamou, e subimos uma escada. Passamos por um pequeno hall e entramos na segunda porta à direita. O quarto era moderno e espaçoso. Pra completar, tinha uma varanda com vista para a rua.

- Se não gostar, podemos trocar tudo. – diz Pedro. – A sua vinda foi um tanto quanto rápida, mas tentamos deixa-lo bem confortável.
- Está bom assim. – disse, olhando em volta. – Só não pense que as coisas irão mudar só porque estou aqui.
- As coisas irão mudar com o tempo, Aiyra.
- Duvido muito.

Ele me deixou sozinha, e me sentei na cama. Suspirei. É inacreditável como a vida pode mudar tão repentinamente, e às vezes me pergunto o que teria acontecido se eu não tivesse saído naquela noite. Talvez a minha mãe ainda estivesse viva, e eu não precisasse estar aqui.
Parece que a cada segundo escrevemos um pedacinho da nossa história, sem nem ao menos nos darmos conta. Imagino como poderia ser se pudéssemos moldar o futuro, ou se pudéssemos modificar o passado. Mas pensando bem, tudo seria tão previsível, que não teria a menor graça. Eu só sei que, nada acontece por acaso, e que tudo tem um propósito.

Postado por: Grasiele

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Arquivos do Blog