segunda-feira, 30 de abril de 2012

Coração De Outono - Capítulo 20 - Romance à vista!

(Contado por Bill)

Ficar sentado na cama, olhando para o nada não era a melhor solução. Não pra mim, naquele momento. Eu queria conversar com alguém, dividir dúvidas e talvez sentimentos. Fiz uma seleção de pessoas para quem eu poderia dizer alguma coisa. O Gordon foi o primeiro a ser cortado dessa lista. Em seguida o Georg, que trataria de fazer uma piadinha com a minha cara. O Gustav não entenderia muito bem, então ele também não serve. A minha mãe... Bem, a dona Simone seria uma ótima escolha, se pelo menos estivesse em casa. E por mim, mas não menos importante, Tom Kaulitz, que apesar de não estarmos no falando normalmente, não acho que me negaria qualquer tipo de ajuda.
Me levantei e fui ao seu quarto. Antes de bater na porta, pensei muito bem no que estaria prestes a falar. Segui em frente e bati na porta. Entrei e ele tocava violão, a me ver foi logo tratando de dar seu aviso.

- Não tô a fim de ficar discutindo. – diz ele. – Se veio aqui pra isso, caí fora!
- Não. – disse e me aproximei. – Preciso conversar.

Só o Tom sabe que, quando digo que preciso conversar é porque existe algo realmente sério por trás daquilo. Não sei se posso definir isso como um problema, mas enquanto estiver atormentando minha mente, será um problema. E quanto antes eu conseguir resolvê-los, melhor.
Ele parou de tocar e colocou o violão de lado. Puxei a cadeira da escrivaninha e me sentei um pouco mais próximo a ele. Fiquei meio entalado, sem saber por onde começar e como transformar em palavras tudo que se passava em minha mente.

- Estou com um grande problema. – disse.
- Cara, você se meteu com drogas outra vez? – me encarava.
- Claro que não! Faz algum tempo que não compro nada.
- E o que foi agora?

Expliquei-lhe da maneira mais direta e simplificada que consegui. Mesmo sem citar nomes, tentei ser o mais claro possível. Não poderia faltar um pouco de humor e o Tom riu de algumas coisas, criticou outras. Me chamou de covarde e disse que eu deveria enfrentar o meu monstro e procurar a tal garota. Ele não é o melhor conselheiro amoroso do mundo, mas quebrava o galho perfeitamente.

- Não posso fazer isso. – me levantei e comecei a andar de um lado para outro. – Se lembra do que falei a respeito do combinado com o Gordon?
- Mas o que isso tem a ver? – se encostou à cabeceira da cama e parei.
- É ela. – confessei e vi a surpresa tomar conta do seu rosto.
- Mais que droga, Bill! – gritou comigo e se sentou. – Você ficou maluco?! Perdeu mesmo a noção de tudo, não é?! – continuava gritando. – Se o Gordon descobre uma coisa dessas...
- Ele não pode descobrir! – interrompi e fui até ele. – Por favor, você precisa prometer que não vai falar nada! – praticamente implorei.
- Só não vou falar nada porque ele viraria o demônio pro nosso lado.

Ficamos calados, olhando um para o outro e com vontade de rir. A situação não era nem um pouco engraçada, mas quando estamos juntos não conseguimos evitar. Sempre acabamos rindo da nossa própria desgraça.

- Como ela é com você? – pergunta ele.
- Ela... – sem perceber, sorri. – Ela me deixa louco na metade do tempo, e na outra metade eu só consigo imaginar o quanto é bom ter sua companhia. Ela é o tipo de pessoa que você poderia passar horas e horas conversando sem se entediar. E eu sempre fico confuso quando tô perto dela.
- Isso quer dizer que está apaixonado. – ele ri.
- Não tô não.
- Ok, então me diz como é o sorriso dela?

Pensei em várias coisas e comecei a falar antes que me esquecesse.

- O sorriso dela é lindo. – a imaginei. – Delicado... Contagiante... Às vezes tímido ou sarcástico... Sincero. Sim, o sorriso dela é muito sincero e parece que, quando ela sorri o restante do mundo se ilumina e...
- Bill... – me interrompe. – Quer saber como era o sorriso da última garota com quem fiquei? – assenti positivamente com a cabeça. – Era branco e grande. – nós rimos. – Você ta gostando dela e ponto. Não adianta mentir.
- Gostar dela é jogá-la diretamente na armadilha do Gordon! E eu não quero isso, Tom. Não tenho direito de magoá-la ou fazê-la participar de algo assim.
- Ela não precisa saber. – fez uma pausa. – Nem o Gordon.
- Como assim?

Tom compartilhou comigo um dos seus planos mais idiotas que já ouvi em toda minha vida, mas que poderia dar certo. Eu não tinha nenhuma garantia de que tudo acabaria bem no final, e o que eu poderia fazer era simplesmente experimentar e deixar que o destino faça o resto. Por menos que eu quisesse concordar, sabia que no meu intimo, em algum lugar dentro de mim, ela era uma das poucas coisas que realmente me interessavam.
–--
(Contado por: Aiyra)

Era fim de tarde. Depois de um banho demorado e relaxante, procurei uma roupa que me deixasse o mais confortável possível. O clima estava quente e não dava pra usar calça jeans ou all star. Acabei desistindo da busca e coloquei a primeira coisa que encontrei, um vestido de tecido leve e cor clara. Me pus em frente ao espelho e enquanto ajeitava o cabelo, notei a enorme semelhança que tenho com a minha mãe. Não somente a cor dos olhos e cabelo, mas também o modo como me visto, tentando não chamar muita atenção.
Me lembro de todas as vezes que saímos juntas e as pessoas perguntarem se éramos irmãs. Olhávamos uma para a outra e sempre riamos, confirmando que sim. Me lembro de fazer compras e chegando numa das lojas gostamos da mesma blusa. A saída que encontramos foi comprá-la e dividi-la. Essa era uma de várias roupas que compartilhávamos sem problema algum.
Às vezes fico tentando imaginar o que ela estaria fazendo naquele exato momento, se estivesse viva. Aposto que independente do que seja, estaria sorrindo. Ela sempre sorria, em qualquer situação. Foi uma maneira que encontrou para amenizar as dificuldades diárias. “Sorria, mesmo que o mundo esteja contra você. Sorria, para mostrar o quão forte consegue ser. Sorria, apenas sorria”. A frase que ela não se cansava de repetir e que hoje se tornou o motivo pelo qual ainda sorrio. Como um jeito de mostrá-la que estou bem, mesmo sabendo que não é tão verdade assim.
Fui despertada do meu devaneio e traga a realidade, quando o Pedro bateu na porta e entrou no quarto. Ao olhá-lo, não pude deixar de me lembrar da época em que ainda éramos uma família completa e feliz. As coisas tinham mudado tão rapidamente, que não consigo recordar o exato momento que o teto começou cair e o chão desabar. Qualquer coisa, eu me lembrava de qualquer coisa, menos o dia que eles tomaram a decisão de que iriam se separar.

- O Bill está lá embaixo e quer falar com você. – diz ele.
- Bill? – estranhei.

Desci até a sala e ele estava parado próximo a porta de saída, com as mãos nos bolsos e distraído, olhando para alguma coisa ali no cômodo. Me aproximei e ele virou o rosto para me olhar. Sorriu e disse:

- Quer dar uma volta?

***
Caminhávamos pela calçada, tomando sorvete e conversando. Ele se desculpou por ter sido meio ignorante comigo, tentou explicar o que estava acontecendo. Eu já sabia e fiquei envergonhada. Ele não precisava dar qualquer tipo de explicação sobre sua vida sexual, isso é algo que só diz respeito a ele mesmo. As pessoas não têm que ficar se intrometendo nesse tipo de coisa. É uma escolha dele e se está feliz assim, quem sou eu para questionar.

- Tá legal, Bill. – disse. – Eu já sei de tudo.
- Já sabe? – me pareceu muito surpreso e assenti positivamente com a cabeça. – E como descobriu?
- Ah, isso não foi tão difícil assim. – respondi e dei uma lambida no sorvete.
- Não está com raiva de mim?
- Porque eu ficaria? – paramos de caminhar e nos sentamos ali na calçada mesmo. – É sua opção sexual e não tenho direito de opinar.
- Opção sexual? – me encarou. – Esperai. Tem certeza que estamos falando sobre a mesma coisa? – fiquei em dúvida naquele momento. – Porque eu estou tentando achar o melhor jeito pra dizer que...
- Você é gay. – interrompi e completei.
- Eu sou o quê?
- Gay. – repeti.
- Mas eu não sou!
- Entendo que seja difícil assumir no inicio. Mas não precisa ficar envergonhado pra falar sobre isso comigo. Eu tinha vários amigos gays em minha antiga cidade e eles eram realmente incríveis.
- Não, eu acho que você não entendeu. – deu uma leve risada. – Eu não tenho nada contra os gays, mas não sou um deles.
- Bill...
- Aiyra, você deve ter confundido tudo. É sério, não gosto de homens.

Me senti a pessoa mais envergonhada do planeta! Queria largar o sorvete no chão, cavar um buraco no asfalto e nunca mais olhar na cara dele. Aquele era o tipo de erro que eu nunca poderia ter cometido. Como fui boba de achar que o Bill era gay. Mas não tinha como adivinhar e além do mais, ele deu motivos de sobra pra eu pensar isso dele.

- Desculpa. – disse, com as bochechas queimando de tão vermelhas de vergonha.
- Tudo bem. – ele ainda ria. – Não acredito que pensou mesmo isso de mim.
- Nem eu, mas a culpa é toda sua!
- Como sempre. – fez uma pausa. – Te procurei pra explicar e dizer o porquê de estar te evitando. – permaneci quieta. – Só fiz aquilo por que... Eu tinha terminado um relacionamento e não queria parecer estar te usando de alguma forma, entende?
- Um-hum. Mas... Você ainda gosta dela?
- Não. – respondeu. – Na verdade aquilo foi um terrível erro. Um daqueles momentos de carência que a gente acha que vai ficar sozinho pro resto da vida e acaba pedindo a pessoa errada em namoro.

Por alguma razão, fiquei mais aliviada por saber que ele não gosta dela. E agora sim entendo o que ele fez e acho que eu teria feito o mesmo se também estivesse acabado de sair de um relacionamento relativamente complicado. Continuamos conversando, rindo do meu mico e percebi que aquela seria uma resenha para o resto do ano.
Voltamos para minha casa quando já estava escuro, queríamos continuar falando mais algumas bobagens, então resolvemos nos sentar na grama. Os assuntos pareciam não faltar e quanto mais eu o escutava mais tinha vontade de ficar ali. Contávamos estrelas e ele me mostrava algumas constelações. Falamos de ex-namorados e experiências que deram errado.

- E o que mais te atrai numa mulher? – perguntei.
- Acho que... O sorriso e as mãos. – responde. – Mas gosto do olhar também. E você? O que mais te atrai num homem?
- Não sei, acho que ele precisa ser bem diferente de mim e ao mesmo tempo parecido.
- Em mim, por exemplo. O que mais te chamou atenção em mim?
- Pergunta difícil. – disse. – Mas eu gosto das suas mãos. – ele ergue a mão esquerda para olhá-la. – Elas são... – fiz um gesto, para que ele encostasse sua mão na minha. – Grandes.
- A sua é macia. – diz ele. – Pequena e delicada.

Bill entrelaçou nossos dedos e eles pareciam ter se encaixado perfeitamente. Nos entreolhamos e ele aproximou seu rosto, encostando seus lábios nos meus. Descobri naquele instante que por causa dele meu coração tem dúvidas se para ou continua batendo. Aquele beijo não foi como o primeiro. Tinha algo a mais que eu não conseguia explicar ou definir. Só posso dizer que era calmo, como se não quiséssemos que acabasse.

- Bill... – afastei um pouco meu rosto. – Você sente algo quando nos beijamos?

Ele fica em silêncio, talvez pensando em algo para responder.

- Sente? – insisti na pergunta.
- Sinto uma mistura de todas as coisas possíveis.
- Ódio também? – ele sorri.
- Coisas boas.
- Sorvete é bom. – brinquei.
- Então eu sinto sorvetes também. – nós rimos. Ele voltou a olhar para as estrelas e suspirou. – Eu acho que... Estou gostando de você.
- Isso sim é melhor que sorvete.
- Eu já nem sei o que é melhor que você. – silêncio. – Provavelmente nada.

E o Pedro resolve aparecer justamente quando o Bill está sendo a pessoa mais fofa da face da terra. Ele alegou estar meio tarde para ficarmos ali, pois poderia ser perigoso. Nos olhou com aquele olhar que diz “eu sei exatamente o que vocês estão fazendo”. E pensando bem, estava mesmo ficando tarde. As horas passaram rápido demais.
Trocávamos as últimas palavras, em frente a porta. Eu tentava não falar muito alto ou algo que me comprometesse depois com o Pedro.

- Eu só queria te fazer um pedido. – diz Bill. – Que por enquanto ninguém do colégio fique sabendo sobre nós.
- Nós? – sorri. – Já existe... Nós?
- Não sei. – ele fica envergonhado. – Você quer que exista?
- Só se você quiser.
- É o que eu mais quero agora.

Bill novamente pegou minha mão e a apertou contra seu peito.

- Está sentindo? – imaginei que falasse sobre as batidas de seu coração, que eu sentia agitadas por detrás da camisa. Assenti positivamente. Ele olhou para baixo e segui seu olhar como um imã. Ele acariciava minha mão e meu coração pulava sem parar. – Não sinto isso por muitas pessoas. – diz ele. – Talvez não sinta por ninguém e, no entanto, você sempre me faz ficar assim.

Eu ali colada a ele, sentindo as batidas do meu coração, sentindo as batidas do seu coração e comprovando que ele realmente possuía um. Me senti flutuar, sair de órbita, partir para outro mundo. Um mundo onde ele agora pertencia a mim.

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 19 - Conclusões precipitadas.

(Contado por Pedro)
Eu lia umas manchetes no jornal, sentado na poltrona da sala, quando Aiyra entrou em casa e estava com os pensamentos distantes. Perguntei-lhe duas vezes como havia sido o almoço com o Bill, mas não obtive resposta. Ela já ia em direção a escada, lhe fiz a terceira pergunta e a vi se assustar. Chegou a dar um gritinho duvidoso e respirou fundo tentando disfarçar. Não contive o riso, mas me desculpei pelo mal jeito. Não tinha intenção de assustá-la e também não era minha culpa se estava tão desligada.
Não insisti na pergunta, pois talvez não estivesse tão a fim assim de responder a qualquer coisa. Ou talvez o encontro não tenha sido tão agradável. Continuei lendo o jornal, depois de dois ou três minutos ergui a cabeça e ela estava parada quase de frente pra mim. Quando era mais nova, Aiyra fazia isso sempre que estava com dúvidas e queria perguntar algo. Pelo visto, não tinha mudado tanto.

- Ok, pode perguntar. – fechei o jornal.
- Como é se apaixonar? – ela se senta ao meu lado e analisei sua pergunta. – Quero dizer, o que a pessoa sente quando está apaixonado?
- Você nunca se apaixonou? – ela negou com a cabeça. – Bom... Não sei exatamente o que as pessoas costumam sentir. – disse. – Mas quando me apaixonei por sua mãe, senti milhares de coisas de uma só vez.
- Tipo suas pernas tremerem, o coração acelera só de ouvir a voz dela, as famosas borboletas no estômago, as mãos suarem ou os pés formigarem?
- É... Eu senti muito essas coisas. – fiz uma pausa. – Mas pra quem nunca se apaixonou, você sabe de muitas coisas.
- São só especulações, sabe? – dá uma leve risada. – Todo mundo fala que é desse jeito.
- E porque está me perguntando?
- Curiosidade.

Fiquei desconfiado. Na minha época, esse tipo de pergunta não era feita quando as pessoas estavam apenas curiosas. Pelo menos acho que não. E me lembro que a única vez que questionei algo semelhante, foi quando me apaixonei pela mãe da Aiyra. O meu pai teve a mesma reação que eu, estranhou minha dúvida. Semanas depois eu estava olhando em seus olhos e pedindo-a em namoro.

- Pedro... Você acha que alguém seria louco o suficiente de se apaixonar por mim?
- Acho que seria louco se não se apaixonasse por você. – respondi e ela sorri.
- Sou estranha. – ela abaixa um pouco a cabeça.
- Não, você não é estranha. – me olha. – Talvez tenha um gênio forte demais, mas estranha não.

Ela agradeceu. Isso mesmo, agradeceu e foi para a cozinha. E minha desconfiança só aumentou depois desse agradecimento. Fiquei pensando em possibilidades, mas nenhum nome me veio em mente. A Clarisse apareceu, me deu um selinho e se sentou ao meu lado.

- Não sei se tenho certeza, mas talvez a Aiyra esteja apaixonada. – disse.
- Porque acha isso? Ela te falou alguma coisa?
- Ela... Se sentou ao meu lado, conversamos normalmente sem nenhum tipo de alteração no tom de voz, me fez umas perguntas meio estranhas, agiu de um jeito mais estranho ainda e me agradeceu.
- Como assim? – Clarisse ri.
- Também não entendi, mas ela me agradeceu! Tem noção disso? A Aiyra me agradecendo?!
- Ah querido, como você é mau. – nós rimos. – Deveria ficar feliz.
- Estou feliz. – disse. - Estou muito feliz, mas não tenho certeza se isso vai durar por muito tempo. Ela está sendo imprevisível.

–--
(Contado por: Aiyra)
Era inevitável dizer que as coisas continuavam as mesmas. Não sabia o que pensar ou o que fazer. Minha mente parecia um pouco mais confusa agora e eu precisava relaxar. Esfriar a cabeça, esquecer momentos – nem que fosse por alguns minutos -, caminhar. Tomei um banho demorado, daqueles que lava até a alma. Coloquei uma calça jeans clara, camiseta regata preta e uma branca mais larguinha por cima, e all star. Com certa quantidade em dinheiro no bolso, sai do quarto. Passei pela sala, avisando ao Pedro que daria uma volta não muito demorada.
Visitei uma biblioteca pública e ainda estava tão absorvida em minhas preocupações que quase ia passando direto de uma galeria de arte. Girei sobre os calcanhares e voltei. Parei por um segundo junto à porta, surpresa com o fato de que fazia muito tempo que não visitava nenhuma galeria. Pelo menos quatro ou cinco anos, talvez mais.
Quase 18h15, quando entrei – a galeria fechava às 19h30 – e passei pelos quadros. Havia muitas obras de artes de artistas de outras regiões, com um forte sabor de mar. Muitas cenas marítimas, praias, pelicanos, gaivotas... Mas acima de tudo, ondas. Ondas de todos os formatos, tamanhos e cores imagináveis, que depois de certo tempo pareciam todas iguais. Ou esses artistas tinham pouca inspiração ou são preguiçosos.
Em uma das paredes, porém, havia algumas telas que agradavam mais meu gosto. Eram todas de uma pintora de quem nunca tinha ouvido falar, Ellen. Na pintura que mais gostei, notei que a artista tinha propositadamente exagerado a cena com rostos humanos, traços amplos e pinceladas pesadas, como se o foco não estivesse bem definido. Mas as cores eram intensas, chamando a atenção e prendendo o olhar do observador, quase dirigindo-o para o que ele deveria ver. Quanto mais eu pensava na tela, mais gostava. Examinei-a mais de perto e, pensei comigo mesma, que talvez Tom ou qualquer outra pessoa estivessem certos. Talvez devesse recomeçar a desenhar ou pintar.
Às 19h20 sai da galeria e fui para casa. Levei alguns minutos no quarto da Anna, até encontrar o que estava procurando. Cartolina, giz e lápis, não de excelente qualidade, mas razoavelmente bons. Não era o desenho, mas já era um começo, e quando voltei para o meu quarto, me vi empolgada. Me sentei à escrivaninha e comecei a trabalhar. Nada especifico, apenas um exercício para sentir de novo a inspiração, deixando formas e cores fluírem da memória. Depois de alguns minutos de abstração, fiz um esboço da cena da rua que via da minha janela. Estava impressionada com a facilidade que minha mão dava forma aos contornos. Era quase como se nunca tivesse parado.
Quando acabei, examinei o esboço, contente com o resultado. Me perguntei o que deveria tentar e, por fim, me decidi. Eu não tinha um modelo em minha frente, mas consegui visualizá-lo em minha mente, antes de começar. E embora fosse mais difícil que a cena da rua, o desenho saiu naturalmente e começou a tomar forma.
Os minutos passavam rapidamente. Trabalhei com afinco, mas consultando o relógio de tempos em tempos. Terminei um pouco antes das dez horas. Tinha levado quase duas horas, mas fiquei surpresa com o resultado final. Parecia que tinha demorado muito mais tempo. Enrolei a cartolina e a guardei.

***
Nos três dias seguintes, Bill se quer ousou me olhar. Estávamos evitando um ao outro, mas de certa forma aquilo me deixava chateada. Não sei se era exatamente medo de alguma coisa, ou timidez. Só sei que eu também não tinha aquela coragem de olhá-lo, muito menos de falar alguma coisa. Nos intervalos, eu continuava sentada numa das mesas, de longe. Ele, praticamente do outro lado, conversando naturalmente com os amigos. Quando passava por mim em algum lugar, a única palavra que saia de sua boca era “oi”, depois disso seguia em frente e não olhava para trás.
No começo não me incomodava, mas cheguei ao limite quando esbarramos um no outro no meio de um corredor quase vazio. Ele pediu desculpas, sem olhar na minha cara. Me senti como se fosse a pessoa mais ridícula do mundo e estava pronta para xingá-lo de todos os palavrões possíveis que vinham em minha mente, mas o diretor apareceu dizendo que o sinal já havia tocado e que deveríamos entrar na sala.
A minha raiva era tanta, que não conseguia nem me concentrar direito na aula. Olhei para trás e lá estava ele, rabiscando alguma coisa no caderno. Ele ergue a cabeça e retribui ao meu olhar, dando um leve sorriso e voltando a se dedicar aos rabiscos. Tá querendo me deixar louca. Só pode ser isso! Num instante fingi nem me conhecer, e agora ta ali distribuindo sorrisos. E o que me deixa com mais raiva ainda, é o fato dele ter um sorriso lindo.

***
Sai da sala antes que o sinal tocasse, inventei a desculpa de que não estava me sentindo muito bem. Fui devolver uns livros à biblioteca e aproveitei para olhar outros. Passei por algumas prateleiras, observando atentamente o nome de cada um dos livros. Me interessei por um deles e o peguei. Li a sinopse e não achei tão boa quanto o desenho da capa. E mesmo sabendo que poderia me arrepender, decidi levá-lo.
Caminhava em direção à porta que me levaria ao pátio de entrada do colégio. Lá fora conversei com uma colega de classe, para pegar os assuntos que tinha perdido nos últimos minutos de aula e descobri que nem tinha perdido muita coisa. Ela foi embora, e ouvi meu celular tocar. O procurei dentro da bolsa, nesse momento Bill passa por mim e novamente diz “oi”. Foi a gota d’água. Desisti de atender ao celular.

- Quer dizer que você me agarra e só diz oi? – tentei não falar tão alto. Ele se vira.
- O que você queria que eu fizesse? – se aproxima um pouco. – Te ligasse no dia seguinte pra marcar outro “encontro”? – riscou as aspas no ar.
- Claro que não! – disse. – Até porque, aquilo não foi um encontro. Mas não precisava virar a cara e fingir que nem me conhece.
- Você mesma repetiu umas três vezes que deveríamos esquecer, lembra?
- Esquecer é diferente de ignorar.
- Eu não tô te ignorando. – cruzei os braços. – Só estou mantendo uma boa distância.
- Pra quê? – não entendi.
- Pra não fazer de novo e começar a criar expectativa com uma coisa que eu tenho certeza que nunca vai dar certo.

Então quer dizer que esse tempo todo ele estava me evitando pra não correr o risco de me beijar outra vez? Que tipo de homem faz isso? Normalmente eles não ficam insistindo pra acontecer mais algumas vezes? O que há de errado com ele? Ou o que há de errado comigo?
Bill me dá as costas, começando a dar alguns passos. Não me segurei e fui atrás, eu tinha que perguntá-lo ou aquilo ficaria me atormentado. Era inacreditável a pergunta, mas eu realmente precisava saber. Uma opinião a mais não faz mal.

- Foi ruim? – ele para e fica em silêncio. Temi a resposta. Depois ele se vira.
- Se tivesse sido ruim, eu não estaria te evitando. – quase deixei escapar um sorriso.
- Pelo contrário, você estaria me evitando justamente por ter sido péssimo!
- Aiyra... – ele olha para os lados. – Se eu pudesse, te beijaria agora mesmo. – fiquei surpresa e sem graça, ao mesmo tempo. – Mas... Não sou essa pessoa que você pensa que sou. – faz uma pausa. – E como disse, não quero criar expectativas e muito menos te magoar.
- Porque me magoaria?
- Porque eu sempre faço tudo errado. – outra pausa. – Agora eu tenho que ir.

Tá, eu não entendi nada. Muito menos essa minha ação de correr atrás. Ele não vale tanto ao ponto de eu praticamente me jogar em cima. Esperai, será que ele é gay? É uma boa explicação. Caramba, não acredito que estou sentindo atração por um cara gay! Justamente ele! Porque os meus olhos não foram diretamente para o Tom? Ele sim me parece ser um homem, e que homem.
Mas enfim... O negócio é não posso mais me enganar com o Bill. Ele deixou claro que não quer mais nada e não devo mais insistir. Vai ficar feio pra mim, continuar correndo atrás de um cara gay.

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 18 - Primeiro amor.

(Contado por Aiyra)
Domingo de manhã, mais precisamente oito e quinze. Eu estava deitada na cama, olhando para o teto e desejando que algo de interessante me acontecesse naquele dia. Nem que fosse um sorriso a mais ou uma lágrima que surgisse do nada sem ser convidada. Essa minha vida monótona começava a me deixar extremamente chateada. Nada de novo acontece, nem mesmo algo velho! Como o Nick diria “você precisa expandir seus horizontes”. Mas como é que farei isso? Para onde expandir?
Ouvi o celular tocar, olhei na tela e pensei comigo mesma. Não morre mais. Atendi sem muito ânimo, mas esperando que ele dissesse algo que me fizesse ter vontade de me levantar daquela cama pra cair na gandaia. E que o Pedro me desculpe, mas não ficarei trancada em casa em pleno domingo de Sol, ainda mais se eu realmente tiver algo pra fazer.

- Estou parado em frente à sua casa. – diz Nick. – Vem abrir a porta pra mim.
- Tem certeza que quer entrar? – perguntei.
- Absoluta.
- Ok, mas tá todo mundo dormindo. Não podemos fazer barulho.
- Relaxa, não faremos muito barulho. – disse ele. – A não ser que você queira. – senti uma pontinha de malicia em suas palavras.
- Vou escovar os dentes e já tô indo.

Desci as escadas com aquela coragem e abri a porta. Com um sorriso no rosto, Nick entrou e me deu um beijo no cantinho da boca. Era o inicio da sessão de provocação. Subimos para o quarto e fechei a porta. Temi que a Anna acordasse e entrasse ali, como costuma fazer, sem aviso prévio.
Ele tirou o casaco, jogando o mesmo sobre a cadeira da escrivaninha. Depois se livrou dos sapatos e deitou em minha cama, como se ela fosse sua. Colocou as mãos atrás da cabeça, e pude notar seus músculos e a nova tatuagem. Incrível a capacidade que ele tem de ficar mais lindo a cada dia. Preciso dessa poção mágica. Fiquei encostada na escrivaninha, com os braços cruzados e o olhando.

- Vem cá. – diz ele, dando batidinhas no colchão. – Você sabe muito bem que eu não mordo. – deu um meio sorriso mega malicioso. Me aproximei e me deitei ao seu lado. – Como anda a vida?
- Sem graça. – respondi. – E prestes a subir pelas paredes, de tão carente que estou.
- A situação está tão feia assim?
- Acho que nem sei mais como se faz. – ele riu.
- Se quiser, posso te ensinar. – nos olhamos.
- Porque vocês homens são assim, hein? – me sentei. – Fingem que o sexo é algo insignificante.
- Muito pelo contrário, significa muito. – ele também se senta. – Mas a culpa não é nossa, se vocês mulheres são sentimentais.
- Nós somos sentimentais?
- Claro! “Ah, meu amor, diz que me ama e a gente transa a noite todinha”. – imitou uma voz feminina.
- E vocês?! “Ah, ah, ah”... – gemi. – “Vai querida, rebola um pouquinho mais... Ah, ah... Gozei”. – ele caiu na gargalhada.
- Eu só acho que as pessoas não deveriam levar esse tipo de coisa tão a sério. – ele se encosta à cabeceira da cama. – Sei lá, acho que sexo deveria ser como... Como algum esporte individual, onde no final os adversários dão um aperto de mão e nunca mais se falam.
- Que horror! – fiquei indignada com o machismo dele. – E depois vocês não gostam de ser chamados de imaturos.

Conversamos por mais algumas horas e o Nick foi embora antes que o Pedro o visse ali dentro do meu quarto. Não quero nem imaginar o que ele teria feito se algo assim acontecesse, seria a maior confusão.
Quando a hora no relógio se aproximava do meio dia, a campainha tocou. Eu estava na sala com a Anna, e ela me mostrava os inúmeros desenhos que andou fazendo. Em alguns deles, eu estava presente e achei a coisa mais fofa. O Pedro se encontrava sentado numa das poltronas, tomando uma taça de vinho. A Clarisse folheava uma revista de moda. A empregada passou e foi atender.

- Me desculpem por chegar a essa hora. – diz Bill.
- Não precisa se desculpar. – diz Pedro. – Fique à vontade.
- Eu só passei para convidar a Aiyra pra almoçar comigo. – o Pedro me olhou e sorriu.
- E porque você não fica para almoçar conosco. – Pedro sugere.
- Querido, por favor, não estrague as coisas. – diz Clarisse.

A Clarisse arrastou o Pedro e a Anna para a cozinha, me deixando sozinha ali na sala com o Bill. Cruzei os braços e esperei que ele dissesse algo.

- Eu sei que fui um completo idiota ontem, mas estou tentando concertar a situação.
- Você não fez nada.
- Exatamente. – diz ele. – Eu não fiz nada, quando poderia ter feito tudo. Então, por favor, me deixa reparar o erro.
- Não houve erro algum, Kaulitz.
- Ah não? E porque está me chamando de Kaulitz ao invés de Bill?
- Este é o seu sobrenome, não?
- Até ontem você nem se lembrava disso!
- Acordei pra vida!

Ele ficou um tempo calado.

- Você quer ou não sair comigo? – insistiu.
- Não é tipo um encontro, é?
- Não. – respondeu. – Ainda não.
- Hum.
- Vou considerar esse “hum”, como um sim.

Não sei quais são as intenções dele, e por que de repente cismou que precisamos nos tornar “amigos”. Eu também não sabia se queria descobrir. Vindo do Kaulitz, talvez eu devesse esperar qualquer coisa. Sob muita insistência da Clarisse e do Pedro, acabei aceitando o convite. Minha fama de mal educada não poderia se estender mais, e almoçar com ele não deveria ser tão ruim assim. O que de tão grave poderia acontecer?

***
Chegamos num restaurante francês, tão luxuoso quanto sua mansão num dos bairros mais ricos da cidade. Chegava a ser constrangedor estar naquele lugar. Pessoas comendo delicadamente, e conversando baixinho. Uma música lenta tocando, e só de ouvir, me deu sono. Me perguntei o que eu estaria fazendo ali e porque cargas d’água resolvi aceitar almoçar com ele. E qual o problema de almoçar num restaurante “comum”? Tinha que ser justamente este?

- Jura que não existe um restaurante menos... Sofisticado, para almoçarmos? – o olhei.
- Não gostou daqui? – pareceu preocupado com a escolha.
- Poderia pelo menos ter me avisado antes, e eu teria me vestido melhor.

Estava usando uma calça jeans skinny, blusa branca com um desenho e all star. E vamos combinar que esse não é o tipo de roupa adequada. Não quando você olha em volta e vê a maioria das mulheres usando vestido, e os homens com roupas sociais. Até parecia um daqueles jantares que o pai dele costuma dar. Nada disso combina comigo, pelo menos não agora.
O convenci a sairmos dali e fomos a outro lugar, onde pude me sentir muito mais a vontade. Fizemos o pedido e enquanto isso, o Bill começou a puxar assunto. Num instante eu não estava entendendo nada, n’outro eu continuava sem entender. Ele me convidou para sair e se desculpou por deixar parecer que é tão confuso em suas decisões. Aceitei o pedido, mesmo não me importando. É a vida dele, as escolhas dele, os segredos dele. Não tenho que pedir justificativa, já que não temos nada um com outro e não espero termos.
Na metade do almoço, nós estávamos dando gargalhadas e nos divertindo com histórias que aconteceram na infância. Não contávamos detalhes de nossas vidas, mas sabíamos que estávamos nos conhecendo muito mais que desejávamos ou pudemos imaginar. Com a conta paga, saímos e caminhamos até um parque próximo. Nos sentamos num dos bancos.
O tempo agora passava depressa e falávamos sobre livros em comum que lemos, e de gostos musicais. Lugares favoritos que fomos quando crianças e que gostaríamos de ir novamente. Parando para reparar, o Bill não era tão idiota ou imbecil quanto eu achava que fosse. Dentro dele ainda havia um garoto que guardava vários segredos, mas também guardava alguém que... Por alguma razão tinha medo de mostrar para o mundo.

- Tem algum segredo que não contaria a ninguém, por receio do que os outros vão dizer? – perguntei.
- Todo mundo tem. – ele responde.
- Me conta. – fiquei curiosa. – Pode dividir comigo, se quiser.
- Música. – faz uma pausa. – Sou fascinado por música e gostaria de seguir na carreira.
- Talento não lhe falta.
- Não é tão simples assim. – ele olha para baixo. – Não depende apenas de mim.
- É seu desejo, e depende exclusivamente de você!
- E o seu segredo? – me olha e deixo escapar um sorriso.
- Bom... – suspirei. – Não é exatamente um segredo, é mais um desejo bobo. – fiquei meio sem graça e desviar o olhar. – Eu queria... Ser beijada na chuva. – confessei e ele ri. – Eu disse que era bobagem, só que me parece tão... Sei lá, romântico. – o olhei outra vez. – Tem mais algum desejo?
- Eu queria que... Chovesse agora.

Fiquei calada. Não por ter escutado aquela super direta, mas por ter ficado com raiva mesmo. Raiva por ele sempre fazer a mesma coisa e depois fingir que não aconteceu. O quê? Era algum tipo de brincadeira? Até parece que é bom ficar brincando com os sentimentos dos outros. Não que eu sinta algo por ele, mas isso não é nada legal. Que direito ele acha que tem pra ficar fazendo essas coisas?

- Porque você sempre faz isso? – perguntei, um pouco mais séria.
- Isso o quê?
- Isso que acabou de fazer! – quase alterei a voz e ele ficou quieto. – Quer saber? Esquece, Bill. – me levantei. – É melhor eu ir pra casa.

***
(Contado por: Bill)
Se eu não conseguisse me controlar, acabaria estragando tudo! Por mais que uma voz dentro de mim gritasse pra eu jogar tudo para o alto e fazer o que estava me segurando, eu realmente tinha medo. Não queria que ela descobrisse o quão cafajeste sou e como tive coragem de brincar com algo tão sério. Querendo ou não, concordei em ajudar o Gordon, mas nunca poderia imaginar que os planos sempre mudam.
Só agora percebi que gosto da companhia dela e que estou a um fio de estragar tudo – só pra variar um pouco mais. Como citei uma vez, Aiyra é diferente das outras garotas e se eu deixar que ela se afaste agora, não terei como descobrir o que a faz tão única. Ela não vai entender absolutamente nada e talvez isso não fosse necessário. Não sei.

- Espera, Aiyra! – segurei seu braço. – Por favor, não vai não.
- Olha Bill... – ela se desvencilha e coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha. – É melhor a gente parar, entende? Não somos amigos nem nada, então... Vamos fingir que nada aconteceu nesses últimos dias, e que ainda somos inimigos mortais.
- Não, não faz isso. – disse. – Desculpa se eu só faço tudo errado! É que... Desde que você chegou, a minha vida começou a desandar.
- O que quer dizer com isso? Que só trago azar?
- NÃO! – quase gritei. – Quero dizer, sim. – ela fez cara de quem não entendia. – Eu não sei! – nem eu entendia. – Viu só, você me deixa confuso!
- Você é louco! – novamente ela se vira para ir embora.
- Que droga! – gritei e ela se assustou. – Não quero que vá embora!
- Eu só trago azar e você precisa de um tempo sozinho com sua confusão.
- Se eu quisesse ficar sozinho, não teria te convidado para sair.
- E o que você quer? – cruzou os braços.
- Quer saber o que eu quero? – ela assentiu positivamente com a cabeça e me aproximei. – Eu quero...

Naquele instante eu queria ela. Eu só sabia que deveria prosseguir, que eu queria prosseguir. Mas e o acordo com o Gordon? Que se dane, minha entrada no inferno já está garantida mesmo!
Me aproximei um pouco mais. Acariciei seu rosto e ela fechou os olhos. Encostei levemente meus lábios nos seus, depositando um selinho demorado. Me afastei o suficiente para olhá-la e contemplei aqueles olhos que me fazem perder a noção do tempo. Talvez fosse isso, os olhos. Ou será sua personalidade, ou o conjunto de todas essas coisas? Não sei. Meus lábios novamente encontraram os seus e aprofundamos o beijo.
Foi ai que senti pela primeira vez na vida, como se um turbilhão de sentimentos estivesse me atacando naquela hora. Era uma mistura de coração acelerando, sensação estranha no estômago e uma vontade incontrolável de que aquilo nunca chegasse ao fim.

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 17 - O começo é a porta da biblioteca.

(Contado por Aiyra)
Noite de jantar na mansão Kaulitz e eu me encontrava sentada na cama, de frente para o guarda-roupa que estava com as portas abertas. Não fazia a menor noção do que usar e pra ser bem sincera, eu nem tinha uma roupa adequada. Nunca tenho. Pra falar a verdade, quando se trata de jantares, comemorações ou qualquer coisa muito sofisticada, eu não sei como me vesti. Não fui criada freqüentando esse tipo de lugar e agora me vejo desesperada.
Me levantei e comecei a olhar de uma a uma as roupas que tinham ali dentro. Nada era bom o suficiente e tudo era muito casual. A vergonha de ir até o quarto ao lado e pedir uma pequena – grande – ajuda para a Clarisse, era enorme. Além de não nos falarmos normalmente, eu a tratava com indiferença, assim como o restante das pessoas. Acho que preciso aprender a ser um pouco mais falsa. Isso seria bem útil numa hora como esta.
Desci até o escritório do Pedro. Bati na porta e entrei logo em seguida. Ele parecia rever alguns papéis e eu estava ali para atrapalhar – como sempre faço. Só atrapalho. Fui para próximo de sua mesa e ele ficou me olhando, esperando que eu falasse algo.

- Algum problema? – pergunta ele.
- Não tenho roupa. – disse.
- Como assim? E o que você anda usando por ai? – deixou os papéis de lado. – Não vai me dizer que resolveu fazer nudismo?
- Quero dizer que não tenho roupa adequada para ir à sua comemoração.
- Ah. – pareceu aliviado. Ficou calado, talvez pensando. – Acho que temos um probleminha, não é?
- Probleminha? – cruzei os braços. – Temos uma avalanche de problemas! Não posso ir à casa dos Kaulitz usando calça jeans e uma camiseta! A não ser que você queira.
- Claro que não! – ele se levanta. - O que acha de sairmos para comprar algo?
- Há essa hora? – olhei para o seu relógio sobre a mesa. – A comemoração é daqui três horas.
- Esqueceu-se que a Clarisse é dona de um ateliê?

De carro, fomos ao ateliê da esposa dele. Como a Anna não poderia ficar sozinha em casa, ela nos acompanhou com aquele seu imenso entusiasmo e um sorriso de dar inveja a qualquer um. Nunca vi uma garota sorrir e rir tanto igual a ela. Demoramos no máximo uns dez minutos para chegar.
A Clarisse me recebeu como sempre, cheia de simpatia. Onde esse pessoal tomou aula pra ser tão legal assim? Ela me ajudou a escolher alguns vestidos e deu algumas dicas. Entrei na cabine para experimentar, e por mais que a boa vontade dela fosse enorme, nenhum daqueles vestidos estavam ficando bem em mim. Pensei em desapontar o Pedro mais uma vez e dizer que não iria a lugar nenhum.
Restava apenas um. O último. Aquele que decidiria o futuro daquela comemoração. Se ele não ficasse legal, eu com certeza desistiria. Encarei o vestido, respirei fundo e rezei. O vesti e me olhei no espelho. Eu parecia um desastre ambulante. Já estava considerando a possibilidade de iniciar algum tipo de tratamento, se é que pra feiúra tem tratamento. Eu não posso ser desse planeta!

- Pedro, nada está ficando bom. – disse.
- Querida, porque você não vem até aqui para vermos?

Abri a cortina, dei alguns passos e fiquei de frente para os três. O Pedro se ajeitou na poltrona vermelha, a Anna ficou boquiaberta. Meu Deus! Isso está horrível em mim! A Clarisse sorriu. Eles ficaram calados, o que aumentou ainda mais meu nervosismo.

- Por favor, falem alguma coisa!
- Você está linda, filha. – diz Pedro.
- Mamãe, eu quero um desse. – disse a Anna.
- Eu tinha certeza que esse vestido ficaria perfeitamente bem em você. – diz Clarisse.
- Estão brincando comigo? Tem certeza que ficou bom?
- Você será a mais linda da comemoração. – disse Pedro, e sorri.

O próximo passo era ir num salão e arrumar o cabelo. Eu não queria que fosse algo muito armado, então a cabeleireira só fez alguns cachos nas pontas. A maquiagem foi a mais leve possível. Voltamos para casa e eu só tive o trabalho de colocar novamente o vestido, o sapato de salto, perfume... Essas coisas que não levam tanto tempo.

–--
(Contado por: Bill)
Os convidados foram chegando aos poucos e eu ia cumprimentando cada um deles, do jeito mais simpático que eu conseguia. O sorriso no meu rosto era fixo e por alguns instantes senti medo de não conseguir tirá-lo quando tudo acabar.
Um garçom passou e peguei uma taça de champanhe. Conversei sobre negócios com vários empresários ali presentes, e em pouco tempo aquele lugar começou a me sufocar. Eu precisava de algo “novo”. Todos os assuntos que estavam em minha mente, acabaram. Era gente demais pra pouco pensamento. E como não sou fã desse tipo de festa, fico entediado com muita facilidade.
O pianista tocava algo calmo, o que me deixava com sono. Disfarcei e bocejei duas ou três vezes. Vi um importante empresário conversando com o Gordon e me juntei a eles. Não era o melhor papo do mundo, mas me distrairia por mais algum tempo. Olhei de relance para a porta e a vi entrar com sua família. Estava linda, ainda mais com aquele sorriso. Usava um vestido vermelho de comprimento um pouco acima do joelho, ombro único e meio justo ao corpo. Seus olhos brilhavam como duas esmeraldas e como seria esperado, ela se destacava entre as outras mulheres do local, que usavam cores neutras.
Sorri. Não consegui deixar de sorrir ao olhá-la. Esse tipo de coisa ultimamente anda sendo mais forte que eu. Como se sua presença me fizesse perder os sentidos, como se ela fosse o principal motivo d’eu ainda não ter dado alguma desculpa para não estar ali. E de certa forma, ela era mesmo.

***
(Contado por: 3º pessoa)
As horas iam passando devagar e no decorrer da comemoração, Aiyra passou um bom tempo conversando com Simone sobre obras de artes e livros. Nisso as duas tinham um excelente gosto. A senhora Kaulitz se ofereceu para mostrá-la alguns quadros novos e caros que havia comprado num leilão, e a enorme biblioteca da mansão. Elas foram primeiro a biblioteca, já que lá também continha alguns quadros. Enquanto contemplavam o lugar, uma das empregadas apareceu.

- Senhora Kaulitz, poderia vir comigo um minuto? – pergunta a moça.
- Claro. – diz Simone. – Fique à vontade, Aiyra.
- Obrigada.

No meio do caminho, a mãe dos gêmeos encontra Bill, que já havia inventado a desculpa da dor de cabeça para se livrar do restante da comemoração. Ela não o deixou escapar e lhe fez um pedido.

- Mãe, não estou me sentindo muito bem. – ele tentava sustentar a mentira.
- Esse truque não funciona comigo, Bill. – diz ela. – E não custa nada ir ajudar a garota.
- Ela por acaso tem algum problema de visão? Não sabe procurar livros sozinha?
- E você, não sabe ser mais educado?
- Mãe!
- Vá fazer companhia à garota e não seja como seu pai.
- Farei isso apenas por que está me pedindo.

E ele por acaso tinha outra saída? Até tinha, mas preferia pensar que não. Bill foi a biblioteca, onde encontrou Aiyra olhando para a imensidão de livros nas prateleiras de madeira vindas diretamente da Inglaterra. Ele chegou com aqueles passos quase imperceptíveis, e praticamente disse ao pé do ouvido dela:

- Precisa de ajuda? – ela se vira rapidamente.
- Precisaria de uma arma nesse exato momento pra atirar num certo idiota que gosta de assustar as pessoas. – responde e ele ri.
- Me desculpa, não tive a intenção de assustá-la. Só vim lhe fazer companhia.
- Obrigada, mas não é necessário. Pode voltar para o salão.
- Na verdade, a minha mãe me obrigou, então... Tenho que ficar.

Aiyra continua observando os livros, depois para em frente a um quadro. Naquele instante era seu preferido. O desenho da torre Eiffel, um verdadeiro encanto. Desejou que não tivesse ninguém ali, para que pudesse fechar os olhos e se imaginar andando pelas ruas de Paris. Mas infelizmente tinha a presença de um certo alguém, o que não a impediu de observar e admirar mais.
Ela também folheou alguns livros e se interessou muito por vários deles. Se tiver outra oportunidade, pegará os nomes deles para comprar. Por enquanto ficaria somente na vontade de tê-los. Sobre a mesa da biblioteca havia um livro consideravelmente grande, então ela se aproxima para olhá-lo.

- E este livro aqui? – ela o abre.
- Não é um livro. – responde Bill, que também se aproxima. – É um álbum de fotografias. – Aiyra começa a olhar. – Essa é a foto do primeiro encontro dos meus pais.
- Ah, que bonitinho.

Mais algumas folhas foram passadas. Tinha fotos de mais encontros, de casamento, passeios, ultra-sonografia, das primeiras semanas de gravidez, da barriga da Simone no decorrer dos meses e como a mesma cresceu. Tinha fotos do nascimento dos gêmeos e de como o Gordon parecia feliz por estar sendo pai. Fotos do primeiro aniversário, dos primeiros passos... Uma em especial fez com que Aiyra não conseguisse controlar o riso: Bill segurando um pratinho de comida e com o rosto todo lambuzado.

- Caramba, como você era fofo! – ela comenta. – O que foi que aconteceu contigo? O que te fez virar isso que é hoje? – ele ri.
- Mas eu ainda sou fofo.
- E depois eu é que estou sendo iludida.
- Quando a foto do bebê mais sexy chegar, eu te mostro o que é fofura.

A foto do bebê mais sexy era dele, quando tinha acabado de sair do banho. Deveria ter oito ou nove meses e se encontrava completamente pelado, com um sorriso no rosto. Aiyra riu ainda mais.

- Não acredito que te vi pelado. – diz ela, ainda rindo.
- Diz a verdade, você bem que gostou, hein? – foi um tanto malicioso.
- Ai que nojo! – eles riem. – Você era uma criança. Ou melhor, ainda é.
- E novamente a pessoa mais experiente do mundo fala.
- Ok, eu vou confessar que você foi mesmo uma coisinha bonitinha.
- Valeu. E você também não deve ter sido muito feia.
- Tá brincando? – ela o olha. – Pra sua informação, ganhei o concurso de bebê mais bonito.
- Até parece. – ele solta uma gargalhada.
- Duvida? Qualquer dia desses eu te mostro as fotos.

O riso dela fazia com que ele perdesse a noção de tudo e sua voz poderia ser escutada por horas seguidas, sem que enjoasse. E sem nem ao menos notarem, os dois se divertiam com a presença um do outro.

***
Sentados lado a lado no sofá da biblioteca, os dois continuavam conversando...

- Não sabia que gostava tanto assim de música. – diz Aiyra.
- É uma das minhas paixões secretas. – diz Bill.
- Isso significa que há outras?
- Outras o quê?
- Paixões. – ela se ajeita. – Outras paixões secretas.
- Talvez.

O tempo passava meio depressa e eles ainda não tinham se dado conta que havia uma proximidade maior. O jantar? Esse fora esquecido no momento que os dois se encontraram naquele lugar.

- E você, tem algum tipo de paixão secreta? – pergunta ele.
- Sinceramente... Tenho. – faz uma breve pausa. – Eu amo... – olha pra ele. – Desenhar. Ou melhor, amava.
- No passado?
- É uma história... Longa e complicada.

Ficam em silêncio por um tempo.

- Você acha mesmo que eu tenho cara de quem beija mal? – ela ri.
- Bill, se você ta querendo me beijar, é só falar. – ela o olha. – Tipo, “Aiyra, eu tô a fim de beijar você, e ai, será que rola?”. – os dois riem. – Não precisa jogar essa indireta.
- Não foi uma indireta.
- Caramba, então você quer me beijar? – fica surpresa.
- NÃO! Quero dizer... – gagueja. – Talvez... Tanto faz.
- Tanto faz?
- Aiyra, dá pra parar de fazer pergunta?! – ele se levanta.
- Você quem começou! – ela também se levanta.
- E estou terminando.

Aiyra não entendeu absolutamente nada.

- Esperai. – ela se aproxima dele. – Você quer ou não?
- Eu não posso! – responde ele.
- Não pode? – fica confusa.
- Não, não posso.
- O que há demais num beijo? Ok, agora ficou parecendo que eu também quero.
- Você quer?
- Você não pode. E além do mais, você deve mesmo beijar muito mal. – coloca as mãos na cintura.
- É um desafio?
- Não sei. Você acha que é? – cruza os braços.
- Acho que estamos parecendo dois adolescentes bobos.
- Verdade. – ela pega sua bolsa, caminha em direção a porta e se vira – Mas... Porque você não pode?
- Porque eu sou um imbecil, e acabaria te magoando.
- Tem razão. Você é um imbecil. – ela se retira.

Ele volta a se sentar. Solta um suspiro e começa a pensar se o que estava prestes a fazer era mesmo a coisa certa. Já não sabia mais que caminho seguir e pelo quê lutar.

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 16 - Certas coisas levam tempo.

(Contado por Bill)


- Veio fazer o quê, afinal?
- Ver você.

Saiu por impulso. Estávamos calados e deveríamos ter permanecido assim, mas não, eu tinha que abrir essa minha boca enorme pra falar o que não era necessário. Não sei o que me deu naquele instante pra dizes que estava ali para vê-la. Acho que a minha resposta foi tão direta, que ela ficou quieta, talvez tentando captar a informação. Faça alguma coisa, Bill. Ela está te encarando. Faça alguma coisa, rápido! As minhas mãos começaram a suar, desviei o olhar por um instante e ela continuava lá, me olhando. Antes que eu pudesse agir, Aiyra caiu na gargalhada. Como assim? Não entendi. Tá rindo do quê?

- Ok, ok. – diz ela, enquanto controlava as risadas. – Pode contar a próxima.
- A próxima...?
- Piada. – segurou o riso. – A próxima piada. – se senta num dos sofás.

Sorte ou azar? Não faço ideia, só sei que ela ficou rindo da minha cara por mais alguns minutos. Havia entendido aquilo como uma piada, e de certa forma até soou mesmo como uma. Tinha um pouco de verdade e um toque de mentira no que eu disse, mas sou orgulhoso demais pra ter que admitir qualquer coisa. Seu riso não me trouxe nenhum incômodo, só fez com que eu me sentasse ao seu lado e compartilhasse um pouco daquela “felicidade”. Ela parou para retomar o fôlego que lhe faltava e voltou a me olhar.

- Deveria seguir nessa carreira. – comenta. – Até que leva jeito.
- Não foi uma piada.

Convenci-me de que era melhor contar logo a verdade e deixar de bobagem. Uma hora ou outra isso iria acontecer, e que fosse agora. Gaguejei, me embolei em minhas próprias palavras. Não entendia como conseguia ser tão idiota assim. Acabava sempre estragando as coisas antes mesmo que elas acontecessem.

- Olha... – pensei num jeito não muito grosseiro de falar. – Eu só queria dizer que... O que aconteceu ontem lá no lago...
- O que não aconteceu. – interrompeu. – Foi isso que quis dizer.
- Que seja. O que não aconteceu lá no lago, mas que teria acontecido, não pode acontecer de maneira alguma, entende? – ela fez cara de quem estava confusa. – Foi meio confuso, e eu só... Só acho que nunca daria certo.
- Tudo bem. – responde, com um leve sorriso nos lábios. – E além do mais, seu beijo deve ser horrível.
- Como é que é?
- Sua cara não engana ninguém. – começou a olhar as unhas das mãos. – Deve beijar muito mal.
- Falou a melhor beijoqueira do mundo. – fui sarcástico.
- Ah, com certeza beijo muito melhor que você.
- Alguém anda te iludindo, sabia?

Ela me daria uma resposta, se o seu pai não tivesse aparecido bem na hora. Disfarçamos e fingimos que nem ao menos estávamos conversando. O Pedro insistiu um pouco mais pra eu ficar e terminarmos o assunto do jantar, mas eu havia abusado um tanto da hospitalidade e não queria parecer inconveniente.

- Não quer mesmo ficar um pouco mais? – pergunta Pedro.
- Eu agradeço muito pelo jantar e pelas dicas que me deu, mas está ficando um pouco tarde e não seria muito educado da minha parte abusar.
- Imagina. – diz ele. – Não é abuso algum! Sua presença aqui é até agradável.
- Olha o exagero, Pedro. – diz Aiyra, que se levanta. – E se o garoto quer ir embora, deixa! – ela caminha em direção a escada e sobe a mesma.
- Me desculpe pela falta de educação da Aiyra.
- Não precisa se desculpar, senhor Burke. – disse. – Tô me acostumando com o jeito dela.

Nos despedimos... Entrei no carro e fui pra casa.

–--
(Contado por: Aiyra)

Vestida com um pijama de bolinhas prestas, o cabelo preso num rabo de cavalo completamente bagunçado, sentada na cadeira da varanda do meu quarto, lendo um livro e tentando me concentrar ao máximo no mesmo, ouvi o celular tocar, o que fez todo aquele trabalho de concentração cair por terra. Fechei o livro, soltei um suspiro. O celular continuava tocando, me levantei e fui atender. Era o Nick, me chamando para dar uma volta. Ele queria conhecer um pouco mais a cidade, já que iria embora em poucos dias.
Pra mim não era problema algum trocar de roupa e ir encontrá-lo num lugar qualquer, mas havia um impedimento. Na verdade, um gigantesco impedimento chamado Pedro. E ele com certeza não me deixaria colocar a pontinha do nariz para fora de casa, ainda mais a essa hora da noite – passava das onze. Provavelmente começaria a falar de todas as “travessuras” que fiz até agora, o que me faria ter sono do seu discurso e conseqüentemente me faria desistir de sair.

- Não é má vontade ou preguiça, Nick. – tentei justificar. – O Pedro vai brigar comigo outra vez, e não quero deixá-lo com mais raiva.
- E desde quando você se importa? – parecia chateado.
- Não é questão de se importar! – disse, enquanto andava de um lado para outro dentro do quarto. – Estou de castigo por ter fugido no meio da noite. Se eu fizer isso de novo, será a maior confusão e não sei o que ele poderá fazer comigo, entende?
- Quer saber? Esquece! Não preciso de você pra conhecer essa droga de cidade!

Desligou na minha cara e eu ri de sua infantilidade. Joguei o celular sobre a cama e desci até a cozinha. Der repente havia me batido aquela fome e se eu tivesse sorte, um pedaço daquela torta de morango do jantar ainda estaria na geladeira. Ao ver aquela sobremesa suculenta não consegui resisti. Ela estava esperando exatamente por mim. Abri a gaveta e peguei um garfo, me sentei rente ao balcão e saboreei a delicia.
Não sou nada boa de culinária, mas realmente precisaria aprender a fazer doces ou tortas como aquela. Era um sabor indescritível! Fui pega no flagra, quando o Pedro supostamente achou que estava com sede e foi pegar um pouco de água. Mas tenho certeza que veio atrás da torta. Ele não quis confessar, mas só eu sei que ele é um verdadeiro assaltante de geladeira, que não desperdiçaria uma chance como essa.

- Com insônia? – perguntou-me, e colocou um pouco de água no seu copo. Assenti positivamente com a cabeça. – Algum pesadelo te fez vir até aqui para aliviar sua tensão e devorar o último pedaço dessa maravilha?
- Não. – respondi com a boca quase cheia. – Foi só fome mesmo. – ele se senta na minha frente, e por um instante encara minha torta.
- Que sorte a sua encontrar esse último pedaço. Parece muito bom.

O Pedro estava jogando algum tipo de indireta ou era só impressão minha? Não sei. Eu peguei outro garfo e o entreguei. Até parecia uma criança quando sente vontade de comer algo, mas os pais não deixam. Ele ficou me olhando, sem entender direito minha ação.

- Não vai comer? – perguntei. – Se não for, é só falar. – ele riu e me acompanhou na degustação.

Ficamos quietos, ouvindo o barulhinho dos talheres tocando o prato enquanto comíamos.

- Como está indo no colégio? – se manifestou.
- Bem.
- Amanhã é sábado e haverá uma festa, coisa simples, de comemoração dos cinco anos da empresa. – diz ele, largando o garfo de lado. – E eu estava pensando se... Você não queria ir. – permaneci calada. – Seria legal, porque o Bill também estará lá e como vocês dois são amigos...
- Não somos amigos.
- Mas pelo menos passaríamos algum tempo juntos, já que não fizemos isso desde que chegou.
- Pedro...
- Não, eu não vou forçar a barra. – interrompeu. – Eu disse que não iria mais mover um dedo para me reaproximar de você, mas... Você é minha filha e eu preciso disso. – fez uma ligeira pausa. – Só preciso de mais alguns dias pra provar que não sou nada daquilo que sua mãe lhe falou.
- Você nem sabe o que ela me falou. – também deixei o garfo de lado.
- Mas posso imaginar. Ela deve ter dito barbaridades sobre mim!
- Não quero falar sobre minha mãe agora.
- Então, por favor, venha comigo. – segurou minha mão.

Eu não sabia exatamente o que ele queria dizer com “não sou nada daquilo que sua mãe lhe falou”, pois ela não havia me dito nada mesmo sobre o Pedro desde a separação. Muito pelo contrário. Quando ele saiu de casa, seu nome fora proibido de ser pronunciado. O conheci enquanto convivemos na mesma casa por alguns anos, e talvez fosse o suficiente pra mim, ou talvez não.
Confesso, eu estava morrendo de medo de “voltar” a conhecê-lo e descobrir que nada mudou, que ele continuava sendo o pai incrível que tinha sido pra mim. Tinha medo de saber que fui imatura durante essas semanas ou mesmo injusta com palavras e atitudes. E por mais que as lembranças do pior dia da minha vida – quando ele foi embora – tentasse falar mais alto em minha mente, o sentimento de filha que eu ainda sustentava dentro de mim era a última voz de comando.

- Ok. – disse, após um tempo em silêncio. – Eu vou com você. – e ele sorriu.
- Juro que não se arrependerá. – era um sorriso largo, de felicidade.
- Mas que fique bem claro que... – desvencilhei minha mão. – Esse não é um daqueles típicos passeios de pai e filha.
- Tudo bem. – me levantei. – Sei que certas coisas levam algum tempo para acontecerem e... Terei paciência para esperar até que esteja pronta para me receber de volta.

Ele poderia parar de ser tão legal comigo, assim eu me sentiria menos culpada pelas besteiras que cometi. Voltei para o quarto, me sentei na sacada da varanda e contemplei a Lua, que estava enorme e linda. Minha imaginação fértil fez com que eu enxergasse o rosto da minha mãe naquela Lua e uma lágrima escorreu pelo meu rosto. Me lembrei de momentos familiares que tivemos. Momentos que nunca voltariam a se repetir e isso me apavorava. Ela era a única pessoa para quem eu contava todos os meus segredos, apesar de qualquer coisa e agora não está mais aqui comigo. E às vezes sinto que se eu me permitir ser feliz novamente, estarei traindo-a. Como se não fosse justo ser feliz sem a pessoa que mais me apoiou em todas as situações. Estou confusa e não sei mais o que fazer da vida.

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 15 - Sentimentos... surgindo?

(Contado por 3º pessoa)
O que está acontecendo? Sem perceberem o que estavam fazendo, foram chegando cada vez mais perto um do outro. Bill podia quase sentir a respiração dela e por mais que quisesse se controlar – ou não -, encostou ainda mais seu rosto. Era como se um imã os atraísse.

– O que está fazendo? – pergunta Aiyra, num quase sussurro.

Os poucos centímetros que separavam seus lábios foram o suficiente para fazê-lo se lembrar do acordo que havia feito com seu pai. Se algo a mais acontecesse naquele lago, provavelmente sairia dali com outros pensamentos, e ele não estaria nem um pouco a fim de se explicar caso os planos tivessem que ser mudados em cima da hora.
Não Bill, você não pode fazer isso. Pensou. Mas ela está tão perto de você, então faça! E faça de uma vez! E mesmo com a mente confusa, sem saber se deveria ou não dar continuidade no que acabara de começar, o fez repensar no seu futuro e no que estaria perdendo se prosseguisse. Mais uma garota. Ela é só mais uma garota. Trate de se concentrar no que seu pai lhe pediu. Ele está certo e prometeu que te deixaria entrar na faculdade de música. Bill fecha rapidamente os olhos, balança a cabeça e se afasta.

– Nada. – responde ele.

Ele nada em direção a ponte e sai do lago, deixando-a sozinha. Aiyra fica na água, tentando entender o que havia acontecido, ou melhor, o que não havia acontecido. Por um instante uma parte dela o quis ali perto, a outra parte agradecia por ele ter ido embora. E depois de alguns minutos, ela também sai.

MANHÃ SEGUINTE...

Sentada numa das mesas mais afastadas do refeitório, Aiyra se concentrava – ou pelo menos tentava – na leitura do seu livro. Por vezes seus pensamentos eram desviados e levados de volta para a noite anterior. Não que ela quisesse que aquele beijo tivesse acontecido, mas se perguntava o porquê dele não ter prosseguido com o ato. Estavam tão perto um do outro, os lábios praticamente se tocando, e ela realmente podia sentir o calor do seu corpo, mesmo com o frio que vinha da água.
Do outro lado, enquanto degustava algumas batatas fritas, Bill a olhava disfarçadamente, tentando não levantar qualquer tipo de suspeita. Sua consciência mesclava o arrependimento – por não ter feito o que queria no momento – e o orgulho – por saber que era forte o suficiente para resistir a uma bela garota. No seu intimo, ele sabia que se não fosse por um impedimento, teria beijado-a sem problema algum. Afinal, pelo fato de se odiarem, no outro dia continuariam sendo inimigos mortais.

– O que acha disso, Bill? – pergunta Georg. – Bill? – o chama pela segunda vez. – Bill? – estala os dedos na sua frente.
– O que? – ele desperta do seu devaneio. – O que foi?
– Ultimamente anda bem distraído, não acha? – diz Gustav.
– Só acho que vocês são dois intrometidos! – respondeu. – Qual o problema d’eu me afundar nos meus próprios pensamentos? É proibido?
– Ei! – diz Georg. – Fica calmo. Só estamos preocupados, porque desde que chegou ao colégio hoje, você anda “brisando” com qualquer coisa.
– Estou cansado. – diz Bill. – Não dormi bem essa noite.

Ele se levanta da mesa e se retira. Após uma noite de pura diversão, sempre vem àquela fome incontrolável. Como não havia tomado o café da manhã em casa, Tom resolveu se deliciar com os lanches nada saudáveis da cantina. Procurava um lugar para se sentar, quando avistou de longe a Aiyra, sozinha. Ele se aproxima e se senta de frente para ela.

– Não te vi na sala hoje. – diz ele. – Estava matando aula?
– Dormi demais e cheguei atrasada. – responde, fechando o livro. – Caramba! – diz, depois de ver a bandeja com toda aquela comida. – Você não tem um estômago, tem um buraco negro!
– Tô com fome. – ele ri.
– É, eu percebi. – também ri. – Bom, tenha uma boa digestão. – ela se levanta.
– Aonde vai?
– Ao banheiro. Quer me acompanhar?
– Se perguntar pela segunda vez eu aceito.

***

Aiyra andava apressadamente e ao dobrar o corredor, esbarrou de frente com Bill. Os dois ficaram se olhando por alguns segundos, até ela se lembrar que eles se odiavam – ou achavam.

– Por acaso você é cego? – diz ela.
– Não foi minha culpa! – diz ele.
– Claro que não. Nunca é. – foi sarcástica.
– Garota, fingi que eu não existo, ta?
– Não precisa nem repetir o pedido.

Cada qual para o seu lado e eles seguem seu caminho.

–--
(Contado por: Pedro)
No escritório, sentado em minha confortável cadeira de couro, atrás de uma mesa consideravelmente grande, e com meus óculos de grau, eu reavaliava um futuro investimento que a empresa estaria prestes a fazer. Além de vender carros, o Gordon e eu estávamos pensando em expandir os horizontes e passar a vender motos também. Talvez fosse um bom negócio e nos rendesse algum dinheiro a mais. Não era exatamente o que queríamos, mas precisamos inovar de vez em quando, e as promoções ou agrados não estavam mais convencendo os clientes como antes. Eles sempre ficam atrás de coisas novas e temos que dar o que desejam.
Repousei novamente aqueles papéis sobre a mesa, e retirei os óculos para descansar um pouco as vistas. Suspirei. Nunca pensei que fazer parceria com um homem de nome tão importante fosse me dar todo esse trabalho. O meu horário de expediente aumentou em duas horas, e agora preciso estar com os olhos ainda mais abertos para todo o dinheiro que entra e sai. Na semana que vem as coisas ficarão ainda mais corridas, já que novos funcionários serão contratados e farei entrevista com cada um dos candidatos para escolher os quatro melhores currículos.
A secretária repassa uma ligação vinda do colégio da Anna. Logo imaginei que ela tivesse se sentido mal outra vez, e se fosse mesmo verdade, trataria de ir num bom médico para descobrirmos o motivo disso. Mas o assunto não era nada semelhante a isto, muito pelo contrário. A diretora pediu educadamente que eu fosse até lá, para podermos conversar melhor, pois por telefone não poderia ser resolvido.
Larguei o que estava fazendo, peguei as chaves do carro e me dirigi ao colégio. Em menos de quinze minutos havia chegado, e me encontrava sentado de frente para uma mulher de quarenta e poucos anos, cabelos negros e presos num coque, roupas devidamente comportadas e uma aparência boa. Ela disse que ultimamente a Anna vinha tendo um tipo de comportamento que não costumava ter antes. Por um instante, cheguei a me sentir meio ofendido.

– Esperai. – disse. – Está dizendo que a minha filha criou uma “amiga imaginária” – risquei as aspas no ar. -, e por isso ela pode ter algum tipo de problema psicológico? É isso?
– Claro que não. – responde. – Por favor, senhor Burke, não entenda errado. Sei muito bem que essas coisas acontecem nessa fase da vida, e só estou tentando descobrir quem é a quarta pessoa que a Anna pinta em todos os seus desenhos. – ela me entrega algumas folhas.

Olhei cada um dos desenhos e por fim acabei descobrindo de quem se tratava. Não era nenhuma amiga imaginária ou uma estranha com quem a Anna se relacionava sem que chegasse ao nosso conhecimento.

– Esta é a Aiyra. – disse, com um sorriso.
– Desculpe... Quem?
– A minha filha, do meu primeiro casamento.
– Ah, então quer dizer que todo esse tempo a Anna vinha desenhando a meia irmã dela?
– Isso mesmo.
– Eu realmente peço desculpas por tirá-lo do trabalho para vir resolver algo aparentemente bobo, mas o senhor sabe que nos preocupamos com as crianças e não queremos que nada aconteça com nenhuma delas.
– Eu sei. – me levantei. – E fico feliz por terem essa preocupação. – ela sorri. – Posso levar os desenhos comigo?
– Fique à vontade.

***

Cheguei em casa quando a hora do jantar já se aproximava e como um passarinho raro encontrei a Clarisse, dando algumas ordens a cozinheira. Lhe dei um beijo e fui ao quarto da Anna. Ela estava brincando com suas bonecas e a me ver, veio correndo me abraçar.

– A sua diretora me chamou no colégio hoje. – disse, e ela me pareceu preocupada.
– Eu não fiz nada, papai. – se defendeu. – Eu juro que não fiz nada.
– Sei disso, meu amor. – beijei sua testa. – Ela só queria falar umas bobagens.

Iria aproveitar aquele momento pai e filha para brincar um pouco com ela. Fazia um longo tempo que não ficávamos juntos assim.

–--
(Contado por: Aiyra)
E mais uma vez eu encarava aquela folha em branco que parecia quase implorar para receber um rabisco se quer. Eu ainda tinha medo de começar e não conseguir terminar, tinha medo de fracassar. Sei que só vai passar quando eu finalmente tentar, mas não tenho certeza se estou realmente pronta pra isso. Tanto tempo se passou e durante esse tempo não pratiquei nenhuma vez. Era como se eu precisasse de um estimulo a mais para dar o primeiro passo, como se eu precisasse de alguém, de alguma inspiração, de um olhar de fora. E como sempre, eu não sabia quem poderia fazer isso por mim.
Respirei fundo, fechando os olhos e tentando me lembrar de algo que eu desejasse colocar naquela folha. Nada. Ninguém. Na verdade... Havia sim alguém, mas não tive coragem o suficiente. E porque justamente ele? Com tanta coisa bela pelo mundo, porque logo ele veio em minha mente? Não consigo entender. Ainda não.
Assustei-me ao ouvir as batidas na porta, em seguida a Clarisse entra pra avisar que teríamos visita para o jantar. Visita? Mas que tipo de louco aceitaria jantar nesta casa com esta família? Me perguntei. Independente de quem fosse, troquei de roupa – vestido com estampa delicada, cardigan azul marinho e sapatilha branca – e desci. Ao chegar à sala de jantar, me deparei com aquele ser de outro planeta sentado bem na cadeira ao lado da que eu ficaria. Como se não me importasse com sua presença, fui ao meu lugar.
Aquela foi a primeira vez que o jantar não se concluiu completamente calado. O Pedro e o Bill conversaram sobre absolutamente tudo, exceto negócios. Contaram piadinhas, riram, se divertiram o quanto puderam. A Clarisse e eu boiamos durante toda a conversa, ela por não se interessar tanto e eu, por não ter dado a mínima mesmo.
Depois da refeição, a Clarisse foi colocar a Anna para dormir. O Pedro recebeu um telefonema urgente do segurança da empresa e me deixou sozinha com o Bill, para minha infelicidade.

– Está bonita. – disse Bill, colocando as mãos nos bolsos.
– Não, não precisa puxar assunto. – disse. – Só estou aqui pra lhe fazer sala, mas daqui a pouco o Pedro vem.
– Caramba, Aiyra! Estou tentando parecer legal, mas... Como você é hostil!
– Não precisa parecer legal, porque você não é. – cruzei os braços. - Nós dois sabemos disso.
– Já disse que você não sabe nada sobre mim.
– E também não quero saber.
– Então pára de dizer essas coisas.

Fiquei calada.

– Eu... Não vim aqui pra ver o seu pai, muito menos pra jantar. – novamente puxa assunto.
– Veio fazer o quê, afinal?
– Ver você.

Continua...

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 14 - O luau.

(Contado por Bill)

Estava quase na hora do sinal tocar e os alunos começarem a sair. Eu havia matado a última aula pra pensar um pouco no que estaria prestes a fazer e quais os tipos de conseqüência que me trariam. Sentado no capô do carro, fumando tranquilamente um cigarro, eu a vi passar e se sentar num dos bancos acompanhada por aquele cara, que no dia anterior também apareceu por ali. Namorados? Pensei. Fingia estar olhando para qualquer outro lugar, e na verdade observava disfarçadamente ela dar cada sorriso ou gargalhada por algo que ele havia lhe contado. O rapaz não era estranho e tinha quase certeza que o conhecia de algum lugar, só não conseguia me lembrar de onde.
Georg e Gustav se aproximaram, quando eu estava prestes a entrar no carro. Continuei o que estava fazendo, abri a porta, me sentei atrás do volante e dei mais uma tragada no cigarro, jogando-o no chão em seguida. Dei mais uma olhada de relance para ela, depois para o horizonte e logo os meninos estavam ali.

- Festa da Bruna hoje, você vai? – pergunta Gustav.
- Ainda não sei. – respondi.
- Como assim? – diz Georg. – Você não costuma perder nenhuma festa que ela dá.
- Não estou tão animado assim, só isso. – coloquei o cinto de segurança.
- Se resolver qualquer coisa, avisa. – diz Gustav, e os dois se retiram.

Eu realmente não estava tão a fim assim de ir numa festa ou qualquer outro tipo de lugar que tivesse música exageradamente alta, mas ficar em casa não resolveria nada e só me faria sentir mais tédio. Pensando bem, até que não seria uma má idéia sair para me divertir. Estou mesmo precisando de um pouco disso. Relaxar a mente e esquecer o mundo por algumas horas.
Liguei o rádio, colocando um cd qualquer. Girei a chave, dando partida no carro e indo para casa. Durante o percurso, me lembrei das coisas que a Aiyra havia dito na detenção. Não que eu quisesse ficar me lembrando dela ou algo semelhante, mas os pensamentos simplesmente foram surgindo e não pude evitar. Era como se ela e aqueles olhos não quisessem mais sair da minha mente. Sem falar da fragrância do seu perfume, que parecia estar em todo o lugar por onde quer que eu passe.
Alguns minutos depois, cheguei e me deparei com a minha mãe sentada no sofá da sala, vendo mais uma daquelas revistas de decoração. A cumprimentei e subi os primeiros degraus da escada, mas precisei tirar algumas dúvidas. Era o tipo de curiosidade que não costumava me “atacar” e que der repente me bateu. Dei a volta no sofá, colocando o casaco no braço do mesmo, e me sentei ao lado dela.

- Mãe... Posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro, filho. – ela fecha a revista, colocando-a sobre a mesinha de centro. Ajeita sua saia, cruza as pernas e me olha. – Em que posso ajudá-lo?
- Acha que sou uma pessoa estranha, fria, ou até mesmo difícil de lhe dar?

Pela sua reação, foi um tanto quanto inesperada aquele tipo de pergunta e não estranhei ela ter ficado calada por alguns segundos. Não costumamos conversar sobre personalidade e de uma hora pra outra eu chego fazendo isso. Mesmo sabendo que mães sempre tem a capacidade de dizer que seu filho é tudo aquilo que ele de fato não é, consigo acreditar na dona Simone. Ela tem o poder de me fazer sentir melhor e não mentir.

- Bom... – ela respira fundo, tentando encontrar as palavras certas e tive medo de ouvir a resposta. – Você é tão calado, orgulhoso e às vezes nem parece ter sentimentos, assim como seu pai. Mas eu sei que ai dentro há alguém que sofre por ter que ser assim. – faz uma pausa. – Apesar de o seu pai ser mais rígido contigo do que com o Tom, você não precisa ser como ele quer. Só basta... Ser você mesmo e deixar que o resto apenas aconteça.

Saber que sou tão parecido com o Gordon, não me deixava nem um pouco orgulhoso. Da mesma maneira que os pais dele agiam, ele tenta repetir comigo. A parte ruim disso tudo é que está funcionando, e a parte pior ainda é que eu não faço nada para impedi-lo.

- Então a senhora acha que eu deva mudar, é isso?
- Faça o que for melhor pra você, querido. – sorriu com ternura, se levantou, me deu um beijo na testa e saiu.

Subi para o quarto, ainda tentando descobrir o que era melhor pra mim. Joguei o casaco sobre a cama, tirei a roupa e fui para o banheiro. Necessitava passar vários minutos debaixo da água quente do chuveiro pra aliviar qualquer tipo de tensão do corpo. Sai após meia hora, e me assustei ao ver o Gordon ali no quarto, sentada na cadeira próxima a escrivaninha.

- Como anda o nosso combinado? – pergunta ele, sério. – Está conseguindo o que lhe pedi?
- Não é tão simples assim. – disse me aproximando do guarda-roupa e abrindo o mesmo. – Lhe contei que não nos damos muito bem, não é?
- Pois é melhor que comece a se dar muito bem com aquela “mina de ouro”. – riscou as aspas no ar, e escolhi uma peça de roupa. – Do contrário, dê adeus à sua faculdade de música.
- Pensa que é fácil convencer uma garota assim, da noite para o dia? – vesti uma blusa preta. – E além do mais, não sei se esse plano vai dar certo. Também não gosto dessa história de usá-la para fins financeiros.
- Seu objetivo não é gostar – ele se levanta. -, mas fazer. E não banque o bom moço logo agora, Bill. Nós dois sabemos que dentro deste corpo existe um coração de pedra, e que você conseguirá cumprir essa tarefa com um simples estalar dos dedos, basta querer.

***

Liguei para o Gustav, avisando que em pouco tempo estaria chegando á festa. Só demorei pra tomar outro banho e trocar de roupa, após isso não levei nem quinze minutos para estar me aproximando da casa que era quase à beira de um lago. A única coisa que dava a distância entre os dois era um bosque com pinheiros.
Estacionei o carro, e fui cumprimentando todo mundo que conhecia e via pela frente. O lugar era iluminado com tochas grandes de fogo, a música eletrônica fazia com que ninguém ficasse parado, e havia comida e bebida à vontade. Enquanto falava com alguns amigos, olhei de relance para um dos lados e lá estava ela, usando um vestido curto de cor azul claro e dançando como se aquela fosse sua última noite. Coloquei a mão no peito ao sentir algo estranho. Algo que nunca senti antes e que me deixou com certo medo, por não saber do que se tratava, se poderia ser bom ou ruim. Pra variar, ela estava acompanhada por aquele cara.

–--
(Contado por: Aiyra)

O meu dia não foi um dos melhores, pois antes de vir pra cá tive mais uma daquelas terríveis brigas com o Pedro. Ele insistia em dizer que eu estava de castigo, e sinceramente, não iria ficar em casa só porque ele queria. Consegui vir para a festa da Bruna depois de receber uma grande ajuda da Clarisse, que se intrometeu e o convenceu a me liberar. E cada vez mais venho me simpatizando com ela, ou pelo menos com o jeito que vem que tratando.
Dançava com o Nick e o celular dele toca. Não dava pra ouvir nada com todo aquele barulho, e ele só descobriu que o aparelho tocava, pois vibrava em seu bolso e isso fez uma boa diferença. Conversa vai e conversa vem...

- Preciso ir agora. – diz ele, após desligar e ao meu ouvido. – Tenho um serviço pra fazer.
- Agora? – perguntei. – Não pode deixar pra amanhã?
- Eu disse que vim a trabalho e não posso vacilar.
- Mas é tarde!
- Relaxa, pequena. – sorri. – Amanhã estou de volta e terminaremos de festejar de outra forma. – sorriu maliciosamente. – Quer que eu te leve pra casa?
- Não. – respondi. – Vou ficar mais um pouco.

Nick vai embora e fico parada na pista de dança, sendo empurrada pelo pessoal que se divertia. Me sentia sozinha e estava a fim de espairecer, e isso só tem graça com ele. Foi a razão por eu ter brigado com o Pedro e tê-lo desafiado, pois do contrário, não teria queimado ainda mais o meu filme.
Fiquei sabendo que ali perto tinha um lago, e fui até lá. Tirei a sapatilha, me sentei na ponte e coloquei os pés dentro da água. A Lua estava cheia e apenas sua claridade iluminava aquela parte, o que era suficiente. Aproveitei o momento sozinha, pra pensar na vida e no quanto ela havia mudado em tão pouco tempo.

- Não está gostando da festa? – virei a cabeça para ver quem era.
- Perdi o ânimo der repente. – voltei a olhar para a água.
- É, também aconteceu comigo. – Bill se senta ao meu lado. – A noite está calorosa e linda, não está? – ele olhava pra cima. – Eu particularmente prefiro o frio, mas a Lua cheia também me encanta, e você?
- Tanto faz.
- Como? – me olha.
- Tanto faz. – repeti.
- Não. – dá uma leve risada. – Digo, como assim? Tanto faz?
- Gosto dessa palavra. – olhei as poucas estrelas no céu. – Uso quando não quero responder ao que perguntaram.
- Ah.

Ficamos calados, e enquanto eu balançava os pés devagar, ele se levanta e começa a se despir. Me assustei com sua atitude e não entendia o motivo da mesma. Lhe perguntei o que estava fazendo, e disse que sentiu uma vontade incontrolável de nadar. Bill pula no lago, fazendo com que um pouco de água respingue em mim. Me levantei com raiva.

- Você é doido? Doente? Ou o quê? – disse, quase gritando.
- Tanto faz. – respondeu.
- Tanto faz? – coloquei as mãos na cintura.
- É. – riu. – Gosto dessa palavra. Uso quando não quero aceitar os fatos. Aprendi com uma garota há alguns minutos, e além de belos olhos ela tem um sorriso lindo e fica ainda mais bonita com raiva.
- Está me cantando? E como sabe do sorriso dela? – cruzei os braços. – Ela nem sorriu.
- Aposto nisso, que ela ainda vai sorrir pra mim.
- Eu duvido, porque ela não teve um dia legal.
- Eu não. – ele mergulha novamente e volta a superfície. – A água está uma delicia, não vai entrar?

Claro que não! Em hipótese alguma eu tiraria minha roupa e pularia naquela água que parecia estar fria, mesmo com todo aquele calor. Mas o Bill insistiu tanto, chegou a me molhar pra tentar me convencer, e cedi. Fiquei de costas, e tirei o vestido, deixando-o num lugar seguro para não se molhar. Saltei no lago, antes que me arrependesse. Como eu havia previsto, a água estava fria.

- Me arrependi de ter pulado. – disse.

Olhei em volta e não o encontrei. Meu Deus, será que cai justamente em cima dele e o matei afogado? Chamei por seu nome algumas vezes, e nada.

- Tá legal, Bill – disse mais alto. -, você já pode aparecer. Isso não tem a menor graça.

Ele não ter respondido ao meu chamado me fez começar a ficar com medo. Outra vez chamei por seu nome, e fui surpreendida pelo próprio, me assustando. Minha vontade era de afogá-lo por ter feito aquilo.

- Idiota! – ele ria. – Isso não foi nada engraçado.
- Foi sim. – fiquei com mais raiva, e mesmo assim, deixei escapar um sorriso.
- Viu, eu disse.
- O quê?
- Que ela tinha um lindo sorriso.

–--
(Contado por: Bill)

Ela ficou calada, talvez sem saber o que dizer. Nesse meio tempo, ficamos mais próximos um do outro. Não sei exatamente se foi um impulso, ou se queríamos mesmo que aquilo estivesse acontecendo. Seus olhos brilhavam e senti novamente aquela sensação de algumas horas atrás. Nossos olhares se cruzaram e pude reparar no quão bonita ela é, e como ficava ainda mais bela sob a luz do luar.
O coração dentro do peito acelerou e as minhas mãos tremeram. Meus olhos percorreram cada centímetro do seu rosto e parei nos seus lábios. O que está acontecendo? Sem percebermos, fomos chegando mais perto. Agora eu quase podia sentir sua respiração e por mais que eu quisesse controlar – ou não -, encostei ainda mais meu rosto.

- O que está fazendo? – pergunta ela, num quase sussurro.

Continua...

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 13 - O amigo reaparece.

(Contado por 3º pessoa)

Deus, como ele é lindo! E daí em diante ela se viu completamente perdida nos seus olhos castanhos escuro. O ar, que antes já parecia ser insuficiente, agora sim parecia estar realmente acabando. O calor aumentava a cada segundo e o suor começava a escorrer pelo rosto dele. Centímetros os separavam um do outro, espaço o suficiente para ele – ou ela – se aproximar um tanto a mais e finalmente selar os lábios. Era incrível aquela capacidade com que seus olhos conseguiam hipnotizá-la assim, tão facilmente.
Bill pigarreou, desviando seu olhar do dela e terminando de puxar a blusa. Aiyra recupera a consciência, respira fundo, soltando um suspiro em seguida. Os dois não sabiam ao certo o que ocorria entre eles, e também tinham medo de descobrir. Não era tão simples e fácil ter que admitir algo que os próprios não entendiam com clareza. Tudo era muito confuso. Um misto de gostar e odiar, ao mesmo tempo, tomava conta de ambos. E com toda aquela frieza que cultivaram e carregaram durante tempos fazia com que seus sentimentos se fechassem em algum lugar no fundo do peito, e tivesse receio de colocar a “pontinha do pé” para fora.

- Não foi tão difícil assim, foi? – diz Aiyra, quebrando o silêncio chato. Bill não responde, apenas a olha rapidamente e volta seus olhos para as frestas da porta. – Não se sente incomodado com essa roupa escura, nesse calor infernal?
- Quer que eu tire a minha roupa também?
- Até que... – o olhou com malicia, de propósito. – Não seria uma má idéia.

Convencido de que acabaria se sentindo mal naquele cubículo, Bill ergue os braços e Aiyra levanta sua roupa. Respirar ali dentro estava complicado demais e eles até evitavam ficar trocando palavras. Ele passou a mão pelo rosto, tentando limpar um pouco daquele suor e, de uma forma inexplicável não conseguia cheirar mal. Muito pelo contrário, seu cheiro era bom e a partir daquele momento se tornaria inesquecível para ela.
As horas haviam passado rapidamente e fazia quase uma hora que se encontravam ali dentro. Além da fome, a vontade de respirar um ar fresco batia de minuto a minuto. Mais algumas trocas de olhares – muitas vezes disfarçadas – e os dois estavam prestes a abrir aquela porta e se entregarem.

- Vai ficar me olhando assim por muito tempo? – pergunta ela.
- Talvez.
- Vou acabar pensando que...
- Seus olhos são lindos. – a interrompe.
- O quê? – ficou surpresa.
- Seus olhos...
- Eu entendi. – Aiyra esboça um leve sorriso no canto dos lábios. – Só não... Esperava. – faz uma pausa. – Mas quem é você e o que fez com o Bill? Ele nunca me faria um elogio desses, ou melhor, ele nunca me faria qualquer tipo de elogio.
- Acha que sabe tudo sobre mim, mas só conhece aquilo que lhe permito conhecer.

Antes que pudesse responder, eles ouviram o toque de celular na sala. O faxineiro retira o aparelho do bolso e atende. O rapaz conversava com alguém sobre a limpeza nas salas de aula, que já estavam desocupadas. Ao desligar, o faxineiro recolhe todas as suas coisas e se retira.
Bill abre a porta e sai primeiro, indo verificar se a barra estava completamente limpa, e após seu sinal, Aiyra pôde deixar o armário das vassouras. Ela se abaixa um pouco, colocando as mãos nos joelhos.

- Caramba! – diz ela. – Como é bom poder respirar esse ar fresquinho.
- É melhor sairmos daqui antes que nos vejam. – diz Bill.

***
(Contado por: Aiyra)

Devidamente vestidos, caminhávamos lado a lado pelo colégio, cruzando os dedos e rezando para não encontramos ninguém que nos comprometesse. Ao dobrarmos um dos corredores, demos de cara com o diretor. Sugeri que saíssemos correndo, antes que ele se aproximasse ainda mais de nós. Mas o Bill infelizmente não quis fazer isso. Iríamos nos encrencar ainda mais.

- O que fazem nessa área? – pergunta o diretor, chegando mais perto. – Não deveriam estar aqui.
- Estamos perdidos – diz Bill.
- E ainda bem que o encontramos, porque esse colégio parece um labirinto. – disse.
- Sei. – olhou para nós dois. – Não acredito nessa historinha de vocês.

DETENÇÃO

Então, fomos levados para a biblioteca onde ficaríamos por pelo menos meia hora, como forma de castigo por estarmos numa área “restrita” do colégio. Não bastava ficar presa no armário das vassouras, eu ainda tinha que aturar o Bill na detenção. É nessas horas que a gente começa a perceber que o planeta realmente conspira contra você. E isso tudo só está acontecendo graças a minha maldita curiosidade que novamente conseguiu me controlar, mas obviamente não posso confessar esse tipo de coisa. Eu tinha que colocar a culpa em alguém, e ninguém melhor do que ele.

- Viu só o que você fez? – disse. – Culpa sua estarmos aqui!
- Como é que é? – Bill pareceu indignado. – Ninguém mandou você me seguir.
- Eu não estava te seguindo! – quase gritei.
- Falem mais baixo! – reclama a bibliotecária.
- Se não tivéssemos ficado presos naquele lugar, isso não estaria acontecendo.
- Mas bem que você gostou de ficar presa lá comigo, confessa. – provocou. – Até a blusa tirou.
- Só tirei a blusa por que estava calor! – justifiquei. – E nem venha com essa, pois você também tirou a sua.
- Claro! Você pediu, eu tirei.
- Dá pra vocês falarem mais baixo?! – a bibliotecário chegou perto de nós. – Aqui não é a casa da mãe Joana, e sim uma detenção! – ela se retira.
- Se eu pedir pra se jogar do penhasco, você fará? – falei mais baixo.
- Só se você vier junto.
- Idiota!
- Chata!

Encostei-me na cadeira, cruzando os braços e mantendo a expressão de brava. Queria que os minutos passassem o mais rápido possível, mas quanto mais eu desejava, menos acontecia. Toda vez que eu olhava para o relógio parecia que os ponteiros nem tinham saído do lugar. Agoniada, tratei de procurar algo pra fazer enquanto a hora não passava. Meu pé começou a balançar freneticamente, e os dedos das mãos serviam para fazer batuques sobre a mesa.

- Pára com isso! – diz Bill, e eu o encarei.
- Cale a boca e me deixe em paz!
- Qual o seu problema, hein?
- O problema é que a minha vida é uma droga e como se isso não fosse o suficiente, alguma entidade lhe enviou pra terminar de bagunçar tudo!
- Não tenho nada a ver com a sua vida! – sua vez de alterar a voz. – E pára de colocar a culpa de tudo em mim! Não escolhi ficar trancado naquele armário com você, muito menos ter te conhecido. Por mim, você não passaria de outra garota qualquer, mas esse seu jeito irritante lhe impede de ser isso!
- O que quer dizer?
- Quero dizer as coisas simplesmente aconteceram e não deu pra evitar, e que você tem a metade da culpa que eu também carrego!

Por menos que eu quisesse, tinha que concordar. As coisas aconteceram de uma maneira tão rápida, que nem ao menos percebemos que estávamos ligados um ao outro. Seja pra brigar ou para se ajudar no momento de uma dificuldade. Ficamos calados, e eu principalmente, por não ter argumentos. Ele estava certo e eu errada, e não tinha como mudar aquilo, pelo menos por enquanto.
O silêncio era tanto, que dava para ouvir o tic-tac do relógio. Eu me segurava pra não puxar um assunto qualquer. O meu orgulho não me permitia ser legal com ele depois do que acontecera. Mas quem me conhece, sabe que o meu cinismo às vezes fala mais alto.

- Porque você é assim? – perguntei.
- Assim como?
- Do jeito que você é. – o olhava. – Comigo é um completo idiota, mas na frente de outras pessoas, um cavalheiro.
- São as circunstâncias. – responde, me olhando. – Ou talvez seja porque eu goste de você. – ele ri.
- Jeito estranho de demonstrar que gosta.
- Mas e você? – ele passa levemente a língua nos lábios. – Porque você é assim?
- A vida. – respondi, enquanto olhava as unhas. – Passei e presenciei muita coisa, e tive que me tornar isso daqui.
- Algum acontecimento em especial? – fez uma pausa. – Tipo... O assassinato da sua mãe.

Eu não estava acreditando naquilo. O Bill havia mesmo tocado nesse assunto? Quanta coragem. E antes que eu respondesse...

- Olha, eu sei que não deveria estar falando disso, mas... Desculpa. – fiquei ainda mais surpresa pelo pedido. – Eu não quis descobrir tanta coisa sobre sua vida, só que eu não tive escolha. Você praticamente me obrigou.
- Ãhn?! – não havia entendido.
- Quando ameaçou contar – olhou para os lados. – da maconha – sussurrou. -, me senti quase que na obrigação de saber algo de você pra não correr o risco de ser entregue.
- Então...
- Você acabaria estragando tudo. – interrompeu. – Acabaria atrapalhando a carreira do meu pai.

Isso sim era ainda mais inacreditável. O Bill estava preocupado com a carreira do pai, ao invés de se preocupar com o que aconteceria com ele se continuasse usando aquele tipo de coisa.

- É disso que tem medo, Bill? – apoiei os braços na mesa. – Tem medo do que pode acontecer com o seu pai e não com você?!
- Ele trabalhou duro pra conquistar o que tem hoje e não seria justo eu acabar com tudo.
- E é justo você acabar com sua própria vida?

Ele não responde de imediato, parecia pensar numa resposta.

- Você nunca entenderia. – diz ele. – E também não consigo explicar.
- Ok, mas... – num impulso, segurei sua mão. – Você tem que parar. Você precisa parar antes que custe a sua vida!
- Resolveu se preocupar comigo agora? – ele tira a mão dele. – Sei me cuidar sozinho.
- É? Pois não parece.
- Não venha me dizer o que fazer, porque você também cometeu esses erros.
- E quando percebi que estava acabando comigo mesma, coloquei um fim. – me encostei novamente à cadeira. – Mas quer saber? Vá em frente e se mate aos poucos!

***

Descia as escadarias do colégio, caminhando e pensando na conversa que tive com o Bill agora a pouco. Confesso que fiquei meio preocupada com ele, mas apenas pelo fato de saber que se eu tivesse continuado, talvez estivesse na mesma situação. Não sei exatamente dos problemas dele e também não quero saber. Como o próprio mesmo disse “não tenho nada a ver com sua vida”, porque eu me intrometeria?
De longe, avistei um rapaz encostado no carro, com os braços cruzados. Parei um instante, cerrei os olhos pra tentar enxergar melhor. Não pode ser! Pensei. O coração acelerou, e um enorme sorriso se formou nos meus lábios.

- Nick! – gritei, terminando de descer os degraus e correndo em sua direção. Ele sorria, e abriu os braços pra me receber. O abracei com toda força e quase senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto. – O que está fazendo nesse fim de mundo? – perguntei, me afastando um pouco para olhá-lo. – Como me encontrou? E porque demorou tanto?
- Calma, bebê. – ele ri. – Retome o fôlego.
- Bebê? – lhe dei aquele soquinho no ombro.
- Te responderei qualquer coisa, mas antes eu quero saber como que você está e como andam as coisas por aqui.

Isso era tudo que eu precisava no momento! Reencontrar o Nick me fez sentir viva novamente, como se tivesse uma razão pra continuar seguindo em frente. A felicidade era tanta, que eu mal conseguia falar. Só queria olhar bem aquele rosto pra ter certeza de que nunca o esqueceria. Ele não faz idéia do quanto precisei e preciso dele. Tá na hora de recuperar o tempo que foi perdido.

Postado por: Grasiele

Coração De Outono - Capítulo 12 - A música e o armário de vassouras.

(Contado por Aiyra)

A aula chata de história praticamente me fazia querer encostar a cabeça na mesa e dormir. Nem ouvir música estava resolvendo aquele tédio infernal. Desejei estar deitada em minha cama, desfrutando de mais um sonho bom. Olhei de relance para o lado direito e lá estava ele, sentado na mesma fileira de cadeiras que eu estava. Bill Kaulitz e sua rara presença, já que na maioria das vezes preferia ficar no pátio com os outros dois mosqueteiros.
Ele escrevia algo no caderno, e parecia tão concentrado no que fazia que nem ao menos se importava em prestar atenção no que acontecia ao seu redor. Por alguns instantes eu quis me transformar numa mosquinha só pra descobrir o que tanto rabiscava. Às vezes esboçava tímidos sorrisos.
Não posso e talvez eu não consiga negar que ele é atraente, mas também não posso me deixar enganar. Bill parece ser – e deve mesmo ser – o tipo de pessoa que não gosta e não pensa em ninguém além de si próprio. Se bem que, ultimamente eu é que estou ficando assim. Mas isso não importa e porque estou pensando nisso agora? Tá perdendo o juízo com essa idade, Aiyra?
O sinal toca, avisando que finalmente era hora do intervalo. A porta se abre e os alunos vão saindo aos poucos. Alguns vão em direção ao refeitório, outros para o jardim próximo as quadras de esporte, onde poderão disfrutar melhor dos raios solares. Eu encontrei um lugar mais tranquilo e privilegiado. Me sentei num banco debaixo de uma das árvores do jardim e comecei a fazer aquilo que me acostumei desde que cheguei: ler um bom livro. O Tom veio se aproximando e me fez companhia.

- Vai à festa na casa da Bruna amanhã? – pergunta ele.
- O Pedro cismou que eu tenho que ficar de castigo. – disse. – Então é bem provável que não.
- Andou aprontando, não é?
- Não fiz nada de mais. – fechei o livro. – E quer saber? Eu vou nessa festa sim!
- Acabou de dizer que está de castigo.
- E dai? Se o Pedro pensa que vai me manter trancada dentro daquela casa, está muito enganado.

Eu não ia perder de me divertir numa festa animada, ficando deitada de barriga pra cima na cama olhando para o teto. Preciso extravasar a energia contida dentro de mim, e dentro de casa não dá pra fazer isso direito. Ficamos por ali mais alguns minutos. O intervalo termina e o Tom segue seu caminho, eu só volto pra dentro do colégio quando não havia quase alunos nos corredores. Parei um instante para beber água, quando ouvi uma conversa entre o Bill e seus amigos.

- Foi mau galera, mas o diretor me chamou em sua sala e preciso ver o que ele quer de mim. – diz Bill.
- Não quero nem imaginar o que você fez desta vez. – diz Gustav.
- Andei fazendo umas coisas, mas não sei exatamente do que se trata.
- De qualquer forma, estaremos no píer do lago Benner.

Os meninos se despediram, e me escondi atrás de uma pilastra para que o Bill não conseguisse me ver ao passar. Minha intenção não era segui-lo, eu só queria agradecer pelo que havia feito por mim e também achei estranho ele estar indo em uma direção que não daria na diretoria. Ele ia pra qualquer outro lugar, menos encontrar o diretor. O modo como andava – como se não quisesse ser visto por ninguém – também me fez querer saber para onde estava indo e o que poderia estar aprontando. E seria uma boa oportunidade para virar o jogo e controlar a situação.
Devo tê-lo seguido por mais de cinco corredores de tamanho médio, sem contar a escada de poucos degraus que subi. Mais alguns passos e o vi entrar numa sala, e o que veio em minha mente é que ele poderia estar usando aquele local como esconderijo para experimentar suas drogas sem ninguém ficar se intrometendo. Claro, num lugar como este ninguém o encontraria.
(..)Cheguei um pouco mais perto e estava prestes a abrir a porta, quando comecei a ouvir algo. Um som calmo, delicado, tranquilizador. Para ser um tanto mais exata, era o conjunto de notas tocadas ao piano que formava aquela bela melodia. Devagar para não atrapalhar ou ser notada, entrei. Bill estava sentado diante do instrumento e tocava como se nada mais tivesse importância. Como se existisse apenas ele e o piano. Como se os dois tivessem conectados de alguma maneira e nada significasse mais que aquilo. Era belo e incrivelmente lindo.
Fechei os olhos e apenas apreciei a música, criando fantasias nos pensamentos. Tive boas sensações e foi ai que percebi que, dentro dele havia muito mais do que um dia eu poderia se quer imaginar. Inacreditável e indescritível vê-lo daquele jeito. Deduzi que ninguém tocaria algo assim sem nem um tipo de sentimento, e pelo que me parecia, ele colocava todos os seus para fora.
Assim que ele parou, não consegui me controlar e aplaudi. Sei lá, talvez fosse a única coisa que eu pudesse fazer depois de ouvir algo tão bonito. Bill se vira rapidamente, assustado com minha presença.

- O que faz aqui? – pergunta, se levantando e fechando o piano. – Por acaso estava me seguindo?
- Claro que não. – disfarcei, colocando uma mecha de cabelo para trás. – Eu só estava... – ele me olhava, não muito convencido. – Na verdade... Eu estava te seguindo sim, ok? – me rendi. – Mas foi sem querer.
- E posso saber por que fez isso? – cruzou os braços, esperando pela resposta.
- Te agradecer. – ele fez cara de quem não entendeu. – Por ontem. – fiz uma pausa, e fui me aproximando. – Aquele livro é bem importante pra mim e...
- Não foi nada. – interrompeu, e começou a arrumar um monte de papel sobre o piano.

O lugar não era muito grande, mas era repleto de instrumentos e outras “relíquias”. Era perfeito pra quem curte esse tipo de coisa, e quem sabe, até meio perigoso já que guarda coisas consideravelmente valiosas para a instituição. Dei algumas voltas, observando as coisas ali dentro e tive a recomendação de não tocar em nada. Tudo estava muito bem conservado e em minha opinião, não deveriam estar escondidas.

- Não sabia que gostava de tocar. – disse, pegando um daqueles troféus da estante e examinando com cuidado.
- Ninguém sabe. – responde, tirando o objeto da minha mão e o devolvendo ao devido lugar. – Quero dizer, agora só você sabe. – sorri.
- Ou seja, isso é um segredo? – peguei uma bolinha de vidro, e dentro da mesma havia água e várias outras bolinhas coloridas.
- Já disse pra não tocar em nada! – pegou a bolinha e me encarou. – E... Talvez seja um segredo.
- Talvez? – ele suspira.
- Por favor... Não conte nada a ninguém.

Eu não estava pensando em contar nada, mas não seria uma má ideia. Ele descobriu tanto a meu respeito e me tem em suas mãos. Essa descoberta seria um bom trufo para me livrar de qualquer ligação com o Bill, e também não seria ruim se eu começasse a fazer chantagem. Isso poderia me ajudar, e muito.

- Porque eu ficaria calada? – perguntei indo olhar e mexer na papelada que ele havia arrumado. – Você sabe muito sobre mim e a qualquer momento pode abrir a boca para o mundo.
- Eu não faria isso.
- E eu não confio em você. – descobri que eram partituras.
- Estamos empatados. – ele volta para perto do piano e se senta. – Também não confio nem um pouco em você, mas nunca disse que sairia espalhando suas coisas por ai, disse?
- Não. – me aproximei dele e me sentei ao seu lado.
- Então...?
- Vamos fazer um trato.
- De que tipo?
- O meu silêncio pelo seu. – ele dá um meio sorriso. – Não contaremos a ninguém sobre o que sabemos um do outro e zeramos o jogo. – ele fica calado. – Vamos fingir que nunca descobrimos nada.
- Ok.

Fala sério! Eu estava sendo muito boazinha com ele e desde quando passei a “gostar” desse tipo de coisa? Ao invés de dar o troco, eu resolvo ficar calada? Aiyra Burke e Bill Kaulitz tendo um segredo “juntos”? Isso só pode ser algum engano. Quando foi que o meu lado bom começou a tomar conta de mim e eu nem percebi? Eu nem sabia que existia esse tal lado bom aqui dentro.
Bill voltou a tocar e fiquei imaginando que o limite estava prestes a ser atingido. Nós dois no mesmo ambiente por muito tempo nunca dá certo, e de uma forma muito inexplicável, conversamos alguns minutos sem trocar farpas. Ouvimos um barulho e ele se virou. Por debaixo da porta dava pra saber que tinha alguém do outro lado e que pretendia entrar ali.

- Droga! – diz ele, se levantando. – Acho que nos pegaram.
- O que isso significa? – também me levantei.
- Que se não encontrarmos um jeito de sair daqui agora, pararemos na sala do diretor.

Num ato sem pensar Bill segurou minha mão, recolheu sua papelada e me arrastou. Corremos até o fim da sala, desviando das coisas pelo caminho e paramos em diante de uma porta branca e estreita. Ali era um antigo armário de vassouras, que fora desocupado e transferido. Era a nossa única salvação e pela situação em que nos encontrávamos, não tínhamos condições de discutir pra ver quem ficaria do lado de fora e se ferraria sozinho.
Entramos naquele espaço pequeno que mal nos cabia, e ficamos frente a frente, com nossos corpos praticamente colados um no outro. Poucos centímetros nos separavam um do outro. Estava meio escuro e pelo tamanho, dava sinais de que faria calor se ficássemos mais que trinta minutos. Vimos pelas frestas detalhadas na madeira um rapaz entrar com o carrinho de limpeza.

- Que merda! – diz ele, sussurrando. – Esqueci que hoje é dia de limpeza.

Aquela não era uma boa notícia e alguma coisa precisava ser feita para que o faxineiro fosse embora o mais rápido possível. O difícil era bolar um plano de dentro de um armário onde eram guardadas as vassouras. Com os minutos passando, o ar ficando quente e o faxineiro nem na metade do serviço, eu começava a pensar o pior. E se quiséssemos trocar qualquer tipo de palavra, tinha que ser através de sussurros ou leitura labial.

- Dá pra chegar um pouquinho mais pra lá? – perguntei.
- Claro, quando eu desenvolver minha habilidade de atravessar paredes, esse lugar ficará bem folgado pra você. – usou aquele tom sarcástico que me tirava do sério.
- Idiota!
- Chata!

Ficamos calados, apenas nos olhando. Depois de segundos não consegui me controlar e comecei a rir. Não era nem um pouco engraçado, mas eu também não começaria a chorar só por estar presa. Ele deixa aquela armadura de garoto durão e se rendo, dando algumas risadas. Ao perceber que não conseguiríamos parar, Bill coloca sua mão em minha boca, tampando-a.

- Shhhhiiiii. – diz ele, baixinho e me olhando nos olhos. – Vamos acabar sendo descobertos. – controlei o riso e ele tirou a mão.

Estava ficando cada vez mais quente. Os minutos passavam e nada do rapaz ir embora e se duvidasse, era bem capas que morrêssemos ali dentro. Exagerei, confesso. Mas eu não aguentaria por muito tempo. E vendo que o calor só aumentava, resolvi tirar a blusa, pra quem sabe, resolver parte dos problemas.

- Ficou maluca? – diz Bill, enquanto eu me contorcia para desabotoar os botões.
- Não vou derreter só porque você quer. – disse. – Agora me faz um favor. Termine de desabotoar pra mim e puxe a blusa, porque não vou conseguir fazer isso sozinha.
- O quê?
- Ficou surdo depois que entrou aqui, foi? Anda logo, Bill!

Ele desabotoou os quatro últimos botões, foi abaixando a minha roupa pelos ombros, em seguida pelos braços e pude sentir o calor de suas mãos. Ergui um a cabeça e o olhei. Bill retribuiu ao olhar, meus olhos percorreram seu rosto e ele passou a língua nos levemente nos lábios. Deus, como ele é lindo! E dai em diante me vi completamente perdida.

Postado por: Grasiele

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