segunda-feira, 30 de abril de 2012

Coração De Outono - Capítulo 19 - Conclusões precipitadas.

(Contado por Pedro)
Eu lia umas manchetes no jornal, sentado na poltrona da sala, quando Aiyra entrou em casa e estava com os pensamentos distantes. Perguntei-lhe duas vezes como havia sido o almoço com o Bill, mas não obtive resposta. Ela já ia em direção a escada, lhe fiz a terceira pergunta e a vi se assustar. Chegou a dar um gritinho duvidoso e respirou fundo tentando disfarçar. Não contive o riso, mas me desculpei pelo mal jeito. Não tinha intenção de assustá-la e também não era minha culpa se estava tão desligada.
Não insisti na pergunta, pois talvez não estivesse tão a fim assim de responder a qualquer coisa. Ou talvez o encontro não tenha sido tão agradável. Continuei lendo o jornal, depois de dois ou três minutos ergui a cabeça e ela estava parada quase de frente pra mim. Quando era mais nova, Aiyra fazia isso sempre que estava com dúvidas e queria perguntar algo. Pelo visto, não tinha mudado tanto.

- Ok, pode perguntar. – fechei o jornal.
- Como é se apaixonar? – ela se senta ao meu lado e analisei sua pergunta. – Quero dizer, o que a pessoa sente quando está apaixonado?
- Você nunca se apaixonou? – ela negou com a cabeça. – Bom... Não sei exatamente o que as pessoas costumam sentir. – disse. – Mas quando me apaixonei por sua mãe, senti milhares de coisas de uma só vez.
- Tipo suas pernas tremerem, o coração acelera só de ouvir a voz dela, as famosas borboletas no estômago, as mãos suarem ou os pés formigarem?
- É... Eu senti muito essas coisas. – fiz uma pausa. – Mas pra quem nunca se apaixonou, você sabe de muitas coisas.
- São só especulações, sabe? – dá uma leve risada. – Todo mundo fala que é desse jeito.
- E porque está me perguntando?
- Curiosidade.

Fiquei desconfiado. Na minha época, esse tipo de pergunta não era feita quando as pessoas estavam apenas curiosas. Pelo menos acho que não. E me lembro que a única vez que questionei algo semelhante, foi quando me apaixonei pela mãe da Aiyra. O meu pai teve a mesma reação que eu, estranhou minha dúvida. Semanas depois eu estava olhando em seus olhos e pedindo-a em namoro.

- Pedro... Você acha que alguém seria louco o suficiente de se apaixonar por mim?
- Acho que seria louco se não se apaixonasse por você. – respondi e ela sorri.
- Sou estranha. – ela abaixa um pouco a cabeça.
- Não, você não é estranha. – me olha. – Talvez tenha um gênio forte demais, mas estranha não.

Ela agradeceu. Isso mesmo, agradeceu e foi para a cozinha. E minha desconfiança só aumentou depois desse agradecimento. Fiquei pensando em possibilidades, mas nenhum nome me veio em mente. A Clarisse apareceu, me deu um selinho e se sentou ao meu lado.

- Não sei se tenho certeza, mas talvez a Aiyra esteja apaixonada. – disse.
- Porque acha isso? Ela te falou alguma coisa?
- Ela... Se sentou ao meu lado, conversamos normalmente sem nenhum tipo de alteração no tom de voz, me fez umas perguntas meio estranhas, agiu de um jeito mais estranho ainda e me agradeceu.
- Como assim? – Clarisse ri.
- Também não entendi, mas ela me agradeceu! Tem noção disso? A Aiyra me agradecendo?!
- Ah querido, como você é mau. – nós rimos. – Deveria ficar feliz.
- Estou feliz. – disse. - Estou muito feliz, mas não tenho certeza se isso vai durar por muito tempo. Ela está sendo imprevisível.

–--
(Contado por: Aiyra)
Era inevitável dizer que as coisas continuavam as mesmas. Não sabia o que pensar ou o que fazer. Minha mente parecia um pouco mais confusa agora e eu precisava relaxar. Esfriar a cabeça, esquecer momentos – nem que fosse por alguns minutos -, caminhar. Tomei um banho demorado, daqueles que lava até a alma. Coloquei uma calça jeans clara, camiseta regata preta e uma branca mais larguinha por cima, e all star. Com certa quantidade em dinheiro no bolso, sai do quarto. Passei pela sala, avisando ao Pedro que daria uma volta não muito demorada.
Visitei uma biblioteca pública e ainda estava tão absorvida em minhas preocupações que quase ia passando direto de uma galeria de arte. Girei sobre os calcanhares e voltei. Parei por um segundo junto à porta, surpresa com o fato de que fazia muito tempo que não visitava nenhuma galeria. Pelo menos quatro ou cinco anos, talvez mais.
Quase 18h15, quando entrei – a galeria fechava às 19h30 – e passei pelos quadros. Havia muitas obras de artes de artistas de outras regiões, com um forte sabor de mar. Muitas cenas marítimas, praias, pelicanos, gaivotas... Mas acima de tudo, ondas. Ondas de todos os formatos, tamanhos e cores imagináveis, que depois de certo tempo pareciam todas iguais. Ou esses artistas tinham pouca inspiração ou são preguiçosos.
Em uma das paredes, porém, havia algumas telas que agradavam mais meu gosto. Eram todas de uma pintora de quem nunca tinha ouvido falar, Ellen. Na pintura que mais gostei, notei que a artista tinha propositadamente exagerado a cena com rostos humanos, traços amplos e pinceladas pesadas, como se o foco não estivesse bem definido. Mas as cores eram intensas, chamando a atenção e prendendo o olhar do observador, quase dirigindo-o para o que ele deveria ver. Quanto mais eu pensava na tela, mais gostava. Examinei-a mais de perto e, pensei comigo mesma, que talvez Tom ou qualquer outra pessoa estivessem certos. Talvez devesse recomeçar a desenhar ou pintar.
Às 19h20 sai da galeria e fui para casa. Levei alguns minutos no quarto da Anna, até encontrar o que estava procurando. Cartolina, giz e lápis, não de excelente qualidade, mas razoavelmente bons. Não era o desenho, mas já era um começo, e quando voltei para o meu quarto, me vi empolgada. Me sentei à escrivaninha e comecei a trabalhar. Nada especifico, apenas um exercício para sentir de novo a inspiração, deixando formas e cores fluírem da memória. Depois de alguns minutos de abstração, fiz um esboço da cena da rua que via da minha janela. Estava impressionada com a facilidade que minha mão dava forma aos contornos. Era quase como se nunca tivesse parado.
Quando acabei, examinei o esboço, contente com o resultado. Me perguntei o que deveria tentar e, por fim, me decidi. Eu não tinha um modelo em minha frente, mas consegui visualizá-lo em minha mente, antes de começar. E embora fosse mais difícil que a cena da rua, o desenho saiu naturalmente e começou a tomar forma.
Os minutos passavam rapidamente. Trabalhei com afinco, mas consultando o relógio de tempos em tempos. Terminei um pouco antes das dez horas. Tinha levado quase duas horas, mas fiquei surpresa com o resultado final. Parecia que tinha demorado muito mais tempo. Enrolei a cartolina e a guardei.

***
Nos três dias seguintes, Bill se quer ousou me olhar. Estávamos evitando um ao outro, mas de certa forma aquilo me deixava chateada. Não sei se era exatamente medo de alguma coisa, ou timidez. Só sei que eu também não tinha aquela coragem de olhá-lo, muito menos de falar alguma coisa. Nos intervalos, eu continuava sentada numa das mesas, de longe. Ele, praticamente do outro lado, conversando naturalmente com os amigos. Quando passava por mim em algum lugar, a única palavra que saia de sua boca era “oi”, depois disso seguia em frente e não olhava para trás.
No começo não me incomodava, mas cheguei ao limite quando esbarramos um no outro no meio de um corredor quase vazio. Ele pediu desculpas, sem olhar na minha cara. Me senti como se fosse a pessoa mais ridícula do mundo e estava pronta para xingá-lo de todos os palavrões possíveis que vinham em minha mente, mas o diretor apareceu dizendo que o sinal já havia tocado e que deveríamos entrar na sala.
A minha raiva era tanta, que não conseguia nem me concentrar direito na aula. Olhei para trás e lá estava ele, rabiscando alguma coisa no caderno. Ele ergue a cabeça e retribui ao meu olhar, dando um leve sorriso e voltando a se dedicar aos rabiscos. Tá querendo me deixar louca. Só pode ser isso! Num instante fingi nem me conhecer, e agora ta ali distribuindo sorrisos. E o que me deixa com mais raiva ainda, é o fato dele ter um sorriso lindo.

***
Sai da sala antes que o sinal tocasse, inventei a desculpa de que não estava me sentindo muito bem. Fui devolver uns livros à biblioteca e aproveitei para olhar outros. Passei por algumas prateleiras, observando atentamente o nome de cada um dos livros. Me interessei por um deles e o peguei. Li a sinopse e não achei tão boa quanto o desenho da capa. E mesmo sabendo que poderia me arrepender, decidi levá-lo.
Caminhava em direção à porta que me levaria ao pátio de entrada do colégio. Lá fora conversei com uma colega de classe, para pegar os assuntos que tinha perdido nos últimos minutos de aula e descobri que nem tinha perdido muita coisa. Ela foi embora, e ouvi meu celular tocar. O procurei dentro da bolsa, nesse momento Bill passa por mim e novamente diz “oi”. Foi a gota d’água. Desisti de atender ao celular.

- Quer dizer que você me agarra e só diz oi? – tentei não falar tão alto. Ele se vira.
- O que você queria que eu fizesse? – se aproxima um pouco. – Te ligasse no dia seguinte pra marcar outro “encontro”? – riscou as aspas no ar.
- Claro que não! – disse. – Até porque, aquilo não foi um encontro. Mas não precisava virar a cara e fingir que nem me conhece.
- Você mesma repetiu umas três vezes que deveríamos esquecer, lembra?
- Esquecer é diferente de ignorar.
- Eu não tô te ignorando. – cruzei os braços. – Só estou mantendo uma boa distância.
- Pra quê? – não entendi.
- Pra não fazer de novo e começar a criar expectativa com uma coisa que eu tenho certeza que nunca vai dar certo.

Então quer dizer que esse tempo todo ele estava me evitando pra não correr o risco de me beijar outra vez? Que tipo de homem faz isso? Normalmente eles não ficam insistindo pra acontecer mais algumas vezes? O que há de errado com ele? Ou o que há de errado comigo?
Bill me dá as costas, começando a dar alguns passos. Não me segurei e fui atrás, eu tinha que perguntá-lo ou aquilo ficaria me atormentado. Era inacreditável a pergunta, mas eu realmente precisava saber. Uma opinião a mais não faz mal.

- Foi ruim? – ele para e fica em silêncio. Temi a resposta. Depois ele se vira.
- Se tivesse sido ruim, eu não estaria te evitando. – quase deixei escapar um sorriso.
- Pelo contrário, você estaria me evitando justamente por ter sido péssimo!
- Aiyra... – ele olha para os lados. – Se eu pudesse, te beijaria agora mesmo. – fiquei surpresa e sem graça, ao mesmo tempo. – Mas... Não sou essa pessoa que você pensa que sou. – faz uma pausa. – E como disse, não quero criar expectativas e muito menos te magoar.
- Porque me magoaria?
- Porque eu sempre faço tudo errado. – outra pausa. – Agora eu tenho que ir.

Tá, eu não entendi nada. Muito menos essa minha ação de correr atrás. Ele não vale tanto ao ponto de eu praticamente me jogar em cima. Esperai, será que ele é gay? É uma boa explicação. Caramba, não acredito que estou sentindo atração por um cara gay! Justamente ele! Porque os meus olhos não foram diretamente para o Tom? Ele sim me parece ser um homem, e que homem.
Mas enfim... O negócio é não posso mais me enganar com o Bill. Ele deixou claro que não quer mais nada e não devo mais insistir. Vai ficar feio pra mim, continuar correndo atrás de um cara gay.

Postado por: Grasiele

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