segunda-feira, 30 de abril de 2012

Coração De Outono - Capítulo 11 - Um livro perdido pode ajudar na mudança.

(Contado por Aiyra)

Meu sono era pesado ao ponto de não ter conseguido ouvir o despertador tocar pela segunda vez. O cansaço vinha de uma madrugada conturbada que eu jamais estaria pronta para esperar. Ainda estava ligada aos acontecimentos da noite anterior, que acabei sonhando com o ocorrido. Para ser mais exata, sonhei com ele. Mesmo que tenhamos nos falado pouco, sua voz não parava de soar em minha mente. Era como se estivéssemos frente a frente naquele momento. Um sonho tão real que chegava a ser assustador.
Acordei com as batidas um tanto bruscas na porta do quarto. Pedro me chamava, dizendo que eu acabaria me atrasando. Abri um pouco os olhos e olhei na direção do relógio. Levantei-me, e com tanto sono acabei me embolando no cobertor e sai tropeçando em tudo que via pela frente. Depois de conseguir vencer uma briga mais que injusta com o cobertor, fui para o banheiro e antes de chegar, bati o dedão do pé na soleira da porta. Foi o suficiente para eu acordar de uma vez. Sentei-me no chão e quase chorei de dor. Meus olhos marejaram e pronunciei todos os tipos de palavrões existentes. Uma dor quase que insuportável que eu só desejaria que o Bill a sentisse. Olhei para cima e respirei fundo, tentando esquecer o que acabara de acontecer, mesmo sabendo que era impossível.
Levantei-me outra vez e já tirando as roupas. Liguei o chuveiro e entrei debaixo da água quentinha. Devo ter demorado uns vinte à trinta minutos, e sai enrolada numa toalha. Abri o guarda-roupa, pegando as primeiras peças que encontrei – uma blusa cinza com o rosto da Marylin Monroe bordado de lantejoulas e calça jeans – e me vesti. Calcei o all star preto, me coloquei em frente ao espelho e baguncei o cabelo. As únicas coisas de maquiagem de tinham no meu rosto era rímel e gloss.
Abri a mochila e fui colocando tudo que encontrava pela frente. Desci as escadas, saltando alguns degraus e com medo de me desequilibrar e cair. Encontrei a Anna desenhando na mesinha da sala de televisão, e coloquei a mochila no sofá. Dei-lhe bom dia e fui para a sala de jantar, onde encontrei o restante da “família”. Sentei-me numa das cadeiras, despejei um pouco de suco no copo e iniciei minha refeição.

- Onde esteve na noite passada? – pergunta Pedro.
- No quarto. – respondi, comendo um pedaço de bolo.
- Não brinque com a minha inteligência, Aiyra. – me encarava com seriedade. – Posso até parecer idiota, mas não sou. – fez uma pausa. – Vou repetir a pergunta. Onde esteve na noite passada?
- Já disse que fiquei o tempo inteiro no quarto. – bebi um pouco de suco. – E além do mais, aonde eu poderia ter ido? Me deixou de castigo, esqueceu?
- Você esteve em qualquer outro lugar, menos no seu quarto ou nesta casa. – fingi não saber de nada. – Eu vi a corrente de lençóis na janela.
- Achou mesmo que eu fosse ficar trancada naquele quarto?
- Deveria.
- Se quiser me deixar de castigo, acho melhor que construa uma torre sem porta e com grades nas janelas.
- Não seria uma má ideia.
- Está vendo só, Clarisse. – olhei pra ela. – É melhor você tomar cuidado, porque se o Pedro anda pensando em fazer isso com a própria filha, imagine com a esposa! – vi a raiva no rosto dele. – Não quero nem imaginar o que ele seria capaz de fazer. Deus me livre ele também encostar um dedo se quer na Anna...
- Já chega! – ele quase grita. – Ninguém aqui cairá nos seus joguinhos. – faz mais uma pausa. – Vá para o colégio agora.
- Ainda não terminei o café da manhã. – disse.
- Aiyra...
- Querido – Clarisse intervém na quase briga. -, é melhor você ir para o trabalho. E pode deixar que eu deixo as meninas no colégio.

Pedro se levanta com mais raiva que antes e se despede com um beijo rápido na testa de sua esposa. Eu terminei a refeição na maior tranquilidade possível, e após isso a Clarisse me levou ao colégio, juntamente com a Anna. Por mais que ela tenha me ajudado nesses últimos tempos, eu não estava a fim de criar um clima pesado ou dar qualquer espaço para um diálogo nascer, então coloquei os fones e comecei a ler mais um capitulo do meu livro de romance.
O carro fez a primeira parada na escola da Anna, e sua mãe lhe acompanhou até a entrada. Alguns minutos depois, o veiculo para em frente à escadaria do meu colégio. Abri a porta e antes de sair, agradeci. Subi as escadas e entrei. Caminhava sem prestar nenhuma atenção ao meu redor, tentando não tropeçar em nada. Minha imaginação viajava e algumas vezes eu tinha que controlar aqueles sorrisos que insistiam em surgir, depois de ter visualizado perfeitamente uma daquelas cenas em minha mente. Era como se eu estivesse dentro da história e fosse a personagem principal – que por sinal, tinha algumas características bem parecidas com as minhas.
Meu momento de distração e concentração plena foi interrompido quando esbarram em mim com certa força. Fui parar no chão e o livro fora lançado em algum lugar, que eu não sabia onde. Ergui os olhos e não sei por que, não fiquei nem um pouco surpresa.

- Só podia ser você mesmo. – disse. – Ficaria até impressionada se não fosse.
- Se não tivesse lendo enquanto caminhava, isso não teria acontecido. – diz Bill, segurando meu braço esquerdo e me fazendo levantar.
- Claro – me desvencilhei e ajeitei a blusa. -, porque a culpa de você ter me derrubado é toda minha!
- Não conta eu ter te ajudado a se levantar?
- Ajudaria bastante se desaparecesse da minha frente.
- Garota chata!
- É pra começar a ofender? – coloquei as mãos na cintura. – Você sabe que sou muito boa nisso, não sabe?
- Sei que você ficaria muito bonitinha se não fosse assim.
- Querido – me aproximei. -, não nasci pra agradar ninguém. – passei minha mão no seu queixo. – E se você não gosta de mim, é só entrar na fila. – lhe joguei um selinho.

Dei-lhe as costas, seguindo meu caminho. O sinal tocou e tive que correr para entrar na classe antes do professor. Sentei-me na última cadeira e o Tom se virou para falar comigo.

- Como iniciou o dia da minha princesa? – pergunta ele.
- Pior impossível. – disse. – Sabe que às vezes fico pensando que o seu irmão anda de marcação comigo. Ele esbarrou em mim outra vez.
- Nós conversamos agora a pouco e ele estava meio estressado por algo que o Gordon lhe pediu. – diz Tom. – Deve ter sido por isso que o Bill esbarrou em você.
- Sei.
- E a gente também discutiu.
- Nossa, então dá pra imaginar o porquê dele ter agido assim.
- Mas não foi nada demais. – ele brincava com o piercing. – Apenas mais uma briga idiota de irmãos.

***
(Contado por: Bill)

Errado! As brigas com o Tom nunca eram idiotas, talvez fossem desnecessárias, mas não idiotas. Na maioria das vezes tinha motivo, outras, nem tanto. E isso tudo começou há quatro anos, quando nosso pai resolveu colocar na cabeça que um de nós deveria substituí-lo na maldita empresa. Porque não os dois? Essa pergunta ficou grudada em minha mente durante meses, até eu descobrir.
O Tom sempre teve um gênio forte e nunca aceitava as regras ou imposições que o Gordon nos colocava. Ele era do tipo que desobedecia na maior cara de pau e ainda fazia questão de dizer o que andou aprontando. Hoje em dia continua assim, só que a diferença é que ele consegue se controlar um pouco mais.
Eu sempre fui o adolescente “ingênuo”, que tinha medo de um olhar diferente e me tremia todo só de pensar em fazer algo errado e o nosso pai descobrir. Foi por esse e outros motivos que acabei sendo o escolhido. Era mais fácil manipular um garoto que seguia à risca todas as ordens, do que aquele que não dava a mínima pra nada. Porém, as coisas foram mudando com o tempo, no decorrer da vida...
Pra mim não era nada justo ter que me comportar como o filho de um dos homens mais ricos da cidade, fingir ser alguém completamente diferente de mim, do que eu realmente sou, passar várias horas por dia tendo aulas de outras línguas com um professor particular, ir a jantares de negócios, participar de reuniões... Enquanto isso o Tom levava a vida de um adolescente normal, indo a festas em todos os finais de semana, namorando qualquer garota que quisesse, aprendendo a tocar guitarra sozinho, chegando em casa quando o dia estava praticamente amanhecendo...
Era exatamente isso! Eu só precisava de um pouco, às vezes. Ele tinha a hora que bem entendesse. Bom, toda essa pressão começou a me fazer enxergar as coisas diferentes. Não dava mais pra ser manipulado, então fui me transformando aos poucos e agora me tornei isso daqui. Um rapaz desprezível que nem ao menos tem voz para gritar e colocar um fim em tudo, dizendo o que quer ser na vida.


Depois de descarregar o restante da minha raiva em cima do Georg e do Gustav ali mesmo no corredor, me dei conta de que o livro da Aiyra havia ficado ali no chão. Ela saiu rapidamente que nem deve ter notado que se esquecia de algo. Cheguei mais perto, me abaixando e pegando o mesmo. Era um livro de romance. Como assim? Ela lendo um romance? Fiquei surpreso, pois não imaginava que ela gostava desse tipo de leitura. Sei lá, uma garota aparentemente durona não deveria estar carregando um exemplar de algo tão romântico.
Eu não iria ficar com aquilo pra mim e também não queria que ninguém nos visse por ai conversando. Com as desavenças que tivemos, seria meio estranho as pessoas nos verem trocando palavras como se nada tivesse acontecido. Seria como se tivéssemos fingindo o tempo inteiro. Se bem que, nem precisaríamos falar nada um com o outro.

- Como vai devolvê-la? – pergunta Gustav.
- Não sei. – respondi. – Mas não posso ficar com isso.
- Porque não pede ao Tom para entrega-la? – diz Georg. – Ele e a garota andam tão íntimos.
- Porque você não cala sua boca e me deixa pensar?

Não estou falando normalmente com o gêmeo mais velho, então estava fora de cogitação pedir qualquer coisa pra ele. Os encontrei juntos no intervalo de uma aula para outra, e eu não quis me aproximar. A segunda opção seria espera-la na saída, e se eu tivesse a “sorte” de vê-la sozinha, seria bom. Não tive essa sorte. Novamente estava com o Tom e me perguntei se os dois estariam tendo alguma coisa.
A terceira e última solução era ir até sua casa, mas isso me parecia intimo demais para duas pessoas que se odiavam com todas as forças. Foi ai que ouvi a voz do Gordon em minha mente, dizendo: “Me ajude nos meus negócios, e permitirei que faça a sua faculdade de música”. Não costumo ceder a nada, mas pela música e pela minha liberdade eu seria capaz de enfrentar qualquer coisa.

***
(Contado por: Aiyra)

Já era final de tarde e o Sol começava a se pôr no horizonte, fazendo a luz ficar incrivelmente deslumbrante. Um verdadeiro espetáculo pra quem gosta de apreciar esse tipo de cenário, como eu. A casa estava mais silenciosa que de costume. A Clarisse ainda não tinha voltado do ateliê e provavelmente não chegaria para o jantar. O Pedro deveria estar em uma daquelas reuniões chatas, e a Anna estava num de seus cursos. Ou seja, por algumas horas eu teria total privacidade.
Dentro do quarto, eu tentava encontrar qualquer coisa pra fazer e sair daquele tédio. Não queria dormir e muito menos ficar parada olhando para o teto. Isso algum dia ainda me deixaria louca. Fui à escrivaninha e me sentei na cadeira. Abri meu caderno escolar e peguei um lápis qualquer. Fechei os olhos, como numa maneira de criar coragem para iniciar os primeiros rabiscos. Eu não vou conseguir. Já faz tanto tempo.
Ouvi a campainha tocar e aquilo me assustou. Abri os olhos e senti o coração acelerar, pelo susto. Quase um minuto se passou e novamente tocam. Isso se repetiu pela terceira vez e me perguntei onde estava a empregada. Larguei o lápis e desci as escadas.
Girei a maçaneta, abrindo a porta e me deparando com aquele ser. A primeira coisa que se passou em minha mente foi: “Só posso estar tendo um pesadelo terrível. O que esse garoto quer aqui?”. Quando é que eu poderia esperar ou imaginar que ele teria essa coragem de vir. E... Pra quê mesmo?

- Tá fazendo o quê aqui? – perguntei. – Ah, já sei! Sentiu minha falta e resolveu me fazer uma visita?
- Bem que você gostaria que isso fosse verdade, não é?
- Fala logo o que você quer!
- Vim devolver seu livro. – ergueu a mão, mostrando o mesmo.

Naquele instante o carro do Pedro é estacionado na garagem. Ele vem em direção à entrada e ao ver o Bill, o cumprimenta com um aperto de mão e um largo sorriso.

- Que visita boa. – diz Pedro. – Mas não sabia que vocês estavam tão amigos assim.
- E não estamos. – disse. – Na verdade, ele já estava indo embora, não é mesmo?
- Sim. – diz Bill.
- Ah não, está cedo. – Pedro se fazia de educado. – Não quer jantar conosco?
- Fico muito agradecido pelo convite, mas eu realmente tenho que ir. – Bill também sorria. – Foi um enorme prazer revê-lo, senhor Burke. – dão outro aperto de mão.
- Uma pena que não queira ficar.
- Vamos deixar pra outro dia. – diz Bill. – Oportunidades não nos faltarão.
- Claro.
- Até amanhã, Aiyra. – diz a mim, com uma educação quase que irreconhecível. – E tenha mais cuidado com este livro, porque ele é muito bom.

Ainda não entendo a razão de ele ter duas personalidades. Num instante é super educado, como um verdadeiro cavalheiro. N’outro é totalmente idiota! Bill caminha ao seu carro e ao dar partida no carro, dá uma leve buzinada e vai embora. Eu subi para o quarto antes que o Pedro começasse a falar qualquer coisa que nos levasse a discussão. Deitei-me na cama e fiquei pensativa. Se ele disse que o livro era muito bom, só pode ter lido. Isso quer dizer há muitos segredos escondidos dentro daquela caixinha de mistérios.

Postado por: Grasiele

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