segunda-feira, 30 de abril de 2012

Coração De Outono - Capítulo 16 - Certas coisas levam tempo.

(Contado por Bill)


- Veio fazer o quê, afinal?
- Ver você.

Saiu por impulso. Estávamos calados e deveríamos ter permanecido assim, mas não, eu tinha que abrir essa minha boca enorme pra falar o que não era necessário. Não sei o que me deu naquele instante pra dizes que estava ali para vê-la. Acho que a minha resposta foi tão direta, que ela ficou quieta, talvez tentando captar a informação. Faça alguma coisa, Bill. Ela está te encarando. Faça alguma coisa, rápido! As minhas mãos começaram a suar, desviei o olhar por um instante e ela continuava lá, me olhando. Antes que eu pudesse agir, Aiyra caiu na gargalhada. Como assim? Não entendi. Tá rindo do quê?

- Ok, ok. – diz ela, enquanto controlava as risadas. – Pode contar a próxima.
- A próxima...?
- Piada. – segurou o riso. – A próxima piada. – se senta num dos sofás.

Sorte ou azar? Não faço ideia, só sei que ela ficou rindo da minha cara por mais alguns minutos. Havia entendido aquilo como uma piada, e de certa forma até soou mesmo como uma. Tinha um pouco de verdade e um toque de mentira no que eu disse, mas sou orgulhoso demais pra ter que admitir qualquer coisa. Seu riso não me trouxe nenhum incômodo, só fez com que eu me sentasse ao seu lado e compartilhasse um pouco daquela “felicidade”. Ela parou para retomar o fôlego que lhe faltava e voltou a me olhar.

- Deveria seguir nessa carreira. – comenta. – Até que leva jeito.
- Não foi uma piada.

Convenci-me de que era melhor contar logo a verdade e deixar de bobagem. Uma hora ou outra isso iria acontecer, e que fosse agora. Gaguejei, me embolei em minhas próprias palavras. Não entendia como conseguia ser tão idiota assim. Acabava sempre estragando as coisas antes mesmo que elas acontecessem.

- Olha... – pensei num jeito não muito grosseiro de falar. – Eu só queria dizer que... O que aconteceu ontem lá no lago...
- O que não aconteceu. – interrompeu. – Foi isso que quis dizer.
- Que seja. O que não aconteceu lá no lago, mas que teria acontecido, não pode acontecer de maneira alguma, entende? – ela fez cara de quem estava confusa. – Foi meio confuso, e eu só... Só acho que nunca daria certo.
- Tudo bem. – responde, com um leve sorriso nos lábios. – E além do mais, seu beijo deve ser horrível.
- Como é que é?
- Sua cara não engana ninguém. – começou a olhar as unhas das mãos. – Deve beijar muito mal.
- Falou a melhor beijoqueira do mundo. – fui sarcástico.
- Ah, com certeza beijo muito melhor que você.
- Alguém anda te iludindo, sabia?

Ela me daria uma resposta, se o seu pai não tivesse aparecido bem na hora. Disfarçamos e fingimos que nem ao menos estávamos conversando. O Pedro insistiu um pouco mais pra eu ficar e terminarmos o assunto do jantar, mas eu havia abusado um tanto da hospitalidade e não queria parecer inconveniente.

- Não quer mesmo ficar um pouco mais? – pergunta Pedro.
- Eu agradeço muito pelo jantar e pelas dicas que me deu, mas está ficando um pouco tarde e não seria muito educado da minha parte abusar.
- Imagina. – diz ele. – Não é abuso algum! Sua presença aqui é até agradável.
- Olha o exagero, Pedro. – diz Aiyra, que se levanta. – E se o garoto quer ir embora, deixa! – ela caminha em direção a escada e sobe a mesma.
- Me desculpe pela falta de educação da Aiyra.
- Não precisa se desculpar, senhor Burke. – disse. – Tô me acostumando com o jeito dela.

Nos despedimos... Entrei no carro e fui pra casa.

–--
(Contado por: Aiyra)

Vestida com um pijama de bolinhas prestas, o cabelo preso num rabo de cavalo completamente bagunçado, sentada na cadeira da varanda do meu quarto, lendo um livro e tentando me concentrar ao máximo no mesmo, ouvi o celular tocar, o que fez todo aquele trabalho de concentração cair por terra. Fechei o livro, soltei um suspiro. O celular continuava tocando, me levantei e fui atender. Era o Nick, me chamando para dar uma volta. Ele queria conhecer um pouco mais a cidade, já que iria embora em poucos dias.
Pra mim não era problema algum trocar de roupa e ir encontrá-lo num lugar qualquer, mas havia um impedimento. Na verdade, um gigantesco impedimento chamado Pedro. E ele com certeza não me deixaria colocar a pontinha do nariz para fora de casa, ainda mais a essa hora da noite – passava das onze. Provavelmente começaria a falar de todas as “travessuras” que fiz até agora, o que me faria ter sono do seu discurso e conseqüentemente me faria desistir de sair.

- Não é má vontade ou preguiça, Nick. – tentei justificar. – O Pedro vai brigar comigo outra vez, e não quero deixá-lo com mais raiva.
- E desde quando você se importa? – parecia chateado.
- Não é questão de se importar! – disse, enquanto andava de um lado para outro dentro do quarto. – Estou de castigo por ter fugido no meio da noite. Se eu fizer isso de novo, será a maior confusão e não sei o que ele poderá fazer comigo, entende?
- Quer saber? Esquece! Não preciso de você pra conhecer essa droga de cidade!

Desligou na minha cara e eu ri de sua infantilidade. Joguei o celular sobre a cama e desci até a cozinha. Der repente havia me batido aquela fome e se eu tivesse sorte, um pedaço daquela torta de morango do jantar ainda estaria na geladeira. Ao ver aquela sobremesa suculenta não consegui resisti. Ela estava esperando exatamente por mim. Abri a gaveta e peguei um garfo, me sentei rente ao balcão e saboreei a delicia.
Não sou nada boa de culinária, mas realmente precisaria aprender a fazer doces ou tortas como aquela. Era um sabor indescritível! Fui pega no flagra, quando o Pedro supostamente achou que estava com sede e foi pegar um pouco de água. Mas tenho certeza que veio atrás da torta. Ele não quis confessar, mas só eu sei que ele é um verdadeiro assaltante de geladeira, que não desperdiçaria uma chance como essa.

- Com insônia? – perguntou-me, e colocou um pouco de água no seu copo. Assenti positivamente com a cabeça. – Algum pesadelo te fez vir até aqui para aliviar sua tensão e devorar o último pedaço dessa maravilha?
- Não. – respondi com a boca quase cheia. – Foi só fome mesmo. – ele se senta na minha frente, e por um instante encara minha torta.
- Que sorte a sua encontrar esse último pedaço. Parece muito bom.

O Pedro estava jogando algum tipo de indireta ou era só impressão minha? Não sei. Eu peguei outro garfo e o entreguei. Até parecia uma criança quando sente vontade de comer algo, mas os pais não deixam. Ele ficou me olhando, sem entender direito minha ação.

- Não vai comer? – perguntei. – Se não for, é só falar. – ele riu e me acompanhou na degustação.

Ficamos quietos, ouvindo o barulhinho dos talheres tocando o prato enquanto comíamos.

- Como está indo no colégio? – se manifestou.
- Bem.
- Amanhã é sábado e haverá uma festa, coisa simples, de comemoração dos cinco anos da empresa. – diz ele, largando o garfo de lado. – E eu estava pensando se... Você não queria ir. – permaneci calada. – Seria legal, porque o Bill também estará lá e como vocês dois são amigos...
- Não somos amigos.
- Mas pelo menos passaríamos algum tempo juntos, já que não fizemos isso desde que chegou.
- Pedro...
- Não, eu não vou forçar a barra. – interrompeu. – Eu disse que não iria mais mover um dedo para me reaproximar de você, mas... Você é minha filha e eu preciso disso. – fez uma ligeira pausa. – Só preciso de mais alguns dias pra provar que não sou nada daquilo que sua mãe lhe falou.
- Você nem sabe o que ela me falou. – também deixei o garfo de lado.
- Mas posso imaginar. Ela deve ter dito barbaridades sobre mim!
- Não quero falar sobre minha mãe agora.
- Então, por favor, venha comigo. – segurou minha mão.

Eu não sabia exatamente o que ele queria dizer com “não sou nada daquilo que sua mãe lhe falou”, pois ela não havia me dito nada mesmo sobre o Pedro desde a separação. Muito pelo contrário. Quando ele saiu de casa, seu nome fora proibido de ser pronunciado. O conheci enquanto convivemos na mesma casa por alguns anos, e talvez fosse o suficiente pra mim, ou talvez não.
Confesso, eu estava morrendo de medo de “voltar” a conhecê-lo e descobrir que nada mudou, que ele continuava sendo o pai incrível que tinha sido pra mim. Tinha medo de saber que fui imatura durante essas semanas ou mesmo injusta com palavras e atitudes. E por mais que as lembranças do pior dia da minha vida – quando ele foi embora – tentasse falar mais alto em minha mente, o sentimento de filha que eu ainda sustentava dentro de mim era a última voz de comando.

- Ok. – disse, após um tempo em silêncio. – Eu vou com você. – e ele sorriu.
- Juro que não se arrependerá. – era um sorriso largo, de felicidade.
- Mas que fique bem claro que... – desvencilhei minha mão. – Esse não é um daqueles típicos passeios de pai e filha.
- Tudo bem. – me levantei. – Sei que certas coisas levam algum tempo para acontecerem e... Terei paciência para esperar até que esteja pronta para me receber de volta.

Ele poderia parar de ser tão legal comigo, assim eu me sentiria menos culpada pelas besteiras que cometi. Voltei para o quarto, me sentei na sacada da varanda e contemplei a Lua, que estava enorme e linda. Minha imaginação fértil fez com que eu enxergasse o rosto da minha mãe naquela Lua e uma lágrima escorreu pelo meu rosto. Me lembrei de momentos familiares que tivemos. Momentos que nunca voltariam a se repetir e isso me apavorava. Ela era a única pessoa para quem eu contava todos os meus segredos, apesar de qualquer coisa e agora não está mais aqui comigo. E às vezes sinto que se eu me permitir ser feliz novamente, estarei traindo-a. Como se não fosse justo ser feliz sem a pessoa que mais me apoiou em todas as situações. Estou confusa e não sei mais o que fazer da vida.

Postado por: Grasiele

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