sexta-feira, 27 de abril de 2012

Coração De Outono - Capítulo 3 - Carne nova no pedaço.

(Contado por Aiyra)

Agora eu dormia tranquilamente, depois de despertar a cada sonho no meio da noite. Era um sono muito leve, mas dava pra recarregar as energias. Me lembro de ter visto os ponteiros do relógio em diferentes posições durante a madrugada, como se eu estivesse verificando a passagem do tempo, e de certa forma estava.
Eu sabia que o dia já havia amanhecido pela claridade do quarto, mas não estava nem um pouco a fim de me levantar e encarar aquelas pessoas. Continuei de olhos fechados, e sabe aquele momento em que você tem a sensação de que há alguém lhe observando de muito perto? Então, eu estava sentindo isso. A terrível e assustadora impressão de que, quando eu abrisse os olhos teria alguém me encarando.
Como a minha curiosidade filha da puta sempre fala mais alto, decidi que enfrentaria seja lá o que fosse. Abri os olhos, e me assustei ao ver aquela criança loirinha de olhos claros, parada diante de mim. Ela segurava um ursinho branco nas mãos, e sorriu a me ver de olhos abertos. Me sentei na cama, e ela não parava de me olhar.

- Olá, eu sou a Anna e esse é o Teddy. – mostrou o ursinho. – O papai disse pra eu vir te acordar, se não você irá se atrasar para colégio.
- Colégio?

***

Desci as escadas, saltando alguns degraus. A garota veio me seguindo, fazendo inúmeras perguntas. Não ouvi nem metade delas. Cheguei à sala de jantar, só encontrei a Clarisse, colocando o guardanapo de pano sobre suas pernas. Ela me viu, e sorridente, disse:

- Bom dia.
- Onde está o Pedro? – perguntei, e em seguida o próprio apareceu.
- Bom dia meninas. – diz ele, trazendo uma bandeja com sanduiches.
- Que história é essa de colégio? – cruzei os braços e o encarei. Ele fez um sinal para a Clarisse, que tratou de se retirar com a garotinha.
- Você ainda não concluiu o ensino médio – colocou a bandeja sobre a mesa. –, então eu matriculei você num dos melhores colégios da cidade.

Era só o que me faltava. Eu realmente só precisava de um pai que se preocuparia com o meu futuro. Só não vou dizer que as coisas não podem ficar piores, porque sempre dá pra ficar, principalmente quando se trata de mim. Ultimamente estou me superando, porque tudo, exatamente tudo está dando errado na minha vida!

- Eu não vou pra colégio nenhum! – disse segura de cada palavra.
- É claro que você vai. – falava com tranquilidade. – Só lhe resta um ano, e depois entrará na faculdade...
- O quê? – interrompi. – Isso já tá virando palhaçada!
- Nós não vamos discutir. Você vai para colégio, e ponto final.
- Você não manda em mim!
- Mando sim, e se não estiver pronta – ele olha para relógio de pulso. - em meia hora, te levarei do jeito que está, nem que seja amarrada.

Voltei pro quarto bufando de raiva. Não me conformava em ter que aceitar as “regras” que ele estava impondo pra mim. Sempre fui livre pra fazer o que eu bem entendesse, e agora até para um colégio vou ter que ir. Mas se é guerra que ele quer, é guerra que terá.
Abri o guarda-roupas, peguei uma toalha e fui diretamente ao banheiro. Prendi o cabelo, e fiz minha higiene bucal. Tirei a roupa, as deixando ali no chão mesmo. Liguei o chuveiro e, até deixaria a água ficar aquecida, mas como precisava me aprontar, deixei na temperatura morna, quase fria.
Sai do banho após dez minutos. Caminhei até a varanda para verificar a temperatura externa. Lá fora não estava frio, então poderia usar qualquer coisa. Escolhi uma blusa com estampa de alguma banda de rock, calça jeans e meu inseparável all star. Me coloquei em frente ao espelho, e a minha imagem me agradou. Como de costume, não penteei os cabelos, apenas os baguncei um pouco. De maquiagem, só usava blush e muito rímel, para acentuar o olhar. Passei meu perfume favorito, e novamente sai do quarto, indo para a sala.

- Aqui está a sua mochila. – Pedro me entrega. – Ai dentro tem tudo que você precisa.
- Tenha uma boa aula. – diz Clarisse.

***

Pedro estacionou bem em frente à escadaria que dava acesso a entrada do colégio. Olhei pela janela, e fechei os olhos para tentar desviar o pensamento. Me lembrei de ter passado manhãs alegres com a minha mãe, e sorri ao me lembrar dela. Deixei meu pensamento voltar para um tempo em que as coisas eram mais simples. Ou pelo menos aparentavam ter sido.
Agora eu tinha a impressão de que nada era tão simples. Parecia tudo tão improvável, e me perguntava o que estaria fazendo naquele exato momento se acaso não tivesse sido obrigada a vir morar com o Pedro e sua “família perfeita”. Não era muito difícil de imaginar.
Estava tão absorvida em meus pensamentos, que nem escutava a voz do Pedro me chamar “de volta para Terra”. Abri a porta do carro, e antes de sair, ele segurou meu braço.

- Filha – me virei. -, boa sorte no seu primeiro dia.

Sai sem me despedir. Fiquei mais alguns minutos parada em frente à escadaria, pensando no quanto eu era azarada. Vamos, garota! É só um colégio. Enfrentei aquilo de frente, caminhando por cada corredor, olhando cada porta, tentando encontrar a diretoria. Enquanto isso, algumas meninas que passavam por mim, me olhavam como se eu fosse de outro planeta. Talvez fosse por causa do meu jeito de andar, ou o modo como me vestia, ou até mesmo o corte de cabelo. Até que não é tão ruim assim.
Andei mais um pouco, sem prestar muita atenção no que acontecia à minha volta. Eu olhava para o papel em minha mão, quando alguém esbarrou fortemente em mim. Senti como se tivessem arrancado meu ombro. Ergui a cabeça, e vi um trio de garotos.

- Olha por onde anda! – disse o cara com cabelos compridos.

Aquilo era o maior desaforo! Quem eles pensam que são pra ficar fazendo esse tipo de coisa? Eu poderia optar por ficar calada e esses garotos continuarem me fazendo de “saco de pancadas” por tempo indeterminado. Ou eu poderia arriscar as minhas fixas e talvez queimar meu filme até o final do ano. A segunda opção me agradou mais.

- Porque não volta aqui pra eu te mostrar quem deve olhar pra onde, idiota?! – gritei.

O que eu temia aconteceu. Os três pararam de repente, e se viraram. Começaram a caminhar na minha direção, e ao se aproximarem, encararam meu rosto, me fuzilando com o olhar. Um deles – que usava óculos – soltou uma leve risada, como quem estivesse me dando a chance de me desculpar, e logo depois disse:

- Olha só, pessoal, uma novata na área.
- E ela precisa aprender logo as regras. – o de cabelo comprido disse.
- Calem a boca! – disse o outro que, era alto, usava roupas escuras e barba de mais ou menor três dias, com seu tom de autoritarismo. – Ela já sabe que não deve mais ficar no nosso caminho, não é? – alisou uma mecha do meu cabelo.

Eu tenho que admitir, esses garotos são bonitos e me fizeram criar inúmeras fantasias em minha mente, em questão de segundos. Mas realmente é uma pena que tenham esquecido a gentileza em casa e trouxeram a arrogância.

- Já reparou no tamanho desse corredor? – perguntei, encarando-os. – Não vou mudar meu percurso, só porque um bando de idiotas se acham donos do pedaço. – eles me fuzilavam de certa forma, que cheguei a pensar em sair correndo pra não levar um soco. – Está incomodado, gatinho? – provoquei. – Então mude você o seu caminho.

Eu me diverti, e me diverti muito vendo a reação deles. Ficaram calados, e sabiam muito bem que a partir daquele momento eu não sairia do caminho sempre que os visse, só para desafiá-los. Rebater às minhas provocações também não resolveria muita coisa, e isso apenas serviria para provar que eu sabia exatamente o que dizer. Eles deram as costas, e voltaram a andar.
Segui em frente e finalmente encontrei a sala da direção. Bati na porta e entrei. Falei um pouco com o diretor que, pediu a um professor que me acompanhasse até a sala de aula. A essa altura os corredores estavam praticamente vazios. Dois ou três corredores depois, e chegamos ao “destino final”.

- Bom dia, turma! – diz o professor, com aquele sorriso largo. Ele coloca sua pasta sobre a mesa, todos se sentam e respondem. – Temos uma nova aluna na classe, e eu gostaria muito que fossem educados e a recebessem bem. – alguns cochicharam. – Quer se apresentar? – me perguntou.
- Sou Aiyra Burke.
- Seja bem vinda, Aiyra. – diz ele.

Nunca fui o tipo de aluna que senta nas primeiras fileiras. Na verdade o meu negócio é ficar no fundão, não pra conversar ou fazer bagunça, mas pra me sentir um pouco mais à vontade, e às vezes quando a aula estiver chata, ouvir música sem ninguém reclamar.
Avistei aquele que seria o lugar perfeito pra mim e andei até lá. Me sentei, colocando a mochila sobre a mesa. Peguei o caderno só pra fingir estar copiando as coisas que o professor passava na lousa. Coloquei os fones de ouvido, e quando estava prestes a por uma música, um garoto – com tranças no cabelo, piercing nos lábios e olhar sedutor - sentado à minha frente se vira pra falar comigo.

- Parabéns pela coragem. – diz ele.
- O quê? – tirei os fones.
- É preciso ter certa quantidade de coragem pra encarar aqueles meninos. – eu ri, e ele estendeu sua mão para um cumprimento. – Tom Kaulitz.
- Aiyra. – o cumprimentei, e coloquei uma mecha do cabelo atrás da orelha. – Mas o que eles são, afinal? Donos do colégio?
- O de moicano é filho do cara mais rico da cidade, e os outros dois são capachos.

Isso explicava muita coisa. Está ai a razão pelo trio achar que deve mandar no restante das pessoas. Mas comigo o buraco é mais embaixo. Parei para reparar um pouco e notei que o Tom se parecia muito com o cara do corredor. Era uma semelhança monstruosa. Fiz a pergunta mais óbvia do mundo: se eles eram irmãos.

- Sim. – respondeu. – Mas somos iguais apenas na aparência, porque do resto, somos totalmente diferentes.
- Dá pra perceber. – disse. – Então quer dizer que ele e os outros realmente mandam aqui?
- Pelo menos é o que acham.
- Que idiotas.

Terminei de dizer e os três elementos apareceram bem ali.

- Não sei se você percebeu. – olhei para o dono da voz. – Mas este lugar é meu.
- Ah, fala sério! – disse. – Cadê seu nome escrito na cadeira, que eu não vi?!

Impressão minha ou esse garoto não foi com a minha cara? Ele está me marcando, não é? Quer saber, acho que esse colégio ficará pequeno demais para nós dois! E eu tenho quase certeza que ainda receberei um soco no meio da cara. Mas uma coisa é certa, ele não vai fazer comigo o que anda fazendo com os outros.

Postado por: Grasiele

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