sábado, 24 de novembro de 2012

Taxi - Capítulo 2 - Feijão, patético e humilhante


Eu estava prestes a dirigir uma resposta grosseira e cheia de rancor quando a olhei em minha frente, sorrindo.
Meus olhos cresceram e a mão na minha nuca desceu rápido para minha barriga. Algo ali estava se mexendo rápido demais. Eu estava nervoso.
O que ela estava fazendo ali?
Ela sorriu sem graça, pelo jeito, minha cara de débil estava pior do que eu imaginava.
– Você trabalha aqui? – perguntou ajeitando a alça da bolsa no ombro.
Eu engoli em seco rápido e olhei para os lados com certo desespero estranho.
– Não. – saltou rápido da minha boca – Eu só ajudo... Sabe como é... – dei um sorrisinho.
Seus olhos se franziram e seus ombros relaxaram. Não conseguia olhar para ela por muito tempo, algo em mim dizia que eu estava sendo um louco psicótico.
– Ajuda em troca de dinheiro? – soltou em um tom sarcástico e divertido.
Passei minha mão pela nuca e sorri sem jeito. Me entreguei por completo. Eu era, oficialmente, uma vergonha mundial.
– Eu queria saber se têm tesouras por aqui. – se aproximou do balcão e eu fui para trás abruptamente, derrubando mais uma pilha de cadernos escolares.
– Querer parar de fazer barulho? – Sean aparece na porta, bravo – Querer dormir, hãn! Seu feijón!
Ela olhou para o japonês, assustada, e depois olhou para mim com os lábios contraídos para não rir.
Girei os olhos para Sean, e me abaixei para pegar os cadernos no chão o mais rápido que pude. Ele havia me chamado de feijão na frente dela. Na frente da única pessoa que não poderia ter conhecimento desse xingamento patético e humilhante.
– Quer ajuda? – escutei sua voz ao meu lado, seguido de um aroma de flores de laranjeira. – Não queria ter feito você fazer isso.
– Você não fez! – soltei abruptamente e a procurei com os olhos. Ela estava ao meu lado, próxima como no horário do almoço. – Quer dizer... – gaguejei – Eu me desequilibrei.
– Certo. – sorriu de canto enquanto fitava meus olhos – E então, você tem?
– Tenho o que? – meus olhos cresceram e resvalei para trás.
Ela soltou uma risada divertida.
– Se você continuar se desequilibrando desse jeito, não vai ser fácil nós mantermos uma conversa.
Eu a olhei de canto dos olhos. Ela sorria como se me conhecesse e soubesse o que eu estava pensando.
– Eu tenho que ir agora... – arrumou mais uma vez a alça da bolsa e se levantou. – Até algum dia.
Me ergui rápido enquanto ela caminhava, apressada, até a porta.
– Eu tenho tesouras! – falei alto, me debruçando sobre o balcão, e ela se virou – Tem de várias cores... – minha voz baixou.
Ela jogou o cabelo para trás e veio se aproximando. Engoli em seco e me abaixei para pegar o pote onde as tesouras estavam. Assim que me ergui, ela estava parada apoiada no balcão em minha frente.
Tentei não manter contato com seus olhos. Eu teria dito que a amava sem nem ao menos saber o seu nome.
Coloquei o pote em sua frente, e tirei todas as tesouras de lá. Ela as olhava enquanto eu tinha os braços cruzados para tentar me conter a mais uma vergonha.
– Eu gostei dessa... – me olhou segurando uma roxa – Vou levar.
Passei a mão pelo rosto meio perturbado, enquanto ela tirava a carteira vermelha de dentro da bolsa. Tirou uma nota de lá e colocou em cima do balcão.
– Não precisa. – falei rápido devolvendo a nota para ela.
– Como é? – pareceu não entender. E pra dizer a verdade nem eu sabia ao certo o que estava fazendo.
– Essas tesouras são ruins, pagar por elas é a mesma coisa que jogar dinheiro pela janela. – entreguei Sr. Sean sem pensar. – Pode levar.
Ela me olhou cautelosa e depois olhou para os lados.
– Isso é algum tipo de programa para testar as pessoas que são humildes? – sussurrou se apoiando no balcão.
– O que? – não consegui segurar um riso – Não, a tesoura é ruim mesmo.
Seus ombros relaxaram e ela soltou uma risada baixa junto a mim.
– Então obrigada. – sorriu – Tem certeza que não quer que eu pague?
Passei a língua pelos lábios. Indo nessa onda eu não teria salário algum, e pior, teria que pagar para trabalhar para Sean. Mas por ela, tudo valia.
– Tenho. Pode levar...
Ela colocou a tesoura dentro da bolsa e me olhou pela última vez.
– Obrigada! – sorriu e desapareceu da loja.
Olhei para os lados meio estranho, eu estava me sentindo uma mulher naquele instante. Queria pular e dizer que ela havia falado comigo. Mas me contive. Passei as mãos pelo rosto e cabelo, olhei para a porta e fiz uma cara de que eu poderia ter feito mais, mas não quis.
Era isso que o homem loiro faria.
Mas eu não era o homem loiro. Infelizmente.
Eu era um perdedor.
– Caramba! – exclamei alto ainda olhando para a porta.
Eu queria ter dito que ela era maravilhosa e que sua voz era melhor do que eu imaginava que fosse. Queria ter dito para largar daquele homem estúpido, porque ele só sabia a trair.
Mas eu tive medo. Se eles terminassem, eu nunca mais a veria de novo.
Eu nunca mais veria a possível solução dos meus problemas saindo do táxi amarelo. E nem daria uma tesoura de graça para ela.
Mas eu tinha que aceitar. O máximo de contato que eu teria com a garota do táxi seria de vendedor e cliente, não mais que isso, ou quem sabe, nem isso mais. Afinal, eu duvidava, e muito, que ela voltaria outra vez.
Sai do trabalho com o sermão do Sr. Sean martelando em minha cabeça. Ele disse que no próximo mês eu teria que trabalhar o “dobro” para conseguir pagar a dívida e ganhar uma parte do meu salário. Eu inventei de chorar para ele, mas não foi de verdade, pelo menos eu acho. Foi uma estratégia, disse que precisava de uma parte da grana para pagar a faculdade. O que era verdade. Ele aceitou, ou fez parecer que aceitou.
Contudo, trabalhar nos fins de semana era a minha nova rotina.
Desci as escadas do metro, sem antes olhar o homem loiro aos beijos com a atendente da sorveteria.
Francamente, ela não trabalha?, pensava enquanto passava pela catraca. Sentei no banco do metro. O garoto da minha frente me fitava estranho, ele tinha umas gomas de mascar em mãos e eu já estava pensando que aquele pivete iria jogá-las em mim.
Desci depois de três estações e corri até a universidade, estava no fim do semestre, eu desejava férias mais do que tudo e menos do que a garota do táxi.
No outro dia acordei meia hora antes de meu despertador tocar. Tomei uma xícara de café e fui para a papelaria do Sr. Sean. Arrumei as prateleiras de envelopes que o japonês pediu e fui almoçar.
Não a vi nem antes e nem depois que sai da loja.
Fiquei na praça, fingi que folheava algumas revistas enquanto olhava para os lados a procurando. Desisti assim que o dono da banca de jornal perguntou se eu ia levar ou não o que eu estava segurando.
Acendi um cigarro enquanto voltava para a papelaria. Fiquei alguns instantes do lado de fora até chegar ao filtro, joguei na calçada, mas antes que eu pudesse tomar a atitude de entrar na loja, Sr. Sean me puxou pelo braço, bravo, e foi me arrastando para dentro.
– Onde você estar? Um cliente querer feijón, eu disser que nón ter, mas ela insistir. – ele falava apressado, enquanto eu tropeçava nos meus próprios pés para acompanhá-lo.
– O que você está falando? – perguntei com raiva. Se ele não sabia falar que a papelaria não vendia comida o problema era dele – Não vendemos feij...
Minha voz sumiu quando a vi parada perto do balcão. Seus olhos sorriam, mas sua boca estava séria.
– Eu cuido disso Sean, pode descansar. – falei olhando para a estante ao meu lado.
O que ela estava fazendo ali outra vez? Eu jurava que nunca mais a veria dentro daquela papelaria com o nome errado.
– Estar bem. – ele me olhou de canto dos olhos e sumiu pela porta dos fundos.
– Nós não vendemos feijão. – pigarreei desconfortável enquanto ia para trás do balcão.
– Achava que ele te chamava de feijão... – sorriu sem jeito e eu quis morrer por dentro. Ela havia guardado aquilo – É que eu não sabia seu nome, então...
Ela estava procurando por mim? Era isso mesmo que estava escutando?
– Bill. – falei apressado, enquanto seus olhos grandes me fitavam.
– Marianne. – falou e no intervalo de tempo em que ela tirou a tesoura de dentro da bolsa eu pensei em milhares de ligações entre ela e seu nome. Devia significar algo como “Sol” em alguma língua que eu não conhecia. Ou uma língua inventada por mim. Não importava. Para mim o nome dela era o mais bonito. Ela era o sol de todas as maneiras, o sol que chegava para alegrar tudo e iluminar vidas. Marianne precisava significar sol, pelo menos pra mim.
Eu estava apaixonado. Uma paixão platônica e louca pela garota que eu sempre via saindo do táxi amarelo.
– Bill, ela é muito boa! – sua mão escorregou com a tesoura pelo balcão até parar em minha frente. – Vou ter que devolvê-la. Não paguei.
Olhei a tesoura roxa por algum tempo e sorri debilmente.
– Não é mais fácil você pagar por ela? – a olhei, confuso.
– Erm... – ela pareceu ter ficado nervosa – É mesmo, que cabeça a minha...
– Mas não precisa pagar, eu dei ela para você. – arrastei a tesoura pelo balcão para sua frente, mas ela me parou com uma das mãos.
– Eu quero pagá-la. – me deu a nota enquanto segurava minha mão. – E se não aceitar, eu sinto muito, vou ter que levá-lo para tomar um sorvete.

Postado por: Grasiele

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