sábado, 24 de novembro de 2012

Taxi - Capítulo 1 - Feijón


Foi de um grande táxi amarelo que ela saiu.
Eu andava apressado pelas ruas do centro, enquanto pensava em como poderia arranjar o dinheiro que tinha sumido da mesa do meu chefe. Foi no meio de uma desculpa estúpida sendo formada na minha cabeça que eu a vi.
O táxi amarelo estacionou do outro lado da rua, e eu o olhava com indiferença pensando nos milhares de empréstimos que eu poderia fazer.
A porta se fechou e ela se virou.
Ela andava pela rua com o nariz empinado como uma estátua do céu. Seus braços eram pecaminosos e suas pernas eram longas.
Por um momento eu pensei que ela seria a saída para todos os meus problemas. Outra vez.
Com o vestido floreado passando por suas pernas levemente bronzeadas, eu me perdi em uma doce fantasia. Ela sorriu em minha direção e atravessou a rua como se me conhecesse há tempos. Tão segura de si, ela se aproximou de mim e esbarrou seu ombro no meu.
Logo as buzinas começaram a soar nos meus ouvidos. Eu acordei e a notei ao meu lado. Mas não de mãos dadas comigo, e sim de mãos dadas com outro cara.
Respirei fundo e dei um sorriso débil para o chão.
Era a quarta vez que a via naquela semana. Décima primeira no mês.
No horário do almoço eu descia e caminhava até o Marcy’s para comer um prato executivo pela metade do preço. Tinha uma hora para comer, fumar, folhear algumas revistas chatas e tentar chamar a atenção de alguma mulher bem sucedida que caminhava pelo parque central. Na maioria das vezes bolava um plano ridículo para matar meu chefe, mas eu logo desistia por não ter coragem nem de matar minha própria infelicidade de ter um emprego medíocre.
A primeira vez que a vi, foi saindo do mesmo táxi amarelo e indo em direção as lojas da esquina. Ela sempre se encontrava com um homem loiro e alto, trocavam carícias no restaurante caro em frente ao Marcy’s e se despediam.
Ela pegava o táxi e ele entrava na sorveteria para levar a atendente para um motel barato.
Eu ficava me perguntando o que ele pensaria se a visse entrando no táxi amarelo pela última vez. Ele não sabe que a tem, não sabe até a perdê-la.
Todo o dia ela chegava com um embrulho em mãos. O mesmo embrulho rosa do melhor chocolate da cidade.
Uma vez, fiquei parado na vitrine do restaurante só para ver como ela o olhava. E por Deus, eu gostaria de ser olhado daquela forma. Ela se sentava e sorria para ele. O loiro podia ser um cafajeste, mas sempre a abraçava e lhe entregava flores quando recebia a trufa de morango de todos os dias.
Em um horário de almoço, que não consegui vê-la, caminhei três quarteirões até a loja de chocolates do Phill’s e comprei uma trufa de morango. Pedi o embrulho rosa e mandei para o meu endereço.
Cheguei a casa na noite do mesmo dia e depois de vinte minutos o porteiro bateu a minha porta dizendo que eu havia uma encomenda. Era a trufa de morango que eu havia comprado. Mas não era a mesma que eu sempre a via carregando. Era diferente, era diferente porque não era ela que carregava, e sim Freddie, o porteiro gordo e com a barba para fazer do meu prédio.
Comi a trufa e sentei no sofá.
Eu queria aquela mulher para mim. Eu saberia como me dar com ela. Saberia cada sorriso, cada expressão de seu rosto, e caramba, eu nunca faria o que aquele homem faz. Nunca.
Embebedei-me naquela noite por uma mulher que eu não sabia nem o nome. Tive uma ressaca humilhante, e Sean, meu chefe raquítico e estranho, falou que eu teria que conferir o estoque inteiro da papelaria. Meu dia estava uma merda. Eu não queria nem uma pausa para almoçar.
Era ridículo demais, enquanto eu contava os apontadores dos Power Rangers, cantarolava o refrão de Total Eclipse of the Heart como um coitado deixado em uma beira de estrada.
Era a única coisa que conseguia lembrar enquanto ela caminhava ao meu lado de mãos dadas com ele. Eu indo para o Marcy’s e eles indo para a mesma mentira de sempre, uma verdade para ela.
Pedi o mesmo de sempre e sentei na cadeira no fundo do restaurante. Depois de um tempo minha mente foi sendo ocupada pela ideia estúpida de eu ter ido para o fundo da papelaria do Sr. Sean, enquanto havia quinhentos dólares em cima do balcão.
Não preciso nem me lembrar que quando voltei com um pote de sorvete ele não estava mais lá. Procurei até dentro dos ursos de pelúcia, mas aquela merda tinha sumido de vez.
Quem dera que a garota do táxi amarelo fosse minha salvação. Pelo menos eu teria uma desculpa suficientemente boa para conversar com ela.
Juntei o vale refeição, larguei em cima do balcão do restaurante e sai. Talvez eu pudesse guardar os vales refeições a partir daquele momento para juntar um dinheiro legal e entregar ao Sr. Sean.
Mas aquele velho ia mesmo descontar do meu salário. Já que se ele me demitisse nunca conseguiria alguém para colocar no meu lugar. Não que eu seja bom, mas ninguém quer trabalhar em uma papelaria chamada “Vai e zem do papel” com um japonês te chamando de “feijón” toda a vez que faz algo de errado.

Acendi o cigarro e olhei o homem loiro entrando na sorveteria.
– Patético. – murmurei e atravessei a rua. Depois de algum tempo folheando uma revista sobre “como sobreviver a um amor não correspondido”, o vejo saindo de mãos dadas com a atendente e subindo no motel mais furreca do mundo.
Giro os olhos. As duas deveriam ter um homem melhor.
Apaguei o cigarro no chão e voltei para a papelaria.
– Estar atrasar vinte minutos! – ouço Sean gritar no meio de uns cadernos universitários – Non querer mais esse tipo de atrasar.
No início era difícil entender o que Sr. Sean queria dizer. A primeira dica do emprego que recebi foi: “Non aceitar do dóla para nadar.” A única saída foi concordar, mesmo não fazendo ideia do que ele queria ter dito.
Depois de quatro meses no emprego descobri que ele queria avisar para não aceitar dois dólares por nada. Acho que ele não queria ser enganado por nenhum cliente, já que o japonês era mais mão de vaca que meu próprio pai.
Era vendo o Sr. Sean que eu me perguntava quando eu cairia na real logo. A garota do táxi amarelo nunca se encaixaria ali, em hipótese alguma. Minha vida era medíocre, a dela não... Pelo menos, na visão dela continuava intacta e perfeita.
Talvez a mentira seja uma saída legal para todos, mas não por muito tempo.
Você espera que ela te olhe, seu tolo? Você espera alcançar essa jóia sombria?, eu pensava sempre que a via e depois olhava o Sr. Sean roncando no fim da papelaria. Mundos diferentes, que seria uma tortura se se encontrassem.
Minha vida era repleta de cigarros, crianças chatas pedindo balas toda a hora, faturas da faculdade e sonhos interrompidos. A dela era cheia de cor, felicidade e passarinhos cantando quando ela falava.
Ela era uma princesa, e eu mal chegava a um girino.
– Não vou mais me atrasar, me desculpe. – bocejei e me arrastei até atrás do balcão.
Sean me olhou de canto dos olhos e saiu para os fundos. Debrucei-me sobre os relógios de plástico e liguei o som. Tocava alguma canção que os adolescentes não paravam de escutar em festas armadas na garagem de casa. Deixei naquela mesma.
Me virei pelo balcão e alguns relógios caíram no chão. Relutante, me abaixei para pegar.
Eu era uma vergonha nacional, mundial... Tanto faz. Eu era uma vergonha para mim mesmo. Mas de alguma forma eu me divertia com minha infelicidade e alegria repentina por alguma coisa insignificante, como: conseguir cozinhar um arroz sem queimar.

A verdade era: eu ficava feliz com qualquer coisa que desse certo.
O sino da porta soou e me ergui rápido acertando em cheio minha nuca no som ligado. A voz da piração teen pipocou e foi diminuindo. Menos trezentos e cinquenta no meu salário.
Larguei com raiva o relógio de plástico no balcão e coloquei a mão na nuca. O dia estava brilhando como uma lâmpada queimada.
– Erm... Me desculpe, você se machucou? – escutei alguém dizer enquanto eu andava de um lado para o outro afoito.

Postado por: Grasiele

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