terça-feira, 1 de maio de 2012

Coração de Outono - Capítulo 21 - O desenho e a música.

(...) Refletindo sobre todos os meus erros
Eu acho que encontrei o caminho para algum lugar (...)
(Contado por: Aiyra)
Aula de história e metade da classe dormindo. Nem o próprio professor estava com ânimo pra falar sobre o assunto e de tempos em tempos ele desviava o foco e batia resenha com aqueles alunos que ainda escutavam alguma coisa. Olhei pra trás e Bill parecia concentrado nos rabiscos do caderno. Como se tivesse percebido que eu o olhava, ele ergue a cabeça e dá um quase sorriso. Diferente de mim, que acabei dando um sorriso, tímido, mas ainda era um sorriso.
Porque você? Me perguntei. Poderia ter sido qualquer um desses garotos do colégio, mas não, tinha que ser justamente ele. O cara com quem mais briguei do que conversei. Como foi que você me chamou atenção? É uma simples ironia ou apenas coisa do destino? Isso por acaso estava escrito em algum lugar? Quem foi que escreveu? Minhas perguntas ainda não tinham respostas concretas e talvez eu só fosse descobrir com o tempo. Tempo. Engraçado como em certas atitudes ou escolhas nós temos que simplesmente aguardar pra – quem sabe – descobrir o verdadeiro significado delas.
O sinal tocou e aquele foi o despertador dos dorminhocos de plantão. Enquanto eu recolhia minhas coisas e as colocava dentro da mochila, um bilhetinho fora deixado sobre minha mesa. Não vi quando e quem o colocou ali, mas até poderia imaginar. A curiosidade instantânea me fez abri-lo.
“Já disse que seu sorriso é lindo?
Preciso te mostrar algo.
Me encontre na sala de música.”
Passei no meu armário e coloquei a mochila dentro do mesmo. Segui o caminho para a sala de música, tomando devidos cuidados para não ser descoberta por ninguém, ou até mesmo seguida. A cada corredor eu parava e espiava pra ver se não tinha alguém por ali. Por ser uma área restrita, estava praticamente tudo vazio. Sendo intervalo, o pessoal todo se encontrava no refeitório ou próximos às salas de aula.
A cada passo que dava, tentava adivinhar o que ele tanto queria me mostrar. Pensei em inúmeras coisas e a maioria delas não fazia o menor sentindo – pelo menos não pra mim. E quando estava quase me aproximando, cheguei a conclusão de que só descobriria mesmo quando atravessasse aquela porta. Só poderia ser algo relacionado à música. Claro, não poderia ser mais óbvio! Se bem que, o próprio Bill disse para mantermos segredo e talvez ele não quisesse apenas ser visto comigo pelos corredores. E parando para pensar direitinho, ele até que tinha razão. O que as pessoas falariam? Num instante estamos brigando feito gato e rato, n’outro estamos caminhando de mãos dadas como se tudo não passasse de uma brincadeira? E também tem o lance com a ex-namorada dele. Não sei quem é a garota e se estuda aqui, mas não faço a mínima questão de saber. Puro orgulho feminino. E se ela for incrivelmente linda? Se tiver um olhar de arrancar suspiros? Eu já teria descoberto tudo isso, se ela fosse o que minha mente estava imaginando – uma garota alta, loira, olhos azuis, sorriso branco feito a neve, pele de porcelana, roupas de grife, unhas bem feitas, perfume importado e sapato de salto. Uma verdadeira patricinha. Não é completamente difícil de encontrar por aqui, já que a maioria das meninas parecem ser todas iguais. Eu que sou a ovelha negra.
- Tem certeza que não seremos pegos desta vez? – perguntei, terminando de fechar a porta.
- Corremos o risco. – responde ele, fechando a apostila com partituras. – Mas para quê serve o armário das vassouras? – eu ri e me aproximei.
- Eu tô começando a pensar que aquilo foi armação, sabia?
- O quê? – ele ri. – Acha mesmo que eu seria capaz de armar uma situação daquelas pra ficar coladinho com você num cubículo?
- Acho.
- Não sou desses. – enlaçou minha cintura e me puxou para mais perto. – Mas se você quiser, eu posso ser qualquer coisa. – encostou seus lábios nos meus e depositou um selinho demorado. – Eu disse que queria te mostrar uma coisa e é isso que farei. – se sentou em frente ao piano. – Tá pronta?
- Seja lá o que for... Sim.
Bill começou a tocar. Era aquela música que eu havia escutado na primeira vez que vim aqui, mas havia algo diferente. Além da melodia, a canção agora tinha letra. Foi ai que descobri seu novo talento. Fiquei boquiaberta, tinha tanta verdade naquelas palavras, que pareciam ter sido escolhidas cuidadosamente. Não bastava saber tocar bem, ele tinha que saber cantar divinamente. Viajei. Literalmente viajei ouvindo-o.
Ao terminar de tocar, ele ficou me olhando. As palavras tinham fugido completamente da minha boca e cogitei a possibilidade de consultar um dicionário para definir o que acabei de ouvir. Pensei, repensei e nada. Nenhuma palavra se quer. Não tinha como expressar e se tivesse, eu não sabia como.
- Você gostou? – pergunta Bill.
- Claro! – me sentei ao seu lado. – A música é muito linda. E eu não sabia desses seus dotes artísticos.
- Tá ai mais um segredo que só você sabe.
- Caramba, tô me sentindo um verdadeiro padre num confessionário. – brinquei e nós rimos. – Mas fico feliz por saber que confia em mim.
A cada dia que passo com o Bill, descubro uma nova habilidade sua. Não entendo o motivo dele não mostrar isso pra mais ninguém, pois eu aposto que as pessoas adorariam saber que há um ótimo músico no colégio e que um dia – com todo seu esforço e dedicação – poderá se tornar uma estrela.
Aproximei meu rosto do seu, na intenção de lhe dar um beijo, mas o sinal tocou novamente. Era hora de voltarmos para a classe. Se chegássemos atrasados, juntos, logicamente desconfiariam. Para evitar esse tipo de coisa, eu iria primeiro.
- Tem algum compromisso pra essa noite? – perguntei antes de sair.
- Que eu me lembre, não. – responde ainda sentado.
- Passa lá em casa mais tarde. – disse. – Quero te mostrar algo.
***
(Contado por: Bill)
Olhei pela janela e havia algumas nuvens no céu, pareciam estar se formando para uma noite chuvosa. Com o calor que prosseguia dos dias anteriores, era esperado que isso acontecesse. Numa forma de prevenção, coloquei um casaco de cor cinza e vi o Gordon entrar no quarto sem bater na porta. Com aquele seu jeito autoritário de sempre, me fez inúmeras perguntas.
Me imaginei sentado numa cadeira em frente a uma mesa em uma sala completamente vazia. Um policial mal encarado executando seu trabalho fazia um interrogatório, como se eu tivesse acabado de matar alguém ou encobrindo o verdadeiro culpado. Eu respondia, tentando não falar nada que pudesse me comprometer. Por fim eu finalmente dizia que só abriria minha boca na presença do meu advogado ou de um juiz.
- Porque a demora? – ele caminha até a janela e olha para fora. – Eu não te pedi nada demais – me olhou. -, mas mesmo assim você tem a capacidade de não conseguir.
- Estou fazendo o possível. – disse. – Não posso ir com muito cede ao pote, ela pode acabar desconfiando e você não quer que as coisas dêem errado, não é?
- Espero que pelo menos esteja cumprindo com sua palavra.
- Era exatamente isso que eu iria dizer ao senhor, sabia?
- Não confia em mim? – chegou mais perto. – Seu próprio pai?
As palavras saiam de sua boca com tanta convicção que realmente cheguei a acreditar que pudesse estar falando a verdade. Por vezes eu lutava contra mim mesmo, dizendo que meu próprio pai não seria capaz de me enganar. Mas ele era tão capaz quanto eu, que estava prestes a ver minha vida desmoronar por uma decisão precipitada que tive. Era difícil ter que aceitar algo assim.Como minha mãe pôde e teve coragem de se envolver com um homem feito ele? Quando se conheceram, será que ele agia da mesma maneira que agora? Era tão ganancioso assim? Eu queria saber, tirar minhas dúvidas. Mas com toda certeza acabaria machucando-a de alguma forma.
- Sim. – disse. – Eu confio. – menti.
- Perfeito, pois estou depositando todas as minhas fichas em você.
- Fica tranqüilo. Daqui a pouco o senhor poderá enviar a papelada pro Burke e reze pra ele assinar.
- Ele vai assinar. – sua voz estava firme. – Caso contrário, dê adeus a sua faculdade de música e se empenhe pra ser o meu substituto na empresa.
Eu me encontrava num beco sem saída. Não tinha nenhuma alternativa a meu favor, qualquer uma das escolhas me faria sair perdendo e de qualquer modo, eu teria que apontar para uma delas.
***
Toquei a campainha e aguardei. Fui atendido pela empregada da casa - uma mulher baixinha, sorridente, alguns fios de cabelo branco e voz meio rouca. Na sala encontrei o pai da Aiyra, que bebia uísque. Ele me recebeu com a mesma simpatia e me ofereceu algo para beber. Recusei. Disse que estava ali apenas para conversar com sua filha e que não seria nada demorado. Bom, era isso que eu esperava.
A casa inteira estava quieta e o silêncio que predominava ali naquela sala era muito pior do que eu poderia pensar. Nós dois sentado quase de frente um para o outro, sem dizermos nada. Meio constrangido, foi assim que fiquei. Apareça logo Aiyra, vamos, apareça logo. Ela estava no banho e eu rezava para que não demorasse mais de dez ou quinze minutos.
- Mas então Bill, quais são suas intenções com a minha filha? – Pedro quebra o silêncio.
Continuei calado, pois a pergunta me pegou meio que de surpresa. Eu não estava ali para pedir a mão dela em namoro ou qualquer coisa que direcionasse a um compromisso sério. Eu só queria saber a razão pela qual ela me convidou para vir. O Pedro me encarava e eu sabia que deveria responder algo antes que fosse expulso por justa causa.
- As melhores possíveis. – respondi. Minhas mãos suavam.
- Vocês estão namorando? – continuou.
- N-Não. – senti o suor escorrer frio. – Ainda não.
- Escuta, se você magoar a minha filha, eu te caço até no inferno se for preciso. – deu um gole na bebida. Fiquei com medo. – E isso não é uma ameaça, é uma promessa.
- Sim senhor.
No mesmo instante a Aiyra aparece e pude respirar mais aliviado. Pedi a ela que nunca mais me deixasse sozinho com seu pai, já que as coisas estavam começando a mudar. Ela riu de mim, perguntou se ele tinha dito algo e neguei. Não queria criar qualquer tipo de conflito entre ele.
Entrei em seu quarto e percebi que ele deveria ser exatamente como é. O cômodo mostrava a personalidade dela e sua visão sobre a arte. Tinha alguns quadros pendurados na parede, objetos feshionistas sobre a escrivaninha, almofadas diferentes e um telefone em formato esquisito.
Sentei-me em sua cama – ultra confortável -, enquanto ela mexia no guarda-roupa. Olhei em volta, vi um porta-retrato em cima da mesinha de cabeceira. Levantei-me e fui olhá-lo. Pela semelhança, aquela só poderia ser sua mãe. Era a cópia perfeita uma da outra, foi isso que notei. O mesmo sorriso, a cor dos olhos, o formato do rosto... Tudo, exatamente tudo idêntico.
- Sua mãe era muito bonita. – comentei.
- Era sim. – me virei para olhá-la e havia um sorriso nos seus lábios. – Muito bonita.
- Sente muita falta dela, não é? – coloquei o porta-retrato no lugar. Seus olhos marejaram e ela balança a cabeça, confirmando que sim.
Desculpei-me por ter tocado naquele assunto e ela me entregou uma cartolina.
- O que é isso? – estava curioso.
- Abra. – ela se senta na cama.
Ao abrir, me deparei com um desenho. Não um simples desenho, mas algo incrivelmente indescritível que parecia ser uma fotografia. Os traços eram tão perfeitos, o acabamento... Eu não conseguia definir e me perguntei como Aiyra conseguiu fazer algo tão divino. Um trabalho como aquele muitos fazem, mas poucos conseguem chegar próximo ao que ela fez.
- Não saiu tão bom quanto deveria, porque eu não tinha um modele em minha frente.
- Tá brincando? Ficou perfeito! – estava impressionado. – Como... Conseguiu?
- Eu... Visualizei seu rosto em minha mente.
- Quer dizer que voltou a desenhar?
- Parcialmente. Isso foi um teste, eu só queria ver se ainda sabia.
- Está aprovada no teste. – ela sorri.
Deixei a cartolina sobre a escrivaninha e me sentei ao seu lado. A ficha ainda não tinha caído e eu não sabia como agradecer. A culpa começou a soar em minha cabeça e naquele momento me segurei para não contar toda verdade. Tive medo de sua reação e muito mais do que aconteceria se soubesse.
Desviei os pensamentos, lhe dando um beijo. Esse mesmo beijo que começou calmo e delicado, aos poucos foi se transformando e dando espaço para o desejo. Se continuássemos naquele mesmo ritmo, não sei aonde poderíamos parar. Confesso que estava ficando excitado, mas eu não queria que acontecesse com ela da mesma maneira que acontecia com outras garotas. Aiyra é especial e mesmo sabendo que um dia me arrependerei de certas coisas, não vou deixar que pense que estou me aproveitando da situação.
- É melhor a gente parar. – disse, me levantando. – Porque eu tô ficando...
- É, eu sei. – interrompeu e nós rimos.
- Não pegaria muito bem se fosse aqui.
- Ainda mais com o Pedro em casa.
Ficamos calados por um tempo.
- Então... Acho que tá na hora de ir. – disse. – Nos encontramos amanhã na sala de música, no mesmo horário.
- OK. – me aproximei e lhe dei um selinho.
- Se cuida.
- Você também.
 Postado por: Alessandra

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