terça-feira, 1 de maio de 2012

Coração de Outono - Capítulo 26 - Segredos revelados.

(Contado por: Aiyra)
Eu tentei. Eu juro que tentei de todas as maneiras possíveis, me livrar do castigo. Mas o Pedro parece não ter um coração de manteiga, como a minha mãe tinha. Ou pelo menos ele não demonstra ter um. Nossa relação estava um pouco melhor que antes, mas as coisas ainda continuavam complicadas. Eu queria ter a mesma liberdade que tinha em minha antiga cidade, mas com a presença dele é praticamente impossível e por conta disso, nossas discussões só pareciam se agravar a cada dia.
O pai super protetor, depois de ter descoberto que transei com o Bill, resolveu diminuir um pouco mais as rédeas. Nosso namoro virou antigo, e – não sendo exagerada – chegava a ser meio constrangedor. Estávamos quase naquele estágio em que o casal se senta num sofá, e os pais n’outro, de olho em tudo que acontecia. Se a quantidade de beijos ultrapassasse o limite, era motivo para ouvirmos um “vai com calma, rapaz!”. Para sorte e alegria inteira da nação – Bill e eu -, tínhamos a Clarisse. Ela era nosso escudo protetor que, com seu jeitinho todo especial, convencia o Pedro de que ele é quem estava passando dos limites. Às vezes ela deixava de trabalhar até mais tarde, para levá-lo a um restaurante ou qualquer outro lugar que não seja no mesmo espaço de terreno ou quarteirão que o nosso.
Numa dessas discussões com o Pedro, acabei falando demais. Joguei-lhe na cara todas as – piores – coisas que aconteceram em minha vida, e disse que tudo era por culpa dele. Boa parte era bem verdade, mas eu não tinha direito algum de ficar remoendo o passado e escolhendo “vítimas” para descarregar minhas frustrações. Havia prometido a mim mesma que deixaria esses acontecimentos afastados de minha mente, pois não me levariam a nada. O que aconteceu, aconteceu! Não dá pra mudar, muito menos fazer com que se sinta culpado para o resto de sua vida. De alguma forma, pareço estar me igualando a ele. Cutucando feridas que estavam praticamente cicatrizadas.
Pensei, repensei muito. Desci as escadas, indo em direção ao escritório para lhe pedir desculpas. Além de ganhar um crédito a mais, eu estaria fazendo algo bom para mim mesma. E antes de bater na porta e entrar, ouvi uma discussão sua com a Clarisse. Nesses poucos meses de convivência, nunca havia presenciado algo como aquilo. Pra falar a verdade, nunca tinha os visto ter uma troca de olhar diferente, qualquer coisa que indicasse que estavam irritados ou bravos um com o outro.
- Eu tô cansada! – Clarisse quase gritou. – Essa história está se transformando numa bola de neve, pode ser perigoso!
- Meu amor, é o risco que precisamos correr para que tudo dê certo.
- A Anna é só uma criança, e a Aiyra não pode ser envolvida nisso!
Ao escutar meu nome, fiquei ainda mais interessada na conversa. Notei que as pessoas dessa casa têm a terrível mania de guardarem segredinhos, e mesmo que eu adentrasse aquele lugar para pedir devidas respostas, ninguém me contaria. Eu sei que é feio, mas não custa dar uma “inspecionada”, só quero saber do que se trata e porque a Clarisse estava zangada.
- Eu jurei que acabaria com ele! – disse Pedro. – A minha vida virou um inferno por causa dele. Até da minha filha tive que me afastar. Agora não tenho o direito de mostrar ao mundo quem de fato é aquele canalha?!
- Pedro, e se acontecer alguma coisa às meninas? – sua voz estava mais calma.
- Não vai acontecer absolutamente nada! Eu prometo que protegerei vocês três com a minha própria vida, se for preciso.
Escutei “tudo” e não entendi absolutamente nada. Peguei a conversa pela metade e as frases vieram incompletas. Nada do que eu pudesse pensar, se encaixava. É nesse momento que, sem aviso prévio, entro no escritório. Os dois, que estavam abraçados, se afastaram um pouco e me encararam. Inicialmente agiram como se nada tivesse acontecido, e se a minha falta de educação não tivesse falado mais alto, eu poderia jurar que eles só tiveram uma discussãozinha sem importância e agora estavam fazendo as pazes.
- Do que estavam falando? – perguntei.
- Assuntos de empresa. – responde Pedro.
- Jura? – falei com cinismo. – Não foi bem isso que acabei de ouvir. Vocês discutiram, e escutei claramente quando disseram meu nome. – se entreolharam. – Qual dos dois vai simplificar tudo e me explicar o que está acontecendo?
- Eu preciso ir para o ateliê. – Clarisse logo tirou seu corpo fora, e foi trabalhar.
- Não há nada a ser explicado. – Pedro desconversa e sai do escritório, indo para a sala. Fui atrás.
- Já conversamos sobre eu não ser mais uma garotinha inocente, até porque você sabe que de inocente não tenho nada. – me fuzilou com o olhar. – Mas parece que não entende isso, não é? – continuava seguindo-o.
- São assuntos pessoais, que não precisam ser divididos com você. – diz ele. – Coisa de adulto.
- Fala sério?! – segurei seu braço, e ele se vira pra mim. – A garota que perdeu a mão tragicamente, consegue ser um pouco mais forte e está bem crescida pra agüentar qualquer coisa. – Pedro suspira.
- Só posso dizer que, quanto menos você souber mais segura estará.
- Mas eu não sei se sei de alguma coisa.
- Ótimo!
Como a água escapa por entre nossos dedos, novamente ele me dá as costas. Sentou-se no sofá central da sala, pegou o controle remoto, ligou a televisão e começou a assistir ao canal de jornalismo. Minha perseverança – à vezes irritante – iria me ajudar, porque eu realmente estava disposta a descobrir o que rolava e porque ele não queria me contar. E quando estava prestes a me sentar ao seu lado, a campainha toca. A empregada passa e vai atender a porta.
Instantes depois o Gordon aparece, vestido formalmente – terno e gravata, escuros – e com um sorriso nos cumprimenta. Se ele não fosse sócio do Pedro ou se eu não estivesse namorando o Bill, com certeza essa visita seria um tanto quanto estranha. De qualquer forma, estranhei. A hora se aproximava das 15h00, e normalmente as reuniões acontecem em seu próprio escritório.
- Desculpem-me por ter vindo sem avisar. – diz Gordon, com um sorriso.
- Não, está tudo bem. – diz Pedro. – Aconteceu alguma coisa? – o convida para se sentar.
- Na verdade, não. – respondeu, se sentando. – Mas como sou pai, e odiaria ver um dos meus filhos sendo enganado, me senti na obrigação de vir.
- Poderia ser um pouco mais claro, por favor? – pergunta Pedro, com tom de dúvida na voz. E eu fiquei apenas ouvindo, também sem entender.
***
(Contado por: Bill)
Terminava de fazer um lanche no fim da tarde, quando o Tom apareceu na cozinha e se sentou de frente para mim. Esse é um dos poucos momentos “família” que temos. Geralmente um de nós está vagando pela cidade, no caso dele, à procura de uma nova “presa” para se alimentar. Nossos diálogos eram curtos e sem muito nexo, acho que aquela cumplicidade começava a acabar aos poucos. Não que eu goste de ficar afastado do meu irmão, e apesar de sermos gêmeos, não precisamos sempre fazer as mesmas coisas ou estarmos nos mesmos lugares.
- Falei com o Gordon. – disse, enquanto bebericava um suco de melancia.
- Ele reagiu bem? – perguntou.
- Ah sim. – respondi. – Nós até rimos da situação, concordamos que era uma grande bobagem e fizemos o trato de nunca mais usar as pessoas. – fui irônico.
- Foi tão ruim assim? – ele comeu um pedacinho de bolo.
- Me chamou de fraco. – fiz uma breve pausa. – E ameaçou acabar com a minha carreira.
- Eu avisei pra não entrar nessa. – bebeu um pouco de suco. - Conhece muito bem o nosso pai e sabe do que ele é capaz.
- Como eu poderia adivinhar que iria gostar tanto dela? – limpei os lábios com o guardanapo.
- Se tivesse me escutado, não estaria numa situação como essa.
- Obrigado, está me ajudando bastante.
- A questão é: você pretende contar pra ela?
- Com certeza, mas... Não tenho a menor ideia de como fazer isso.
- Independente de qualquer coisa, diga que a ama. – riu. – Deve funcionar.
***
Toquei a campainha de sua casa e aguardei até que viessem atender. Devo ter esperado de três a quatro minutos, e fui recebido pela própria Aiyra, que estava séria. Me inclinei para lhe dar um selinho, mas ela virou o rosto. Será que estou com mau hálito? Foi a primeira coisa que pensei. Mas além de séria, ela estava calada. Depois sua expressão mudou, e seu rosto demonstrava estar com raiva. Fiquei preocupado.
- Você gostou de brincar? – pergunta ela, aparentando estar com mais raiva que há poucos segundos.
- O quê? – não tinha entendido.
- Comigo. – respondeu, e vi seus olhos lacrimejarem. – Gostou de brincar comigo, enquanto eu realmente acreditava que você gostava de mim? Foi legal?
- E-Eu não sei do que está falando. – me aproximei e ela deu um passo para trás. – Eu gosto de você, gosto muito.
- Tem certeza? Porque não foi bem isso que seu pai me disse.
Ao saber que o Gordon havia feito-lhe uma visita incomum, a minha ficha caiu. Eu não deveria ficar surpreso, mas era inevitável. Ele só estava cumprindo o que “prometeu”. Disse que poderia acabar com a minha carreira para o resto da vida, e acho que isso incluía arruinar minha vida pessoal também.
Minha situação estava complicada, e continuar mentindo não adiantaria nada. Se eu pudesse fazer um desejo, desejaria que ela não tivesse descoberto dessa maneira. Não pela boca dele. Manipulador e articulador do jeito que é, deve ter aumentado e dito coisas que certamente não fiz.
- Sabe o que é mais engraçado? – diz ela. – Eu sinceramente achei que você tivesse um coração, mas me enganei. Foi o pior engano que já cometi em toda minha vida!
- Eu ia te contar. Eu juro que ia te contar tudo!
- Ah, você ia me contar? – cruzou os braços. – Quando? Depois de confirmar que sou a pessoa mais burra do mundo por acreditar em ti?
- N-Não... Por favor, me deixa explicar.
- Duvido que consiga!
- Não foi algo planejado... Quero dizer, foi. Mas... Eu não sabia que seria assim.
Quanto mais eu abria a boca, mais me enrolava. Ela tinha razão. Eu não ia conseguir me justificar, iria apenas dar mais motivos pra me odiar.
- Me perdoa. – disse.
- Nem você confia nesse pedido. – diz ela, e uma lágrima escorre por sua face.
- Eu sei que errei, mas... Mas o que eu sinto por você é verdade. – a olhava diretamente nos olhos. – Eu... Eu te amo. – em um ato inesperado, sinto sua mão tocar meu rosto, num tapa dolorido e estalado.
- Você é desprezível, Kaulitz.
Em seguida, bateu a porta com força.
 Postado por: Alessandra

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