terça-feira, 1 de maio de 2012

Coração de Outono - Capítulo 27 - A última ligação.

(Contado por: 3º pessoa)
Clarisse entreabriu uma pequena fresta na cortina da sala, e seus olhos foram em direção àquele ser sentado na calçada, de cabeça meio baixa. Soltou um suspiro de preocupação e pensou se não deveria ir até lá para fazer ou falar qualquer coisa. Por mais que tivesse errado, talvez – mas só talvez – ele merecesse um minuto para se explicar. As pessoas cometem enganos, erros e não seria uma má ideia deixar que dê a sua versão da história. Muito pelo contrário, se estivesse no lugar da “vitima”, exigiria uma segunda versão. Tanto para apurar os fatos e confrontar as evidências, quanto para ter plena certeza da decisão que tomaria.
- Pedro, faça alguma coisa. – Clarisse fecha a cortina e se vira para o esposo, que estava sentado no sofá lendo um jornal. – Ele está lá fora desde que cheguei do trabalho e isso faz mais de – consultou seu relógio de pulso. – três horas!
- E o que você quer que eu faça? – perguntou normalmente, sem desviar seus olhos da leitura.
- Qualquer coisa! – ela se senta numa poltrona e cruza as pernas. – Só não fique ai parado!
Ele a olhou por cima dos óculos, e a viu lançar aquele olhar que praticamente o induz a fazer tudo. Dobrou o jornal, colocando-o sobre a mesinha de centro e se levantou. Caminhou até a janela e, para ter certeza de que ela falava a verdade, verificou se tinha alguém na calçada. Um misto de decepção, raiva e pena, passou por seus pensamentos. Se tivessem lhe falado que um rapaz como ele teria feito algo tão imoral, não acreditaria. O problema é que ele havia presenciado o testemunho de seu pai. A ficha custou a cair e somente depois de ver sua filha – a garota durona, que não chorava na frente de ninguém - se desmanchar em lágrima, foi que realmente tirou suas próprias conclusões.
Pedro abriu a porta, e com passos lentos foi se aproximando do individuo. Ao sentir uma certa presença se aproximar, Bill se vira. Não era bem ele que esperava, mas ainda tinha esperanças de que ela ficasse um pouco mais calma e resolvesse descer para lhe escutar, nem que fosse pela última vez.
- Está ficando tarde. – diz Pedro. – É melhor você ir pra casa.
- Me desculpe senhor Burke – Bill se levanta. -, mas só saio daqui quando falar com a Aiyra.
Uma breve pausa. O suficiente para rápidos – e inúteis – pensamentos passarem pela mente de Pedro. Ele também se perguntou quais seriam os motivos que o levaram a fazer aquilo. Não achava que fosse tão frio, ao ponto de pedir uma garota em namoro, sem nem ao menos sentir nada por ela e enganá-la esse tempo.
- Escuta aqui, rapaz. – Pedro estava mais sério. Uma maneira proposital de tentar intimidá-lo. – A minha filha não quer falar contigo e mesmo que quisesse, eu não deixaria. Está tarde, e isso não é hora pra conversa!
- Ela precisa me ouvir. – Bill insistia. – Eu... Eu tenho que dizer a ela como aconteceu...
- Vá pra casa! – aumentou um pouco o tom de voz, e andou em direção a entrada de casa. – Se continuar ai por muito tempo, serei obrigado a chamar a policia. – avisou.
***
Nos três dias seguintes, Aiyra faltou ao colégio, como numa forma de evitar encontrar-se com Bill. Pelo visto, funcionava. Ele fez inúmeras tentativas – frustradas – para tentar falar com ela de qualquer maneira. Ligou algumas vezes para o telefone residencial, e a empregada sempre respondia a mesma coisa “Ela não está. Quer deixar recado?”. Também ligou para seu celular e ouviu “Oi, aqui é a Aiyra. No momento não posso atender, deixe seu recado após o bip”. O e-mail dela deveria estar atolado com diversas mensagens.
Ele não queria importunar mais ninguém e muito menos parecer mais chato do que de fato é, então evitou ao máximo chegar perto da casa dela. O aviso de “Se não for embora, chamarei a policia”, lhe deixou com um pouco de medo. Se fosse preso por rondar a residência, não haveria mais nada a se fazer. Apenas admitiria que era a pessoa mais desprezível do mundo, e que daquele instante em diante, lavaria suas mãos em relação a qualquer pessoa.
Bill cruzou os dedos e numa última tentativa, voltou a ligar pra ela. A cada toque, seu coração acelerava um pouco mais. Será que ela está diante do celular, vendo meu nome piscar no visor? Ele tinha quase certeza que sim e naquele momento desejou poder voltar no tempo, uma ou duas horas antes de ter concordado com o plano maluco de seu pai. Nada disso estaria acontecendo, talvez nem tivesse se aproximado tanto assim dela, e isso era muito melhor do que saber que estava magoada com suas atitudes.
“Oi, aqui é a Aiyra. No momento não posso...”
- Ela não vai me atender. – diz Bill, jogando com raiva seu celular sobre a cama. – Como fui burro! – gritou consigo mesmo.
- Se acalma, cara. – diz Georg. – Dê um tempo a ela.
- A garota ainda ta chateada e precisa pensar no que fazer. – diz Gustav.
- Vocês não entendem! – Bill caminhava de um lado a outro. – Quanto mais o tempo passa, menos tenho chances de convencê-la a me perdoar!
- Ficar pressionando também não funciona! – diz Tom. – Continuar ligando só fará com que ela se afaste ainda mais e, esse não é o objetivo. O objetivo é fazê-la te escutar. O perdão dela será apenas uma “conseqüência” – riscou as aspas no ar. – por você ter sido sincero.
- O problema é que já fiz de tudo!
- A Aiyra não vai ficar muito tempo desaparecida. – disse Gustav. – Uma hora ou outra, ela precisará ir pro colégio...
- E quando isso acontecer – Georg interrompe. -, você estará totalmente preparado, com um discurso fantástico gravado na ponta da língua pra falar tudo que ela representa em sua vida.
Por menos que quisesse concordar, seus amigos tinham razão. Não dava pra pressionar, achando que viria algo de bom como troca. Isso só pioraria as coisas, se é que ele já não conseguiu estragar tudo.
E enquanto Bill quebrava sua cabeça e se culpava por todos os desastres do mundo, Aiyra passava seus dias enfiada dentro de casa, sem colocar um fiozinho de cabelo se quer para fora. Não se sentia completamente preparada para encará-lo de frente, olhá-lo nos olhos e passar direto, como se não se conhecessem. O que tiveram foi algo muito forte e de certa forma tinha um significado imenso.
Aproveitando os dias de folga, Aiyra direcionou e dedicou seu tempo para a pintura. Os desenhos não saiam como desejava e, na maioria das vezes a deixava insatisfeita. Como todo artista precisa de uma inspiração, ela também tinha a sua e parecia ter perdido-a temporariamente. Os rabiscos não ganhavam forma com rapidez e agilidade, pelo contrário, demorava a ganhar forma.
Quase uma semana sem freqüentar o colégio, e Aiyra chega a conclusão de que não pode deixar sua vida parada por causa de um idiota qualquer. Na manhã se sexta-feira, ela se levanta com ânimo. Não era exatamente isso que sentia, mas se repetisse para si mesma que tudo estava bem, uma hora realmente ficaria.
Tomou um banho morno, escolheu uma roupa que não chamasse tanta atenção, mas que deixasse bem claro para todos que ela continuava sendo uma garota forte. Passou várias camadas de rímel, um blush rosa bem clarinho, e hidratou os lábios com gloss. Colocou sua mochila de lado e desceu as escadas, pronta para um novo dia.
Chegando ao colégio, a primeira pessoa com quem se depara é com ele. Bill estava encostado no capô de seu carro, com os braços cruzados. Aiyra teve vontade de recuar, mas não faria isso nem que fosse obrigada. Respirou fundo, ergueu a cabeça, colocou um sorriso no rosto e seguiu em frente. Cumprimentou uns colegas de classe e subiu a escadaria que dava acesso à entrada. Bill achou que aquela seria uma boa oportunidade para falar com ela, então a seguiu.
- Aiyra...
- Eu não quero falar contigo. – ela continuava andando, e cumprimentando quem encontrava.
- Tudo bem. – diz ele. – Só preciso que me escute. O que aconteceu...
- Será que pode me deixar em paz? – ela pára no meio do caminho e o encara. – Não tô interessada em saber suas justificativas.
- Eu só...
- Se continuar me perturbando – interrompeu novamente. –, eu juro que te denunciarei! – ele se manteve calado. – E você sabe que terei a maior cara de pau em fazer isso, da mesma forma que você teve a sua pra brincar comigo!
Durante as aulas, Bill não conseguia tirar os olhos dela. Uma vez ou outra Aiyra olhava em sua direção, mas ligeiramente desviava o olhar para outro lugar. As trocas de olhares discretas se prolongaram até o intervalo, e cada vez mais ia diminuindo.
Sentada numa mesa afastada das outras, Aiyra comia a metade de um sanduíche com uma latinha de refrigerante. Tom se atreveu a chegar mais perto e se convidou a se sentar juntamente com ela.
- Não está com raiva de mim também, está? – pergunta ele.
- Você sabia, não é? – ela para de comer. – Você sabia de tudo e não me contou.
- É, eu sabia. – confessou.
- E mesmo assim não fez nada pra impedir.
- Sinto muito, mas não era minha obrigação. – faz uma breve pausa. – Muito menos do meu pai, e ele fez isso não sei nem por que. E se quer saber, o Bill planejava te contar tudo naquele dia que você descobriu.
- Está defendendo ele?
- Não. Só acho que está sendo injusta.
- Eu tô sendo injusta? – ela ri. – Seu irmão apronta e a vilã da história sou eu?!
- Claro que não! Mas quantas vezes o Bill te procurou para dar as devidas satisfações, mesmo sabendo que não adiantaria muita coisa e que você não queria escutá-lo? Quantas chamadas perdidas há no seu celular e quantos recados a empregada teve que anotar? – Aiyra ficou quieta. – Eu não tô e nem quero defender ninguém, mas... Ele ta se esforçando. De um jeito irritante, mas está. – mais uma pausa. - Eu conheço o meu irmão como a palma da minha mão, e sei que também não ta sendo nada fácil pra ele.
- Foi ele quem pediu pra você vir até aqui e me falar essas coisas? – fingia não levar nada em consideração.
- Não. – respondeu. – E eu não tô pedindo para perdoá-lo, apenas para escutar o que ele tem a dizer. Você não será menos durona ou mais manteiga derretida se parar dois ou três minutos para escutá-lo.
- Já terminou?
- Uhum.
- Obrigada por estragar meu lanche.
Aiyra então recolhe suas coisas, se levanta e se retira. Tom volta até a mesa onde seu irmão estava e lhe conta como foi a conversa. Desanimado, Bill acha que é hora de esquecer os acontecimentos. Ele não iria conseguir fazer com que ela mude de ideia a seu respeito.
***
Madrugada. Para ser mais preciso, três horas da manhã. Aiyra dormia tranquilamente um sono leve, quando seu celular começa a tocar e vibrar sobre a mesinha de cabeceira. Sonolenta, ela acende a luz do abajur e pega o aparelho. Olha no visor e estranha.
Número restrito
Pensou em desligá-lo e voltar para seu sonho, mas se lembrou de que às vezes o Nick costumava ligar com números restritos. Antes de atender, bocejou.
- Alô?
- Não fale nada, não desligue e não me xingue. – disse Bill. – Apenas ouça.
Ao fundo dava-se para escutar música eletrônica. O desgraçado ta se divertindo numa festa e me liga as três da matina! Filho da mãe! Iria desligar, mas o discurso do Tom veio inteiramente em sua mente, e achou melhor lhe dar uma chance.
- Eu sei que te machuquei muito, que não me importei com o que você sentia nem com o que você pensava. – aos poucos o som da música ia diminuindo. – Eu fui um completo idiota! Não sei o que eu tinha na cabeça, só sei que me arrependo. – ouvia-se agora apenas a voz dele. – Sinto sua falta. – Aiyra se senta. – E quero que saiba que você era muito importante pra mim. Na verdade, ainda é. Bem, eu tô numa festa com uns amigos. O tipo de lugar que você odiaria e sempre pedia que eu me afastasse. Sentei no canto pra descansar e lembrei de você, sorrindo. Só consigo me lembrar de você assim. – do outro lado da linha, ela se segurava pra não deixar nenhuma lágrima escapar. – Ah, também me lembro daquele dia que fomos numa boate e você ficou irritada com umas garotas e pediu que fossemos embora. Eu insisti para ficarmos e você dizia que iria telefonar para o seu pai. Se eu pudesse voltar atrás, eu te levaria pra onde você quisesse sem nem pensar duas vezes, só pra poder ficar ao seu lado. – ele pára um instante e volta a falar. – Não quero relembrar aqui todos os momentos, porque eu não quero que esse aperto aqui no meu peito cresça. Só quero que você saiba que, apesar de tudo, eu te amo. – o inevitável aconteceu, e as lágrimas dela rolaram rosto abaixo. – Eu te amo muito. – repetiu.
O silêncio durou cerca de alguns segundos.
- Você ainda ta ai? – pergunta ele.
- Tô. – responde ela. – Eu tô aqui.
- Olha, eu tô um pouco bêbado, então... Não precisa dizer nada. Desculpa ter te acordado há essa hora. Volte a dormir.
 Postado por: Alessandra

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