terça-feira, 1 de maio de 2012

Coração de Outono - Capítulo 22 - A visita.

(Contado por: Aiyra)
2 SEMANAS DEPOIS...
O despertador começou a tocar e logo apalpei a mesinha de cabeceira para desligá-lo. Me levantei e encarei o espelho, era a imagem mais horripilante de uma pessoa que não havia dormido praticamente nada durante a noite devido aos inúmeros pesadelos. Só me lembro de ter despertado assustada algumas vezes, mas referente ao sonho, não me recordava absolutamente nada. Meu avô sempre dizia que essa “amnésia” só acontecia quando passávamos a mão no cabelo assim que abríamos os olhos. Difícil mesmo era se lembrar de não fazer isso ao acordar.
Fui ao banheiro e enquanto a água do chuveiro ia se aquecendo, eu tirava a roupa. Me aproveitei do momento e fiz minha higiene bucal. Estava com tanto sono que poderia dormir ali mesmo, debaixo d’água. Demorei o tempo necessário para perceber que dali alguns minutos eu precisaria estar a caminho do colégio. Desliguei o chuveiro, enrolei uma toalha em volta do corpo, passei novamente em frente ao espelho agora embaçado pelo vapor. Passei a mão direita no mesmo para limpá-lo e como num filme de terror, tive a impressão de ter visto alguém atrás de mim. Me virei rapidamente, temendo que fosse verdade. Você ainda está com sono, só pode ser isso.Disse a mim mesma.
Retornei ao quarto, indo em direção a janela, abri a cortina para ver como andava o clima naquela manhã. Ensolarado. Do outro lado da rua, um carro preto estacionado. Estava parado no mesmo lugar desde a noite anterior e pensei: Que tipo de dono deixa seu próprio veiculo passar uma noite inteira ao relento? Porque não colocá-lo na garagem? É pra isso que elas servem, não?
Abri o guarda-roupa e peguei algumas peças. Me vesti e ajeitei o cabelo. Coloquei a mochila num dos ombros e desci as escadas. Cheguei à sala de jantar, bocejando. A Clarisse tinha saído um pouco mais cedo, devido ao crescente número de pedidos que seu ateliê recebia. A Anna enrolava o Pedro, para não comer nada e ele ficava de olho para não ser enrolado. Me sentei no lugar de sempre e iniciei a refeição.
- Noite ruim? – pergunta ele.
- Quase não consegui pregar o olho. – respondi, colocando suco no copo. – E agora vou pro colégio parecendo um zumbi.
- Não quer ficar em casa?
- Tenho um teste de biologia e não posso faltar. – beberiquei o suco.
No caminho a Anna foi sentada no banco de trás do carro, brincando com uma Barbie. Ela conversava com o brinquedo como se fosse real e cheguei a me perguntar se algum dia fiz isso. Com a cabeça encostada no vidro da janela e quase cochilando, ouvi a Anna usar vários tipos de argumentos para que o Pedro a levasse numa festinha de aniversário. Ele dizia que passaria o dia e talvez a noite inteira trabalhando, por esse motivo não poderia levá-la. Sua mãe era outra desligada que provavelmente se trancaria no ateliê para dar conta de tantas encomendas. O jeito seria a babá. Mas naquele momento meu instinto familiar falou um pouquinho mais alto. Abri os olhos e virei meu rosto para ele.
- Posso levá-la, se quiser. – me ofereci.
- Eu quero, eu quero! – disse Anna e sorri.
- Não tenho nada pra fazer mesmo.
- Tem certeza que quer ir? – pergunta Pedro. – Pode ser um pouco chato.
- Festa de crianças tem uma variedade imensa de doces e isso significa que não será nada chato, muito pelo contrário, será uma delicia. – brinquei.
- Então tá. – diz ele. – Vou pedir pra minha secretária comprar o presente e enviar pra aniversariante.
Eu não sou uma pessoa a ser considerada a melhor irmã do mundo e talvez nem chegasse a ser, mas eu queria passar um tempinho a mais com ela. Desde que cheguei não tive a oportunidade de conhecê-la como deveria. Confesso que minha insegurança e orgulho não permitiram, mas estava passando da hora de criar juízo e encarar os fatos.
O carro parou em frente ao colégio e antes de descer, me despedi dos dois. O Pedro até me deu uma quantidade de dinheiro, caso eu não quisesse ir andando pra casa e pegar um táxi. Ele se esquecia que a “tarefa” de me deixar sã e salva pertencia ao Bill, que todos os dias fazia questão de me acompanhar.
O sinal para a primeira aula já havia tocado e se eu não corresse, era bem capaz do professor não me deixar entrar na sala. Meu ânimo de atleta não me dava o direito de acelerar os passos. Acho que se tratava do sono, ele ainda me persegue. Enquanto eu passava pelo corredor vazio, lutando para manter os olhos abertos, senti uma mão segurar meu braço e me puxar. Levei um susto que ligeiramente passou.
- Ficou maluco?! – disse.
- Isso se chama saudade. – diz Bill, que ri em seguida. – Senti saudades do seu cheiro. – encostou seu nariz no meu pescoço e aspirou o perfume, me fazendo arrepiar por completo. – Do seu beijo. – fingiu que ia me beijar, mas recuou.
Estranhei sua atitude, não apenas pelo horário, mas também por não agir assim normalmente. Ele estava bem estranho e meio nervoso. Não sei se essa é a palavra correta, talvez ansioso. O que eu sei é que ele não estava de “cara limpa”, havia algo por trás daquilo e meu sinal de alerta fazia com que minha desconfiança aumentasse a cada toque que ele me dava. Meu sono desapareceu naquele momento. Bill me beijou e pude sentir o quão diferente foi aquele beijo. Não parecia ter sentimentos, só desejo e isso de certa forma me deixou com medo.
- Pára! – quase gritei e o empurrei. – O que há com você, hein?
- Nada. – respondeu. – Estou ótimo! Feliz!
- É, eu tô percebendo sua “felicidade”. – risquei as aspas no ar. – Você bebeu? – me aproximei para sentir seu hálito.
- Há essa hora da manhã? – riu. - Claro que não.
- Você ta estranho.
- Errado! – chegou mais perto, me fazendo novamente ficar contra parede. – Estou feliz e quero aproveitar.
- Aproveitar o quê? – o afastei. – E porque está tão feliz?
- Dá pra parar de fazer tantas perguntas? – me encarou. – Só estou feliz e acabou! – tentou me beijar, mas o impedi.
- Bill... Você ta drogado?
- Mais que droga! – gritou. – Eu não posso ficar um pouco mais alegre que você já acha que eu tô me drogando!
- Não grita comigo! – gritei de volta. – Geralmente as pessoas ficam felizes e alegres por um motivo e até agora você não disse nada!
- Quer saber, vai pro inferno! – falou em alto e bom som. – Me deixe em paz! – saiu andando.
É, ele estava mesmo drogado. Essa foi a primeira discussão séria que tivemos e nunca pensei que fosse me sentir mal por ele. Eu poderia ficar com raiva, xingá-lo e dizer que não queria mais olhar em sua cara, mas isso não mudaria as coisas e só o faria piorar. Estou chateada por ele ainda estar usando drogas, mesmo depois de jurar que tinha se afastado desse tipo de coisa. Eu precisava ajudá-lo de algum jeito, mas pra isso acontecer, o Bill tem que admitir que precisa ser ajudado.
***
No finalzinho da tarde, eu estava sozinha em casa. Deitada no sofá da sala, comendo brigadeiro e vendo o pior filme da minha vida. De vez em quando olhava pro telefone, outras vezes para o celular. Me segurava, me controlava para não ligar para o Bill e saber como andavam as coisas. Mas ele estava errado, agiu de forma imbecil e não iria me rebaixar fingindo que não tinha acontecido. Se alguém tinha que dar o primeiro passo, esse alguém era ele. Continuei “relaxando”, quando ouvi a campainha tocar. Aquela preguiça de me levantar e ir atender era grande. Deixaria a empregada atender, mas ela saiu pra fazer comprar. Ou seja, eu tinha mesmo que fazer isso.
Abri a porta e me deparei com o Bill segurando uma rosa não mão e a cabeça meio baixa, e a mesma se ergueu assim que me viu. Ele deu um meio sorriso tímido e permaneci quieta, esperando que falasse qualquer coisa. Suspirou e disse:
- Desculpa ter gritado com você. – estendeu a rosa, me entregando-a. – Não se repetirá.
- Se gritar comigo outra vez, te mato e faço parecer um acidente.
Minha seguinte reação foi começar a rir. Era uma situação no mínimo engraçada, e nem o próprio conseguiu conter o riso. Achei fofa aquela sua cara de cachorro que acabara de cair da mudança. Lhe dei um beijo, como numa forma de mostrar que tinha aceitado as desculpas. O convidei a entrar e ficamos abraçados no sofá.
Calados por minutos incontáveis, agora assistindo um filme de comédia romântica, onde o casal finalmente teve sua primeira noite juntos num hotel de frente para a praia. Dá pra imaginar o quanto poderia ter sido romântico, mas não foi o tipo de cena que te faz suspirar e desejar que aconteça contigo, mas confesso que mexeu comigo. Não digo apenas por eu estar há tanto tempo se fazer esse tipo de coisa, mas por eu estar ficando com um cara a quase um mês e ele ainda não se pronunciar. Logicamente não quero que seja algo qualquer, mas se o Bill não teve coragem o suficiente para me pedir em namoro, duvido muito que se “atreva” a avançar o sinal.
–--
(Contado por: Bill)
Esses filmes só servem para mostrar e iludir as garotas que ainda sonha com esse tipo de acontecimento. E nesse momento a Aiyra deve estar pensando o quão covarde sou. Estamos juntos há quase um mês e eu ainda não tomei uma atitude. Posso estar cometendo mais um dos meus erros, mas prefiro ser lento e saber que as coisas aconteceram exatamente no tempo que deveriam, do que me precipitar e acabar me arrependendo.
- Eu quero dormir com você. – sussurrei em seu ouvido. A boca dela se abriu num sorriso malicioso e vi que ela tinha entendido errado. – Não assim. – esclareci, devolvendo o sorriso. – Só... – olhei para baixo, constrangido. As palavras saíram num quase sussurro. – Só deitar com você, na cama. Não tem nada a ver... Com sexo ou sei lá. Eu só quero ficar te ouvindo respirar... E sei lá, refletir sobre como tenho sorte por poder fazer isso. – a olhei. – Ou então deitar contigo, ficar bem perto e abraçar você. Te esquentar se tiver frio, te beijar se tiver vontade, te proteger se tiver medo... Sabe?
Ela sorriu pra mim, mas era diferente do de antes. Era carinhoso, meigo. Provocou uma leve agitação no meu estômago. Continuei:
- Ou deitar de frente pra você e passar a noite toda conversando, falando besteira aos sussurros, pro seu pai não ouvir. Te beijar às vezes, até pegarmos no sono. Você com a cabeça no meu peito, e os meus braços te envolvendo e...
Parei de falar. Me sentia bem idiota e nada romântico, pra falar a verdade. Ela não dizia nada.
- Isso é normal? – perguntei, o silêncio me incomodava.
Talvez ela não queira o mesmo. Pensei. E me contrariando, ela disse:
- Não tanto quanto eu quero te beijar agora.
–--
(Contado por: Aiyra)
Meia hora depois de o Bill ter ido embora, a única pessoa que havia chegado foi a empregada. Nem a Anna, que já deveria estar em casa. Mais uma vez a campainha tocou e pensei que poderia ser a babá, trazendo a Anna. Mas ao abrir a porta, o coração só faltou saltar para fora do peito.
Ele estava usando uma blusa branquinha feito a neve, sua antiga jaqueta de couro preta, sapatos de marca e calça jeans. Seus olhos percorreram-me dos pés à cabeça, me fazendo sentir calafrios. Ergue uma das sobrancelhas e dá um sorriso torto. Eu me beliscaria para ter certeza de que não era um sonho, mas bastou ouvir sua voz um tanto grossa para saber que era pura realidade.
- Jess?! – minha voz saiu trêmula.
- Não vai me convidar para entrar?
 Postado por: Alessandra

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Arquivos do Blog