segunda-feira, 16 de abril de 2012

By Your Side - Capítulo 19 - Little One (Pequena)

O ar estava frio e respirar estava complicado demais. Meus sentidos foram se recuperando à medida que o carro de Henry se distanciava do hotel de Leipzig, e eu me sentia pior a cada centímetro que me distanciava.
Mordi o lábio inferior sentindo uma pontada de dor por causa da última vez que fiz isso com força e começou a sangrar também pelo recente piercing que tinha ali. Isso me ajudava a prender as lágrimas quando o momento não era certo para chorar. Chelsea passou a mão pelo meu ombro tentando sorrir, mas eu não iria conseguir mentir com o olhar para ela. Não retribuí seu sorriso.
Cheguei ao aeroporto, eu fitei o céu escuro e depois acompanhei os passos de Henry enquanto se dirigia á cabine de passagens de emergência. Eu tentava me distrair para não deixar os pensamentos invadirem minha cabeça, mas era de certo ponto, em vão. O rosto de Tom voltava a dar voltas na minha mente. Mas isso era comum. O pior foi relembrar os melhores e até mesmo os piores momentos ao lado dele.
O primeiro beijo, um tanto desconfortável, mas incrivelmente maravilhoso. O segundo beijo, que tinha como propósito me fazer esquecer o primeiro. E também as provocações, as brigas, os beijos inesperados, os selinhos... O rosto relaxado desprovido de sensações enquanto ele adormecia. Eu podia até sentir o calor do corpo dele, o que me fez arrepiar.
Quando me dei conta, Chelsea me cutucava com um copo de cappuccino da Starbucks que me oferecia. Henry estava sentado de qualquer forma no banco com as três passagens na mão que diziam os números dos assentos no avião.
– O avião chega em alguns minutos. – Henry afirmou – Não querem se deitar? Eu sei que vocês duas não ficam confortáveis em viagens.
– Ah, não. Do jeito que eu estou, vou deitar naquele banco reclinável e dormir até amanhã – Chel disse.
Eu não respondi o que lhe passou a resposta de que eu não queria me deitar nem dormir. Será que o Kaulitz estaria em meus sonhos também?
– De onde vocês tiraram tanto dinheiro? – Eu perguntei aleatoriamente.
– Jus, eu trabalho – Henry fez uma careta –, eu tenho dezoito anos e não sei se já percebeu, eu posso dirigir. Eu sei me virar sozinho.
– E eu recebo certa mesada de vez em quando – Chel comentou – Não se preocupe, eu paguei por você.
Henry fechou os olhos em pouco tempo e eu observei a cabeça de Chel tombar no ombro dele, os dois adormeceram. Peguei as passagens e marquei o tempo em que o avião chegaria. Acordei-os e embarcamos no avião, eu ainda segurava o copo da Starbucks sem vontade de comer alguma coisa.
Sentei-me ao lado de Chel e Henry estava um pouco à frente dos nossos bancos. Como já imaginava, Chelsea caiu no sono, mas eu continuava acordada olhando para a janela tentando ver alguma coisa no nevoeiro negro da noite em Leipzig. Talvez nem estivéssemos mais em Leipzig. Afastar-me da cidade me fez soluçar sem choro, eu abafei os soluços com a mão, tombei minha cabeça no vidro e fechei os olhos sem dormir. Os pensamentos me queimavam por dentro, mas o que eu poderia fazer?
A voz feminina soou pelo avião avisando que ele já iria pousar em Magdeburgo. Por um momento minha mente se preocupou em acordar Chelsea e apertar os cintos. Depois eu ajeitei o rabo de cavalo, desamassei minhas roupas e desci do avião com Chelsea.
Henry fez o favor de pegar todas as malas e colocar em um carrinho. Atravessamos o aeroporto e pegamos um taxi. Ocorreu-me a dúvida de como ficaria o carro de Henry na outra cidade e ele me respondeu que os pais tinham uma chave reserva, e já deveriam ter pegado. Chel informou o endereço de sua casa e chegamos lá em poucos minutos.
Eu vi o sorriso se formar no rosto dela. A casa não era muito pequena nem muito grande. Um tom recém-pintado de verde claro com várias varandas, uma casa de dois andares. A porta da varanda se abriu e uma mulher mediana de cabelos loiros e sem nenhuma ruga no rosto atravessou a varanda e abraçou Chel. Obviamente, seria aquela a senhora Hölt. Katie Hölt.
– Julia! – Ela veio até a mim e me puxou para um abraço de urso enquanto me levava para dentro da casa – Como você está, minha querida? Quanto tempo eu não te vejo! E o Brasil? Quente como sempre?
Eu forcei um sorriso e me senti sem forças para isso.
– Bom... – Olhei para a janela – Bom dia, dona Hölt. Estou parcialmente bem. E a senhora?
– Ah, não seja boba. Você sabe muito bem meu nome, mas o que houve? Por que está tão apagada quanto Chelsea?
Henry riu, despertando a atenção da mãe de Chel.
– Henry, meu querido! – Ela também o abraçou – Entre, vamos entrando os três. Chel me contou que viriam passar alguns dias aqui.
Eu a vi trocar olhares com Chel como se as duas dissessem “conversamos mais tarde sobre o que aconteceu”. Como Katie tinha dito, eu realmente estava apagada, e descobri isso ao me olhar no espelho. Minha pele poderia se igualar á Chelsea. O que poderia ser impossível.
Sentamo-nos todos na sala de estar, eu estava encostada em Henry e piscava as pálpebras pesadas de segundo em segundo tentando me manter em pé e tentando descobrir meu problema. Um homem extremamente alto entrou na sala. Ele parecia um típico alemão com mais ou menos cinqüenta e cinco anos. Alguns fios brancos, óculos e uma barriga saliente. O homem entrou falando outra língua. Então eu percebi que na sala, todos estavam falando português há um tempo. Katie também era brasileira.
Forcei-me a entender o alemão e o cara dizia algo sobre o café da manhã. Já estava claro na janela e eu me senti tonta.
– Olá vocês! – O homem disse para eu e Henry, e eu acenei de volta. Ele deveria ser o senhor Hölt, pai de Chelsea.
Depois de alguns abraços e palavras delicadas entre pai e filha, dona Hölt propôs a mesa quente de café da manhã. Henry se levantou e me ajudou a levantar do sofá, notando algo de errado comigo.
– Jus, você está bem?
Eu fiquei em pé, mas senti que poderia cair a qualquer momento. Minhas pernas tremiam e me senti tonta e com febre, mas não podia comprovar nada. Então minha visão ficou turva e eu fechei os olhos.
– Não, provavelmente – Eu respondi.
E então eu desabei nos braços de Henry, que foi rápido antes de me deixar cair no chão. Achei que talvez pudesse estar tendo muita sorte e não sabia disso. Sempre que caio alguém me segura.
(...)
O espelho refletiam alguém que não era eu. Meu rosto estava manchado de... lágrimas. Eu via o reflexo que elas faziam na luz. Ah, a luz estava me incomodando. Eu poderia dar um jeito nela depois do espelho. Olhei novamente para o espelho. Peguei o primeiro perfume que apareceu e senti a colônia de Bill, atirei no espelho a colônia. Os dois se chocaram com um ruído passageiro e pedaços de vidro caíram no chão. Pronto, sem espelho para ver minhas lágrimas refletidas. Peguei um pedaço de vidro recém-quebrado no chão e sem sorte, acabei sentindo uma pontada de dor na minha mão. Observei o sangue bem vermelho que começou a escorrer.
Uma pontada de adrenalina atravessou minha espinha e eu me sentei na cama deixando um grito escapar rasgando minha garganta.
Chelsea me olhou assustada, ela mexia no computador ao lado da cama que eu estava deitada. Espera, cama? Que raios eu estou fazendo em uma cama?
– Mais um pesadelo? – Ela perguntou.
Eu ergui a sobrancelha em visível dúvida.
– Você já “acordou” gritando umas cinco vezes só na última hora – Ela explicou – Nas duas primeiras vezes eu fiquei assustada, mas já estou acostumada. Agora me diga se você está dormindo porque eu não quero repetir esse discurso isso da próxima vez que você abrir os olhos.
Eu balancei a cabeça e passei a mão no rosto.
– Eu... Estava dormindo? – Ela concordou com a cabeça.
Então fora um sonho. A visão de Tom Kaulitz se olhando no espelho com um rosto amargo manchado de lágrimas, e depois o perfume do Bill se chocando contra o espelho e no final... sangue. Não podia mesmo ser real. Senti meus músculos aliviarem a contração e eu voltei a me deitar na cama que tinha o intenso perfume de flores de Chelsea.
– E agora o que foi? – Eu perguntei – Eu comi camarão novamente? Porque não me lembro de comer nada nas últimas... Oito horas. Ou mais.
– Então está explicado. Inicialmente eu achei que fosse sono. Você desmaiou no colo de Henry. Nós ficamos assustados.
Senti minha roupa colar no corpo. Eu ainda estava com a mesma roupa que saí de Leipzig. Leipzig...
– Você vai dormir no meu quarto e Henry está no quarto de hóspedes, o último desse corredor. Pode usar meu banheiro, sua mala está em algum lugar por aqui.
– Obrigada – Eu agradeci, achando minha mala aos pés da cama, fui ao banheiro de Chelsea para tomar um banho.
A visão do banheiro era podre. Não de sujeira, mas era podre de cores. Ou era rosa, ou rosa claro. Tinha uma toalha rosa choque que parecia usada e outra rosa clara mais perto do branco que parecia limpa. Os perfumes tinham líquidos rosa e o cheiro de violetas estava no ar. Por que aquilo tudo me lembrava tanto o amor?
Vi minha imagem refletida no espelho, e mein Gott, eu parecia a Samara, só que com os cabelos em pé. Minha cara estava amassada, o que não é novidade, mas minha pele estava branca como o teto e olheiras profundas marcavam debaixo dos meus olhos.
Tirei a roupa e entrei no banho de água quase quente que escorria pelo meu corpo gelado me trazendo sensações maravilhosas. Encostei a cabeça no vidro e deixei a água escorrer pelas minhas costas, o que me trouxe uma sensação estranhamente prazerosa e me fez arrepiar. Minhas costas era um dos meus pontos fracos. Poucas pessoas sabiam disso.
Lavei o cabelo – o que era um sinal de desintoxicação. Quando eu queria mudar, ou pelo menos tirar os “restos” de algo da minha mente, eu lavava o cabelo mesmo que tivesse feito isso há pouco tempo.
Terminei o banho, me enrolei na toalha mais parecida com branco e me sentei no chão do banheiro, abrindo a mala para pegar a nécessaire e alguma peça de roupa decente para ficar em casa. A primeira blusa que estava na mala era aquela que eu estava tomada por raiva. Peguei-a e joguei no chuveiro, assistindo a blusa do Tokio Hotel se encharcar.
Puxei uma blusa bege do fim da mala, um casaco leve da mesma cor e um short casual de pano azul. Eu estava totalmente sem senso de moda agora, mas isso nem me incomodava. Penteei o cabelo e passei maquiagem para disfarçar as olheiras. Saí do banheiro sentindo ar quente do quarto me envolver suavemente.
– Já são quase meio-dia – Chelsea informou assim que eu saí do banheiro – Vai querer almoçar fora ou ficamos por aqui mesmo?
– O que você acha?
– Acho que a oleosidade da minha cara poderia diminuir um pouco e cairia bem um chocolate do céu.
Eu pisquei algumas vezes.
– Vamos almoçar fora – Eu disse – Henry tem direito de ir?
– Se ele ficar, meus pais vão fazê-lo algumas perguntas e eu não estou a fim de explicar que Henry é meu ex, e meu atual é o Bill.
– Ainda? – Eu perguntei e recebi um olhar incrédulo de Chel – Quero dizer, você foi embora do nada e ele não ficou chateado nem nada?
– Jus, você foi embora do nada. Eu me despedi do Bill, e tudo está bem entre nós.
Sorte sua, eu pensei, e do outro Kaulitz.
– Chel, o Henry ficou do meu lado? – Eu perguntei.
– Como?
– Ele ficou, você sabe, daquele jeito quando eu desmaiei?
Eu realmente não queria falar “do jeito que Tom ficou” em voz alta, mas Chel não parecia entender. Eu lancei um olhar mortal e ela sorriu torto.
– Bem... Não exatamente.
– Como assim? – Eu perguntei e ela bufou.
– Julia, eu entendo você. E sei que você está procurando um Tom nas outras pessoas, mas falando sério, só existe um Tom Kaulitz, e só ele vai ficar ao seu lado quando você desmaiar. Por isso eu disse que você precisa conhecer o outro lado dele.
Eu a fitei, incrédula.
– Não sei não, mas você presenciou bem quando ele gritou comigo lá no hotel – Eu falei sentindo o bolo na garganta se formar – Só existe um Tom. Aquele egoísta, ignorante, sem sentimentos e estúpido que estava lá.
– Eu não retiro o que eu disse. Se ele fez aquilo, tem alguma razão.
– Que razão, Chelsea? Diga-me uma possibilidade.
Ela deu de ombros e o assunto estava encerrado.
Chel se arrumou, pegamos Henry e saímos de casa assim que eu já estava bem melhor, mas o garoto fez questão de por a mão na minha cintura e me apertar contra ele enquanto caminhávamos.
– Eu vou enfiar comida na sua garganta se ficar mais de três horas sem comer, ouviu bem, amizade? – Henry disse brincalhão.
– Desde que você fique do meu lado, eu até como – Eu falei sorrindo – Vocês dois, está bem sua ciumenta?
Eu vi Chel virar o rosto e fazer uma careta, abracei-a junto com Henry.
Paramos em um restaurante não tão próximo a casa, de massas, eu pedi uma lasanha ainda sem vontade de comer, mas estar em algum lugar que só tenha meus amigos me deixava mais calma. Trocamos alguns assuntos, mas eu sentia que eles estavam sendo cuidadosos com o que falavam. A lasanha chegou e eu senti uma fome gigante só de olhar para a comida. Levei o garfo à boca, mas ele bateu contra o piercing que eu tinha me esquecido que existia. Machuquei a boca e gemi de dor.
Henry e Chelsea riram e eu fiz uma careta.
– Cuida melhor da sua boca, Jus – Henry disse.
– Você tem uma que eu estou vendo, então cuida da sua – Eu retruquei.
– Eu poderia cuidar da sua boca o dia inteiro se você deixasse – Ele falou com um sorriso pervertido. No mesmo segundo eu me lembrei de Tom passando a mão pelo meu piercing e logo em seguida beijando minha boca. Eu estremeci e senti o bolo se formando na garganta. Chel e Henry trocaram olhares.
– Desculpe – ele resmungou baixo.

Ponto de Vista Kaulitz
Deixar o sangue escorrendo pela minha mão não era grande idéia e eu não conseguia raciocinar o que fazer. Eu não sentia dor, portanto, não tinha interesse em curá-la. O rosto de Julia invadiu minha mente, ela dizia “Fique bem”, eu mexi a cabeça tentando tirá-la da minha mente. Não, ela nunca diria isso. Ela me odiava. E por mais que isso fosse antes uma mentira, ela me odiava agora.
Mas eu precisava ficar bem por Bill, pela minha mãe, pelos garotos e pela banda. Eu deveria ter alguns motivos para ficar bem. Danem-se todos.
Voltei ao quarto fazendo uma poça de sangue por onde passava. Pensei em me deitar na cama, mas assim que me aproximei senti um perfume conhecido. Um perfume intoxicante que no começo me deixava um pouco alérgico, mas depois ficava um pouco doce e com os segundos, era o melhor perfume de se sentir. Algo como rosas brancas com álcool. O perfume de Julia. Droga.
Ela deitou naquela cama. Eu pressionei seu corpo contra os meus lençóis. Ela estava no banheiro, no piso, nas paredes e até no ar. Eu deixei um rugido escapar rasgando minha garganta. Puxei a madeira do pé da cama, mas ela teimava em se quebrar. Subi na cama e pulei algumas vezes. Com a altura que eu tenho, posso bater a cabeça no teto, ou cair e possivelmente quebrar um braço. Qualquer coisa vale desde que eu quebre aquela cama. E então... A cama quebrou e eu caí, rolei um pouco e bati com a testa na quina do criado mudo.
Levei a mão á testa e senti que um liquido quente escorria. Sangue novamente. Rasguei os lençóis da cama quebrada e coloquei na minha testa.
Ouvi alguém gritar do outro lado da porta e eu ignorei sem reconhecer a voz. Talvez até reconhecesse, mas não conseguia ligar á nomes.
Voltei ao banheiro e liguei o chuveiro que enchia a banheira. Tirei as peças de roupas que começavam a pesar no meu corpo e me deitei, observando a água se tornar vermelha por causa da minha mão. Prendi a respiração e afundei na banheira, fechando os olhos.
Eu achei que eu fosse forte, até tudo dar errado. Eu desejo que eu possa trazer você de volta. Eu desejo que possa voltar no tempo porque eu não posso deixar você ir, eu não posso achar meu caminho. Sem você eu não consigo achar meu caminho. Isso não podia ter acontecido. Você deveria estar aqui. Isso não faz sentido, eu tento juntar os pedaços, mas nada faz sentindo.
Senti mãos me puxando para fora da água, eu arfei pesadamente quando voltei à superfície sentindo falta do ar. Tentei enxergar e a imagem da minha mãe se juntou em pedaços, meus olhos ardiam. Ela estava chorando. Falava alguma coisa, eu me forcei a entender.
– O que estava fazendo? Tentando se matar, é isso? O que aconteceu com sua testa e sua mão! – Simone jogou uma toalha branca por cima do meu corpo, mas como eu estava dentro d’água, a toalha ficou vermelha, então eu notei a bacia de sangue em minha volta.
Ela me puxou, mas não agüentou meu peso e eu caí no chão do banheiro envolto na toalha vermelha. Eu estava me sentindo um fantoche. A mulher pegou meu rosto com as duas mãos e me fez encará-la.
– Tom, presta atenção, meu filho – Ela disse – Não faça isso. Acorda! Fique bem.
Outra pessoa entrou pela porta do banheiro, era Bill. Ele parecia horrorizado. Saiu do banheiro quase no mesmo segundo que entrou.
Simone me abraçou e eu fechei os olhos um pouco tonto. Não sabia que horas tinham se passado, não me lembrava da minha última refeição e nem da última vez que eu adormeci. Só o rosto da pequena criatura do pântano se passava pela minha cabeça. Achei que fosse desmaiar. Achei certo. Perdi os sentidos e tudo ficou escuro.
Você continua tendo tudo do meu coração. Se é que eu ainda tenho um.
(...)
Abri os olhos. A luz branca queimou-os e eu fechei os olhos novamente, levando minha mão direita ao rosto. Senti dor vindo dela e quando toquei o rosto, não senti minha pele, e sim gesso. Gesso frio.
Abri novamente os olhos e gemi de dor ao ver minha mão parcialmente engessada, apenas com uma tala. Minha outra mão tinha uns três pontos pretos como se tivesse sido costurada e uma dor de cabeça me atingiu.
Notei que eu estava deitado em uma maca, aquelas camas de hospital. Na verdade, eu estava em um hospital. Paredes brancas, frigobar e algumas pessoas adormecidas no sofá ao lado da cama. Bill e Simone Kaulitz eram as pessoas.
Com o silêncio, ouvi o barulho ritmado bip, bip, bip no aparelho estranho ao lado. Mas que raios eu estava fazendo em um hospital?
Eu forcei uma tosse.
– Simone – Chamei. Minha voz estava rouca. – Simone!
Minha mãe acordou e veio até a maca com os olhos cansados. Passou o olho pelo meu gesso, minha mão com pontos e algum lugar na minha testa. Ela passou a mão e eu tombei a cabeça para o lado quando senti fagulhas machucarem.
– O que eu estou fazendo aqui? – Perguntei.
– Tom, você tem noção do que fez no seu quarto? – Ela perguntou com voz séria sem seu tom brincalhão comum. – Você quebrou o espelho do banheiro, cortou a mão, conseqüentemente, uma veia. Quebrou a cama, machucou a testa, torceu o braço e seu quarto está desabando!
Eu soltei o ar pesado como se estivesse prendendo a respiração.
– Sua mão sangrou até você desmaiar e sua testa contribuiu para isso, sem falar que eu cheguei e você estava tentando se afogar em uma banheira de sangue.
– Entendi, mãe.
– Entendeu o que? Eu nem comecei a falar! – Ela colocou as mãos na cintura e trocou de posição algumas vezes – Eu te conheço, Tom. Bill também te conhece bem. Encare os fatos, admita. Isso é por causa da Julia.
Sua imagem voltou a perturbar minha mente. Eu balancei a cabeça e admiti que sim.
– Por quê? O que ela fez?
– Me fez amá-la. – Eu respondi seco – E depois perdê-la, porque eu fui burro demais.
– Só isso?
Eu fiquei com raiva e minha vontade era de arrancar os fios do meu braço e sair correndo quebrando tudo.
– Não é só isso, mamãe – Eu rugi – Você não entende a profundidade disso. Julia me amava e Julia era uma fã. Eu disse para ela que fãs não amavam de verdade. Eu não tinha parado para pensar e decifrar em palavras o que eu estava sentindo. E ela foi embora. Porque eu gritei com ela. Porque eu desconfiei dela e achei que ela estivesse mentindo sobre o que ela era. Então ela foi embora.
– Ela vai voltar!
– Não! – Eu senti lágrimas escorrerem – Não vai, não! Ela tem razões para me odiar agora.
Não seria mais só uma brincadeira.
Simone limpou algumas lágrimas minhas e beijou minha mão. Ela saiu do quarto no mesmo minuto e eu vi Bill abrir os olhos. Ele já estava acordado para ouvir toda a conversa.
– Tom...
– Eu já ouvi o que você tem a dizer, da boca da minha mãe – Eu o cortei – Não precisa vir com lições e tentar me convencer que Julia vai voltar.
Bill pegou o telefone no bolso. Eu o observei. Ele discou alguns números e depois começou a falar:
– Gus? Sou eu, Bill. Escuta, você tem o celular da Julia?
O bip, bip do meu lado acelerou e eu tentei me sentar na cama e alcançar o telefone para desligá-lo imediatamente, mas a dor foi maior.
– O que? – Bill continuou – E por que ela faria isso? Ah, claro. Tom. Gustav, o problema não é a banda, é ele, vamos concordar. Ok, quando tiver noticias, me ligue.
Bill desligou o celular.
– Julia provavelmente quebrou o celular dela.
– Imagino o porquê – Eu disse e Bill bufou.
– David está chegando com noticias e com os garotos.
Eu puxei a coberta e me cobri até a cabeça.
– E quanto tempo eu preciso ficar aqui? – Perguntei. Bill poderia me responder isso.
– Hoje à noite, se quiser. Se mamãe quiser. Ela acha que você está em depressão. Eu concordo.
Em poucos minutos, a porta se abriu e eu vi David entrar com Gustav e Georg. Eles acenaram e se sentaram no sofá. David começou a falar:
– A turnê foi cancelada.
Estremeci. Era minha culpa, não era? O silêncio foi dramático e desnecessário. Onde estava o Bill que criticava tudo e interrompia as falas?
– Devido a uma série de fatores. Todos eles envolvem Tom. – Eu bufei – Mas ele vai se recuperar até abril, não é? A turnê vai começar oficialmente em abril, com o primeiro show dia três de abril em outro país. Não me lembro agora qual.
– Me desculpe David – Eu murmurei.
– Tudo bem, Tom. Eu só vou pedir uma coisa para os quatro: não se apaixonem. É a pior coisa que vocês poderiam fazer agora.
Ele saiu do quarto sem falar mais nada. Eu tomei coragem e fitei os olhos inexpressivos de Gustav.
– Me desculpe Tom – Gustav disse e eu arregalei os olhos.
– Eu quem devo pedir desculpas por me envolver com sua prima. – Eu disse.
– Eu devo pedir desculpas por trazê-la aqui. – Ele retrucou – Eu pensei que seria o melhor a fazer, e ela me atingiu da pior maneira. Ela fugiu. A mesma coisa que Jamie fez.
Eu não entendi a ligação que ele tinha feito. O que Jamie tinha haver com Julia? Além de serem primas, é claro.
– Jamie fugiu. Um caminhão bateu de frente em seu carro e ela teve perda da maior parte do cérebro. Ela está morta se não fosse pelos aparelhos que trabalham por ela.
Todos o olhavam, incrédulos. Eu só conseguia pensar se Julia estava bem ou não. O pânico me atingiu.
– Gus, Jamie não estava em outro país? – Georg perguntou.
– É, eu menti – Gustav admitiu – Minha mãe está esperando que Julia vá visitá-la no hospital, para poder desligar as máquinas de uma vez.
Gustav forçou um sorriso e eu senti pena.
– Julia é como se fosse minha irmã mais nova, que não existe mais. E por isso eu a trouxe. Queria que ela ficasse comigo. Jamie gostava de você, Georg...
Georg fez uma careta, um misto de surpresa e felicidade.
– Eu lamento, Gus – Georg foi o primeiro, seguido por Bill e por mim.
– Jamie ficava tentando escutar o solo do seu baixo no porão, quando tocávamos na minha casa – Gustav continuou, fitando o nada.
Eu me lembrei de quando Julia esbarrou em alguma coisa no corredor e eu soube que ela estava me ouvindo cantar An Deiner Seite. Eu a mandei voltar para o quarto, mas desejando que ela começasse uma briga ali mesmo só para continuar me ouvindo cantar.
Balancei a cabeça novamente. O rosto de Julia sumiu como fumaça.
– Bill... – Eu chamei a atenção – Terminou a tradução de An Deiner Seite?
– Sim, terminei.
– Me empresta depois para eu tocar? – Perguntei.
Bill apontou para o meu braço engessado e depois para os pontos na minha mão. Eu forcei uma risada muita falsa pelo visto. Que lindo, agora não posso tocar violão.
– Quando vou voltar para casa? – Eu perguntei.
– Hoje à noite, eu já disse – Bill repetiu.
– Não, em Magdeburgo! A casa do Gustav, a nossa casa.
Bill fez uma careta e os Gs trocaram olhares.
– Tom... – Georg começou.
– Não é uma boa idéia... – Gustav continuou e Bill terminou a frase, como se tivessem planejado:
– Ver a Julia agora.
O bip, bip do meu lado começou a irritar, o barulho estava acelerado, meu coração estava acelerado. Eu podia senti-lo por cima da camisola.
– Julia está em Magdeburgo? – Eu sussurrei.
A porta se abriu e uma enfermeira entrou correndo para o aparelho. Ela colocou um estetoscópio e me examinou, eu murmurei algo como “estou bem”, mas deve ter saído como “Julia está em Magdeburgo”. Frases totalmente diferentes.
– Me respondam! – Eu falei alto.
A enfermeira sussurrou “shh!” para mim.
– Você achou que ela estava aonde? – Bill perguntou.
– Sei lá, no Brasil! É onde ela mora, e Chelsea e aquele menino são brasileiros também.
De repente, algum ponto de esperança brilhou em mim. Eu poderia ir até Magdeburgo falar com ela. Minha preocupação sempre foi que ela estivesse no Brasil, então eu não poderia ir. Mas se ela está na cidade praticamente aqui do lado... Eu poderia ter minha pequena de volta!
Ou não.
Ela me odiava, certo?
Eu respirei fundo e analisei o gesso e depois os pontos. Minha cara deveria estar horrível. Que raios eu tinha na cabeça para virar meu quarto de cabeça para baixo daquele jeito? Eu deveria estar fora de controle.
A enfermeira foi embora depois que as batidas do meu coração se estabilizaram em um ritmo mais comum.
– Gustav e Georg vão voltar para Magdeburgo – Bill falou depois de um momento de silêncio.
– O que? Levem-me junto! – Eu disse.
– Tom, não! – Gustav falou mais alto – Você vai ficar. Vai passar um tempo com seus amigos aqui de Leipzig, reformar seu quarto e sua vida.
Eu senti uma pontada de raiva do Gustav.
– Mas...
– Você vai ficar longe da Julia por um tempo, e quando ela quiser te ver, ela verá! O que eu duvido muito por você tê-la deixado aos soluços naquele hotel. E talvez quando você voltar, ela já vai estar de volta ao Brasil – Gustav terminou se levantando em direção a porta.
– Gustav! – Eu gritei.
– Já chega, Kaulitz! – Gustav retrucou – Você não vai ficar com a minha irmã... Com a minha prima – Ele se corrigiu e saiu do quarto sendo seguido por Georg.
Eu me encolhi na cama quando os dois se retiraram.
Bill se aproximou da cama olhando para os próprios pés.
– Você concorda com ele, Bill? – Eu perguntei.
Bill trocou um olhar cauteloso comigo e desviou depois vendo que eu poderia ver a resposta em seus olhos; gêmeos idênticos.
– Acho que você deveria ficar bem.
– Ah, obrigado. Simone e Julia já me disseram isso hoje – Eu disse e completei: -, nos meus sonhos. Eu quero ir embora.
– Eu vou chamar as enfermeiras para você se arrumar.
Bill se retirou do quarto e em minutos, duas mulheres vestidas de branco entraram. Elas tiraram os fios grudados ao meu corpo e me ajudaram a me vestir. Eu arrumei meus dreads no banheiro, ajeitei a faixa para cobrir o machucado na testa e em poucos minutos, eu poderia ser Tom Kaulitz novamente, mas sem o braço engessado.
Saí do quarto e encontrei Bill conversando com Gordon e Simone no corredor.
– O médico de raios-X passou por aqui e disse que você poderia tirar a tala, se prometesse usar aquela luva ortopédica – Simone me disse.
– Ótimo, eu prometo qualquer coisa para tirar isso daqui antes de sair do hospital.
Desci até o subterrâneo do hospital e tirei a calha assim que Gordon voltou da farmácia com a luva. Entramos todos em seu carro e voltei para casa com a família.
Assim que pisei nos primeiros degraus, senti vontade de me jogar na minha cama, mas aí me lembrei que ela estava quebrada – o que me causou uma luva ortopédica e um curativo na testa.
– Você vai dormir no quarto de Bill hoje – Mamãe respondeu aos meus pensamentos – E vai fazer uma lista ou qualquer coisa do tipo, porque amanhã vamos fazer umas compras para seu quarto.
– Posso incluir um piano preto da yamaha e uma nova guitarra da gibson? – Perguntei esperançoso.
– Desde que você não faça barulho. – Simone concluiu e eu sorri – Mas agora você vai tomar um lanche da tarde, sabe há quantas horas não come de verdade, mocinho?
Eu contei mentalmente. Desisti, matemática era escrito em japonês para mim.
– Mais ou menos vinte e quatro horas. Sua última refeição foi um sorvete de baunilha – Bill informou.
– Isso me lembrou que eu preciso de uma secretária – Eu disse – Que não grite no meu ouvido e que conte minhas refeições.

Bill apagou a luz do quarto e eu me virei na cama, me cobrindo até a cabeça. Fechei os olhos e minha primeira imagem foi uma jóia preta, um piercing para ser mais preciso. O piercing de Julia. E minha primeira sensação foi tocar aquela jóia. Estremeci. Senti saudades.
– Bill, o que vamos fazer na próxima semana, além de ficar enfurnado em casa? – Eu perguntei.
– Hm? Compras. E depois o que você quiser fazer. Ah, espera. Andreas e Hilary vão vir aqui.
– Boa noite Bill – Eu disse por fim.
Sexo. Eu poderia esquecer – ou desviar – Julia dos meus pensamentos com sexo, e estou certo de que Hilary não vai hesitar em aceitar.
A luz estava apagada, mas o computador iluminava metade do quarto onde Chelsea e Henry estavam entretidos e Julia adormecia na cama feita ao lado da cama de Chelsea. Henry observou a pequena se remexer um pouco. Ele prestou atenção. Julia estava tendo um pesadelo. Seus finos gritos eram abafados pelo travesseiro.
– Chel – Henry cutucou a amiga – Olha a Jus.
– Acorde-a – Chel obrigou o garoto de olhos cinzentos.
Henry não hesitou em caminhar até a cama improvisada da garota. Se abaixou e passou a mão pelo seu cabelo. Com um susto, a menina se virou e se sentou na cama, chorando sem abafar os soluços. Henry não entendeu o motivo, naturalmente.
– Calma, era só um pesadelo – Ele sussurrou.
Julia fitou os olhos brilhantes de Henry que brilhavam até mesmo no escuro. Ela não estava totalmente consciente, mas sabia quem estava vendo, e o que estava fazendo. Encurtou o espaço e colou os lábios na boca do garoto.
Henry apoiou Julia com uma mão em sua cintura e outra no seu cabelo, ele a beijou, brincando com o piercing da menina. Era divertido e especial beijá-la depois de tantos anos querendo tocar aqueles lábios. Henry foi o primeiro a se afastar por falta de ar. Ele fechou os olhos e selou os lábios novamente e depois a abraçou. Deitou carinhosamente a garota na cama e esperou que ela adormecesse nos seus braços.
Garotinha, garotinha, por que esta chorando? Dentro de sua alma incansável, seu coração está morrendo. Pequena, pequena, sua alma está expurgando de amor e navalhas – Green Day

Postado por: Grasiele

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