sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Resumption - Capítulo 65

Mais um dia de chuva intensa, o vento uivava furiosamente arrastando sem piedade as poucas folhas ainda restantes nas árvores... E, mais uma vez, eu estava observando através da janela a natureza agindo livremente.
Havia uma única árvore resistindo àquelas mudanças do inverno e eu me sentia como ela: tentando buscar forças, lutando contra o frio e à força impiedosa do tempo.
Encostei minha testa no vidro gelado e fechei os olhos relembrando os três meses que demoraram a passar, os dias arrastaram-se de maneira torturante. A dor parecia menos agressiva, havia aprendido a conviver com ela, mas, toda vez que ligava para conversar com Camila e Anne, meu coração apertava e tudo que eu queria era correr para casa... Entretanto, eu sabia que ainda não estava preparada, não tinha força suficiente para deixar meus avós e enfrentar o turbilhão de lembranças que cada canto guardava.
Eu estava preocupada com minhas amigas, principalmente com Camila que parecia abatida e temia que a situação causasse, de alguma maneira, complicações para sua gravidez. A ideia de retornar à Berlim mesmo que fosse por pouco tempo surgia constantemente em minha mente, já que minha melhor amiga precisava de mim mais do que nunca, era a fase mais importante e bonita de sua vida, mas ela me fez jurar que voltaria apenas quando estivesse preparada e não pude negar... Camila me conhecia o bastante para saber que por ela eu faria qualquer coisa, até mesmo ignorar meus problemas.
Anne parecia bem, apesar de também demonstrar abatimento em sua voz, dava-me notícias dos garotos e, toda vez que eu ligava, repassava os recados para mim e, na maioria das vezes, eram palavras afetuosas de Bill, às vezes Georg, David e Gustav também o faziam, mas
ele jamais havia dito algo... Eu apenas fingia não me importar, sequer pedia notícias, tentando não dar brechas para que a dor quebrasse as barreiras que eu havia levado algum tempo para construir.
O tempo passara devagar, mas eu sequer notara que o natal estava próximo, faltavam exatamente sete dias para a ceia e minha avó não parecia preocupada com a proximidade da data, o máximo que fizera foi montar a árvore e, assim como quando era criança, ajudei-a a enfeitar aquele enorme pinheiro.

–Estamos quase acabando, graças a Deus! –vovó murmurou pendurando o último enfeite em um galho vazio. –Agora só falta você colocar a estrela, querida. –sorriu alcançando-me uma grande estrela prateada, a qual coloquei no topo da árvore.

–Ficou uma beleza. –vovô comentou após ligar o pisca-pisca.

–Eu estava pensando sobre a ceia... –vovó sentou-se no sofá. –Duda, querida, não quer reunir seus amigos aqui?

–Não sei se é uma boa ideia, vovó. –respondi após dar um longo suspiro. –A senhora sabe que todos têm suas famílias e é uma das poucas vezes em que podem estar realmente em casa. –sentei ao seu lado. –E, além disso, ninguém sabe onde estou.

–Nem mesmo a sua melhor amiga? –vovó questionou curiosa.

–Não, Camila nem tem ideia de onde eu possa estar. –confirmei jogando minha cabeça para trás e encarei o teto.

–Está bem, seremos apenas nós então. –vovô encerrou o assunto e não houve mais nenhuma palavra.


Vovó levantou do sofá seguindo para a cozinha, enquanto eu acompanhava vovô até o piano após receber o convite para tocarmos juntos. Desde pequena eu sabia tocar piano, meu avô tinha toda a paciência do mundo para me ensinar e apenas deixara de praticar quando me mudei para Berlim, já que não tinha um piano em casa.
Sentei-me ao lado de vovô e comecei a tocar, sentia a música invadir meus ouvidos, meu coração parecia bater mais leve à medida que meus dedos corriam sutilmente pelas teclas. Fechei meus olhos deixando que minhas emoções me guiassem, senti como se não houvesse nada além de mim, meus sentimentos e o piano ali.
Quando abri os olhos vovô e vovó me encaravam, havia um sorriso iluminando o rosto de meu avô e pequenas lágrimas discretas corriam pelos olhos de minha avó.

–Bravo, querida. –vovô bateu palmas e afagou meus braços. –Acho que está tocando melhor do que eu!

–Duvido, o senhor é o melhor. –discordei levantando-me do banco.

–Eu não tenho nem palavras. –vovó sussurrou. –Foi tão bonito. –sorriu secando as lágrimas em seus olhos. –Até o sol veio ouvi-la tocar.


Instintivamente lancei meu olhar para a janela, constatando que a chuva havia parado e que o sol brilhava iluminando a grama verdinha. Aquela mudança repentina servira para mim como um bom presságio, algo, que eu não tinha nem ideia do que pudesse ser, aconteceria.


–Acho que poderíamos dar um passeio, que tal? –vovô propôs.

–Podem ir, eu preciso arrumar algumas coisas na cozinha. –vovó disse e retirou-se rapidamente da sala.


Eu realmente estranhei quando minha avó disse tal coisa, já que a sua cozinha estava sempre perfeitamente arrumada e chegava a brilhar de tão limpa, mas tentei ignorar a minha curiosidade e segui vovô em direção às baias.

–Hey, Sinn! Como vai, garota? –perguntei acariciando a égua inteiramente branca.


Havia uma sincronia inexplicável entre mim e ela, eu ganhara a pequena e desajeitada Sinn em meu aniversário de dois anos, apesar das diferenças óbvias, éramos iguais na maioria das coisas e isso fazia dela uma parte de mim... Sinn era minha melhor amiga, passávamos a maior parte do tempo juntas em minha infância e crescemos juntas.
–Finalmente poderemos passear novamente! –sorri acariciando sua crina levemente dourada. –Eu queria ter saído com você mais vezes, mas estava caindo o mundo lá fora, você sabe... –fiz uma careta e revirei os olhos. –Mas agora que o sol está brilhando vamos aproveitar, certo? –Sinn balançou a cabeça até seu focinho ter contato com minha mão e lambeu-a em seguida.


Sorri com o gesto de minha amiga e, após encilhá-la, montei sobre ela, seguindo em direção ao campo, vovô surgiu em seguida montado em Schwarz, seu cavalo negro. Passeamos pela fazenda ora troteando rapidamente, ora cavalgando, eu me sentia como um pássaro voando livremente quando Sinn corria.
Já estava escurecendo quando voltamos para a casa, tomei um banho relaxante, jantei na companhia de meus avós e depois deitei em minha cama, não demorando muito para adormecer.
A semana passara rapidamente e, tanto eu como meus avós, estávamos ocupados com os preparativos para a ceia. Vovó e eu havíamos saído na terça-feira, dia 22, para comprarmos os presentes no centro da cidade, seríamos apenas os três em casa, mas eu aproveitei para comprar os presentes de meus amigos também, porque, mesmo estando longe deles, encontraria uma maneira de enviá-los.
Nos dias anteriores eu havia observado minha avó e notara que ela estava um pouco estranha, mas não quis questioná-la sobre assunto... Se quisesse e precisasse me contar algo ela já o teria feito.
Voltamos para casa com um grande número de embrulhos, mas a maioria não era minha, como eu pensei que fosse... Aquilo estava muito estranho. Colocamos todos os presentes em baixo do grande pinheiro e seguimos para a cozinha, encostei-me à bancada da pia e fiquei observando minha avó conferir os mantimentos para a ceia.

–Vovó, desculpe por perguntar, mas tem algo errado ou que queira me contar? –perguntei não contendo minha curiosidade.

–Está tudo bem, meu bem. –sorriu e voltou seu olhar doce para mim. –A única coisa que devo contar é que teremos visitas na ceia, alguns amigos.

–Ah, é isso... –murmurei ainda tendo a sensação de haver algo a mais.

–Exatamente! Por isso amanhã precisaremos ir às compras. –avisou pegando um lápis e um bloco de papel sobre a geladeira. –Você se importa em me fazer companhia?

–Não, eu vou com a senhora.

–Obrigada, querida.


Deixei vovó com suas anotações na cozinha e segui para a varanda sentindo a necessidade de conversar com meu avô sobre o que vovó acabara de me contar.

–Parece chateada com alguma coisa, querida. –vovô comentou assim que me sentei ao seu lado.

–Só estou um pouco curiosa sobre a ceia...

–Ah, sim. –movimentou-se parecendo desconfortável. –Pensamos que você precisa se distrair um pouco, então convidamos alguns amigos... Espero que goste deles.


Fiquei quieta dando a entender que minha curiosidade havia sido sanada, mas na verdade eu não estava muito convencida quanto àquilo. Naquela noite eu tomei um banho rápido, não desci para jantar porque estava sem apetite e me sentei na varanda de meu quarto para observar as estrelas, meu olhar fixava-se no céu e aos poucos me sentia relaxar como se estivesse levitando, viajando no espaço sideral.
Acordei no dia seguinte com o sol da manhã aquecendo meu corpo, havia uma tímida brisa balançando meus cabelos. Apoie-me na parede e, após levantar, observei as cerejeiras florescendo, todas exceto uma: a que ficava bem em frente à janela de meu quarto.

–Não se preocupe querida, tudo tem seu tempo. –a voz de vovô soou atrás de mim.


Sorri desejando bom dia, fiz minha higiene matinal e desci para tomar café, vovó já estava pronta para sairmos e esperou que eu terminasse o meu dejejum. Saímos de casa por volta das dez horas, vovô ficara em casa e não se chateou por ter que almoçar sozinho, já que vovó fizera questão de me levar para almoçar fora.
O sol já se punha quando chegamos em casa depois de um dia divertido, vovó e eu fizemos as compras para a ceia após passearmos pela cidade. Descarregamos as compras e guardamos tudo em seus respectivos lugares nos armários e, antes de ajudar vovó a preparar o jantar, tomei um banho.
–É melhor irmos dormir cedo hoje. –vovó comentou após sentar-se à mesa.


Jantamos conversando sobre os preparativos para o dia seguinte, vovô avisou que os nossos convidados chegariam perto do anoitecer e vovó arregalou os olhos.

–Isso quer dizer que teremos de nos virar sozinhos, meu Deus!

–Acho que nós podemos lidar com isso, vovó. –comentei tentando acalmá-la.

–É claro que daremos conta, querida! –vovô concordou comigo. –Tudo vai sair bem, não se preocupe.


Vovó levantou-se de sua cadeira, seguiu para a cozinha e voltou rapidamente segurando uma bandeja com três taças em uma mão e na outra carregava uma garrafa de vinho tinto. Vovô sorriu e apressou-se a abrir a garrafa, serviu as taças e entregou-nos.

–Um brinde a nós e seja o que Deus quiser. –vovó disse erguendo sua taça para um brinde.

–Boa sorte. –ergui minha taça.

–Que Deus nos ajude. –vovô sorriu e brindamos, tomando o conteúdo da taça em um único gole, o que era “tradição da família para os brindes”.


Subi para meu quarto após o brinde, eu queria ajudar minha avó a lavar a louça como eu vinha fazendo, mas ela me impediu e pediu para que eu fosse descansar. Deitei em minha cama apenas com uma camiseta e a calcinha, me cobri com os cobertores e, talvez por causa do vinho, adormeci quase instantaneamente.
Na manhã seguinte acordei pouco depois das dez horas, quando cheguei à cozinha, meus avós já haviam começado os preparativos para a ceia. Tomei um café preto e entrei no ritmo, meus avós cuidavam dos alimentos, enquanto eu tinha o dever de conferir as louças e toalhas.

–Seremos doze essa noite. –vovó informou enquanto preparava algo para almoçarmos.

–Vai faltar espaço embaixo da árvore, vovó. –comentei rindo.


O dia foi cansativo e as horas passaram voando, marcavam sete horas no relógio da cozinha, faltava apenas o peru terminar de dourar. Estávamos revezando na cozinha para que todos pudessem tomar banho antes que os convidados chegassem e eu resolvi ficar por último.
Eram oito e meia quando fui tomar banho, procurei não demorar muito, levei cerca de trinta minutos até ficar totalmente pronta... Sequei meu cabelo e prendi-o em um coque, fiz uma maquiagem bem básica que me deixasse mais perto o possível do natural, vesti-me e calcei meu sapato.

–Posso entrar? –ouvi a voz de vovó soar após as batidas na porta.

–Claro.

–Você está linda, querida! –comentou após lançar-me seu olhar terno. –Nossas visitas já chegaram e estão ansiosas para ver você.

–Eu já estou indo.

–Vou espera-la lá embaixo. –beijou minha testa e saiu fechando a porta atrás de si.


Guardei o secador de cabelo no armário do banheiro e, antes de descer para cumprimentar os convidados, liguei para Camila, mas ela não atendeu o telefone de casa e nem o celular. Tentei falar com Anne, Bill, Gustav, Georg e até mesmo David, mas não consegui falar com ninguém.

–Que estranho... –murmurei.


Coloquei o telefone sobre a mesa de cabeceira e respirei fundo antes de seguir para a sala, saí do quarto, mas não havia mais o burburinho de vozes que eu conseguia ouvir antes. Desci as escadas lentamente e, quando finalmente cheguei ao andar inferior, senti meu coração dar um pulo e tudo o que eu vi depois disso foi a escuridão.

Postado por: Grasiele

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