Eu não estava completamente destruída, mas também não estava inteira. O médico queria que passasse a noite no hospital e eu não queria de maneira nenhuma, tinha trauma de hospitais, só o cheiro daqueles remédios me dava náuseas. Implorei para que o médico me liberasse, mas foi em vão. Tive que ficar em observação e ainda por cima falar com policias que queriam saber do ataque e se eu queria prestar queixa contra os bandidos. Disse que não, até porque pediriam os exames que com certeza constataram o uso de álcool e drogas, então achei melhor ficar quieta e deixar as feridas sararem com ajuda de uma boa garrafa de uísque. Mas não naquela noite, pois teria que ficar naquele maldito hospital.
As meninas da boate me ligaram e eu avisei que teria que ficar de observação, elas ficaram preocupadas, ou fingiram muito bem e disseram que avisariam o Damon que eu ficaria ausente por alguns dias. Liguei para a única pessoa que eu tinha alguma ligação, Lou, ela ficou desesperada e falava em espanhol, as únicas coisas que entendia eram ‘Dios’ e “La virgem”. Lou insistiu em me visitar e ficou espantada ao ver meu rosto completamente machucado, meu olho direito roxo, meu pulso esquerdo enfaixado e minha boca cortada, fora os arranhões e hematomas da queda. Ela ficou um pouco comigo e disse que ficaria, mas como havia polícia no local e ela era ilegal, achei melhor que ela fosse mesmo para casa.
Era noite de novo e eu estava assistindo absolutamente nada na TV, pois não estava prestando atenção em nada, estava um pouco sonolenta pelos remédios e sentia frio, decidi sair um pouco e levei o soro junto comigo. Aquela seria minha peregrinação hospitalar noturna. Olhei para os lados e o corredor estava deserto, cheguei ao final do corredor e vi uma sala enorme, ao lado dela tinha uma plaquinha minúscula, com letras mais minúsculas ainda, escrito “Tratamento infantil”. Ao ler a plaquinha em voz baixa olhei para o vidro e pude ver várias caminhas e corpinhos respirando em cima delas. Olhei para os lados e abri a porta, entrei no quarto e comecei a observar cada corpo dormindo ali, pareciam anjinhos, todos de branco e dormindo um sono profundo, a maioria deles estavam carecas e eu passeava com cuidado para não fazer barulho. Vi uma das crianças descoberta e fui até ela para cobrí-la, era uma menina de aproximadamente cinco anos, percebi pela boneca de cabelos louros que estava sendo esmagada pelos braçinhos frágeis e brancos daquele anjo. Sorri e senti um aperto no coração ao ver furos na mãozinha da pequenina, balancei a cabeça negativamente, sem conseguir me conformar em como poderia acontecer isso com um ser inocente como aquela menina. Uma lágrima estava presa, mas não saiu e eu me levantei pronta para voltar para meu quarto, escutando uma voz fraca e cansada.
- Oi tia.- Disse a menina que estava com a boneca
- Oi anjinho, desculpa, te acordei?
- Não, você ta dodói? – perguntou sussurrando depois de limpar os olhos e ver meu olho roxo que ficou mais evidente devido a luz da lua que refletia dentro do quarto.
- Aham, a tia caiu e bateu o rosto no chão.
- Sabe tia? Eu também estou dodói, minha barriga dói muito e até sai sangue da minha boca.- Disse com uma ingenuidade que me cortou o coração.- Mas a minha mãe falou que daqui a pouco eu saro e quando eu sair vou comprar um cabelo igual ao da minha boneca.- Terminou otimista e me mostrando a boneca.
- É meu amor, você vai sim, você vai ficar linda com o cabelo da sua boneca, vai ficar uma princesa.- Disse acariciando sua carequinha.- Eu vou indo ta bom? Vou deixar você dormindo.
- Amanhã você volta?
- Não sei, volto sim... como é seu nome?
- Vitória, e o seu tia?
- Sara.
- Tia?- Perguntou piscando os olhos de tanto sono.- Você manda oi pra ele? – A menina parecia não saber o que falava.
- Pra ele quem?
- Pro Bill.- Falou com a voz quase inaudível apontando para a porta do quarto e eu apenas a vi deitando novamente na cama e dormindo profundamente.
Saí do quarto triste pelas crianças e respirei fundo para voltar pro meu quarto. Abri a porta lentamente e ao entrar e ascender à luz levei um susto.
- Meu Deus do céu!! – Falei colocando a mão no coração e o sentindo sair pela boca.
- Desculpa.- Disse o punk realmente ressentido por ter me assustado.
- O que você quer aqui assombração?? – Perguntei ainda ofegante pelo susto. -Já sei, você a morte não é? Por isso te vi ontem de manhã no café e por isso você apareceu hoje à tarde? Você quer me levar né? Mas saiba você morte desgraçada que EU NÃO VOU. Tenho muito o que viv...
- Se destruir ainda, não é?- Me interrompeu colocando palavras na minha boca. Disse calmo escorado perto da janela com as longas pernas finas esticadas e os braços cruzados perto do tórax.
- Então é verdade... você não é real? É um fantasma?
- Não, não sou um fantasma, não sou a morte, muito pelo contrário, eu estou aqui para ajudar você a salvar a sua vida... e sim, eu sou real Sara.
- É merda nenhuma! Esse maldito soro dos infernos que me deram, deu efeito alucinógeno.- resmunguei balançando o soro.
- Você não tomou soro ontem de manhã quando me viu, embora você tenha cheirado aquela droga na cozinha e no banheiro, na sua casa, no bar todos os dias...
- Então você é um psicopata que me segue, o que foi? Transei com você e disse que foi uma merda, e agora você quer me torturar psicologicamente? – Fiz uma pausa colocando a mão na boca.- Peraí...- Fiz outra pausa.- Foi você que mandou aqueles caras me atacar não foi?
- Não, eu já disse que eu te achei...
- Não achou coisa nenhuma! Os policias disseram que uma velha de cabelo azul me achou e chamou a polícia, e você não tem nada de velha e muito menos tem o cabelo azul.- Disse de braços cruzados interrogando o par de olhos castanhos brilhantes cobertos pela maquiagem negra e um sorriso largo e indescritível brotar na face do Punk quando o comparei com uma velha.
- Eu preciso ir Sara, e você precisa dormir, uma das enfermeiras virá te ver daqui a 5 minutos, eles não podem me ver aqui.
- Ta, então vai, eu quero ver você sair andando por aquela porta, só assim vou acreditar que você existe.- Disse indo até a porta e abrindo. - Anda.- Ordenei olhando fixamente na figura que se mexeu e caminhou lentamente até a porta olhando em meus olhos.
Andou em silêncio até chegou a passar pela porta e voltou para me perguntar.
- Você não tem um recado de alguém para me dar?- Perguntou com a sobrancelha levantada.
- Recado de quem? – Perguntei sem paciência.
- Da Vitória.- Respondeu calmo. Fiquei sem reação, abri a boca para responder, mas as palavras não saíam.
- Bi...
- Bill, eu me chamo Bill. – Terminou balançando positivamente a cabeça e me dando as costas, sumindo lentamente pela luz do corredor.
quarta-feira, 6 de julho de 2011
Angel In Disguise - Capítulo 3
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